O episódio ocorreu numa altura em o Executivo acabava de enviar ao Parlamento um projecto-lei com vista a «controlar» as acções das ONG"s nacionais, uma iniciativa do Titular do Poder Executivo (TPE) que, entretanto, foi recebida com profunda desconfiança no panorama político nacional.

No horizonte pairam fortes suspeitas de que o projecto-lei, de inspiração Putin, terá como fim último banir determinadas ONG"s, sobretudo as mais críticas à governação do Presidente João Lourenço, que têm vindo a denunciar os constantes atropelos aos direitos humanos e às liberdades individuais e colectivas.
Não deixa de ser sintomático o facto de as organizações que estarão na mira do Executivo sobreviverem à custa do financiamento de instituições estrangeiras, ao contrário das demais tidas como de utilidade pública que vivem às expensas do Estado angolano.

Não se tem memória de que essas organizações, supostamente criadas à sombra do poder para bajular, tenham alguma vez prestado contas, publicando os seus relatórios e contas, como são obrigadas por lei. Desse leque de organizações, avultam o Movangola, Amangola, Movimento Nacional Espontâneo (MNE) e Kabuscorp do Palanca.

Embora tivesse negado a autoria do texto, que foi amplamente divulgado nas redes sociais sobre um suposto envolvimento de uma instituição norte-americana em actos de espionagem em Angola, os argumentos que o CIPRA usou, em sua defesa, foram considerados «pouco convincentes».

As reacções negativas ao texto de suposta autoria do CIPRA não só criaram uma certa animosidade entre as ONG"s, como também no seio de uma instituição próxima à Presidência da República, que tem por missão reciclar a imagem do Titular do Poder Executivo (TPE) e, por arrasto, de Angola no exterior do País, sobretudo em Portugal.

De acordo com as informações postas a circular no espaço público, a agência de comunicação portuguesa CV&A, por intermédio do presidente e fundador, António Cunha Vaz, manifestou publicamente o seu desencanto à conduta dos responsáveis do CIPRA. Dito de outro modo, a CV&A, a quem o Estado angolano estará a pagar uma fortuna para reciclar a imagem do PR fora de portas, não tem dúvidas de que o órgão dirigido por Alberto Cafussa foi quem produziu e divulgou nas redes sociais a referida matéria.

Na óptica do lobista português, textos desta natureza «são propícios de minar as relações diplomáticas entre Angola e os EUA, bem como podem manchar a imagem do próprio CIPRA que foi institucionalizado para trabalhar a imagem do Presidente da República».

No texto em causa, o CIPRA acusava a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), assim como a Open Society, de George Soros, de serem uma extensão da CIA que estariam mancomunadas com algumas ONG"s angolanas, com vista à «alteração inconstitucional de poderes democraticamente estabelecidos». Por outras palavras, significa que estariam a promover a desestabilização política e social para derrubar o Governo de Angola.

Não se tem conhecimento de uma reacção oficial por parte da embaixada dos EUA em Angola ou do Departamento de Estado norte-americano sobre o texto, cujo conteúdo pode ter sido uma pedra no charco no bom relacionamento entre os dois países.

Na verdade, as relações entre dos dois Estados estão a atravessar um dos seus melhores momentos desde o reconhecimento de Angola, em Maio de 1993, por parte da maior potência imperialista à face da terra.

Em Angola, alguns sectores não têm poupado críticas à actuação do embaixador norte-americano em Angola, Tulinabo Mushingi, a quem acusam de favorecimento do regime angolano, mesmo em contextos adversos à boa imagem de governação.

Nos meios jornalísticos e nas redes sociais medram as suspeitas de que o CIPRA esteja por detrás da produção de uma série de textos direccionados contra determinadas figuras da oposição, assim como jornalistas, líderes sindicais e activistas que tenham ousado criticar a gestão do PR e os seus métodos de governação.

Alguns observadores consideram o «modus operandi» desse órgão idêntico aos chamados «patrulheiros», figuras sem rosto que, durante o consulado de ex-PR, se escondiam por detrás das saias do anonimato e promoviam no Jornal de Angola campanhas de achincalhamento e assassinato de carácter de políticos da oposição.

Recuando no tempo e no espaço, este género de acusação remete-nos também para o passado da Guerra Fria em que os três Movimentos de Libertação Nacional (MLN) estavam satelizados a interesses estrangeiros e faziam acusações mútuas.

No sentido de refrescar a memória colectiva, convém lembrar que antes da proclamação da independência nacional, o MPLA, que tinha a seu favor uma enorme máquina de propaganda apoiada, sobretudo em rádios, alimentou durante anos a fio a «cultura do inimigo», do reaccionário, do «fantoche», ou seja, do agente interno que estaria ao serviço de interesses «alheios aos do povo», sobretudo do imperialismo internacional, com os EUA à cabeça, como se dizia no jargão do «comunas», cuja doutrina o MPLA abraçara de corpo e alma.

Já como Estado independente e sob o regime de partido único, Angola investiu «forte e feio» na formação de bófias, o que é legítimo tendo em conta a guerra civil que se vivia e para garantir a sua sobrevivência política, o Estado apostara num aparelho securitário forte.

Muitos desses quadros foram formados em países como Cuba, a ex-URSS e outros Estados sob influência socialista. Infelizmente, eles não foram ensinados a separar os interesses do Estado e do partido governante. Para eles, nunca houve uma fronteira nítida entre um e outro, ou seja, onde acaba o partido e começam os interesses do Estado.

Durante o regime de partido único e mesmo depois do fim do poder monólito, as bófias e as suas estruturas adjacentes jogaram um papel importante em desmantelar acções dos chamados «inimigos da Revolução», como, por exemplo, na repressão ao tráfico de diamantes, no desmantelamento de redes de bombistas da UNITA ou infiltração de «operativos» nas hostes adversárias.

Custa-nos, porém, acreditar que um aparelho aparentemente forte, que sempre absorveu grandes investimentos do Estado, permitiu que a corrupção chegasse onde chegou, a ponto de fazer de Angola um dos países mais corruptos do mundo.

Se a Bófia tem por missão defender os interesses do Estado, onde andou quando se procedeu à sobrefacturação de milhares de contratos em que o Estado angolano foi nitidamente prejudicado? Onde estiveram os bófias quando os milhões de fluxos monetários saíram de Angola para o estrangeiro? Quando os dinheiros vazaram dos bancos públicos? Onde estão os «operativos» que nesta fase difícil do País deveriam impedir os desvios dos dinheiros do PIIM e de outros programas governamentais?

Daí que o projecto-lei, de iniciativa presidencial, adensa as suspeitas de que as acções da Bófia se destinam mais a abafar as ONG"s críticas, assim como esvaziar o poder dos tribunais, a quem caberia retirar as licenças dessas ONG"s, e não ficar ao livre arbítrio de um organismo afecto ao Executivo.