O País vive numa encruzilhada muito complexa. O aprofundamento da democracia não é ainda um facto palpável e transversal a toda a sociedade angolana, sendo certo que, quando mais nos deslocamos para fora da capital, menos margem de manobra existe para aqueles que não aderem ao pensamento único, imposto muitas vezes por dirigentes político-partidários que, tão serôdios e há tanto tempo na cadeira do poder - sem qualquer actividade digna de uma notazinha de pé de página - se comportam como sobas ou como reis, atropelando os direitos de toda a gente, inclusivamente dos seus próprios correligionários.
Mesmo em Luanda, contam-se pelos dedos os que entendem que uma das armas essenciais para "abrir" a cabeça das pessoas, pô-las a pensar de forma autónoma, consciente, além, como é lógico, da educação para a liberdade, são os meios de comunicação social. Há, com permanência e desmesurada atenção, quem faça do controlo do que cada um escreve o seu modo de vida, sem perceber - ou fingindo que não percebe - que, mesmo com erros, com incorrecções, com falhas inerentes à condição humana, é essencial, numa sociedade em transição como é a nossa, que os jornais, as rádios, as revistas, as televisões e as agências de notícias lutem pelo direito à pluralidade de opiniões e de informação, obedecendo, como é bom de ver, às regras básicas a que estamos obrigados, jurídica e eticamente falando.
Não nos referimos a críticas construtivas da parte de colegas e/ou camaradas de profissão. Apenas e tão-só a uma velha e relha mentalidade de controleiros que faz com que abram um jornal, na mira de ver o que está menos bem (ou aquilo que surge com o qual sistematicamente discordam), sem serem capazes de ultrapassar a lógica do pensamento único.
Vem tudo isto a propósito de dois acontecimentos importantes do ponto de vista do exercício do jornalismo em Angola: o primeiro, positivo, e que é imperioso saudar: o (re)nascimento do Angolense, com muita pena nossa por não ser em papel, o que compreendemos perfeitamente, dadas as condições económicas actuais, mas um nascimento a saudar. Porque ajuda a aprofundar o debate democrático, porque é gente que pensa pela sua própria cabeça e, sendo assim, ajuda a contribuir para o aumento do pluralismo e da discussão de ideias. Sempre é mais uma força a convencer os mais renitentes que um adversário político não é um inimigo; que uma crítica fundamentada não é uma declaração de guerra nem de inimizade; e que é forçoso pôr fim a esta ideia, muito alimentada sempre pelo mesmo tipo de gente, de que "quem não é por nós, só pode ser contra nós".
O segundo refere-se à suspensão do Rede Angola. O projecto, por abrir a porta a opiniões contrárias, diversas e abertas, concordássemos ou não com elas, tornou-se um espaço obrigatório de leitura, uma página a seguir várias vezes ao dia, realizada por colegas, jovens ou menos jovens, porém, com provas mais do que dadas da sua capacidade, das suas preocupações sociais, enfim, do seu patriotismo, consciente e lúcido, crítico e ponderado. A pausa do Rede Angola, como lhe chama Sérgio Guerra, é um golpe duro neste edifício que, com muito esforço, estamos a construir. De haver em Angola uma imprensa séria, plural, não identificada com quaisquer interesses que não sejam os de servir os leitores e o País que nos viu nascer.
Bem sabemos que não é fácil, sob todos os pontos de vista, manter um meio de comunicação social independente do Estado. Que é preciso uma consciência nacional acima do normal, para arcar com os custos e responsabilidades que empreitadas como esta obrigam. Mas há que teimar. Há que insistir. Há que não desistir. Daí que tenhamos que lamentar esta perda, na crença de que outros hão-de surgir, como o Correio Angolense, para bem de Angola, para bem dos angolanos e para bem de um projecto inclusivo de construção de uma sociedade verdadeiramente democrática.