A despartidarização dos Serviços de Inteligência ou "Serviços", como prefiro tratar aqui, é um grande, exigente e estimulante desafio que o Serviço de Inteligência e Segurança do Estado (SINSE), Serviço de Inteligência Externa (SIE) e o SISM terão de enfrentar nos próximos tempos. Já lá vai o período de Partido Único e é preciso que se comece a mudar mentalidades, visões e abordagens. Não é bom para o SISM que quadros seus surjam em actividades públicas com elevada exposição mediática e associadas a uma estrutura partidária. Será que a OMA procurou mostrar que tem uma boa base de apoio e comités de acção no SISM? Uma certa promiscuidade institucional com honras de destaque mediático. Será que as funcionárias do SISM teriam a mesma disponibilidade para participar em actividades conjuntas com a LIMA (organização feminina da UNITA) ou com a organização feminina da FNLA? Mas isto é algo que ainda está incutido, está formatado há anos dentro dos "Serviços", sendo que também tem gerado muitas discussões internas, porque existe mesmo quem ao nível das chefias entenda que se deva respeitar um traço distinto, marcante e de confiança dos " Serviços", que é a sua natureza apartidária e a sua vocação republicana. Resumindo e concluindo, os "Serviços" existem para estar ao serviço do Estado e não de agendas de partidos.
Vivemos num mundo com grandes desafios e com ameaças internas e externas. Não creio que seja prático e eficiente para os interesses do Estado que, para uma Unidade Externa (UE), a acção ou actividades de representantes de partidos políticos da oposição no exterior mereçam mais atenção e esforço que grupos que promovem a imigração ilegal, fuga de capitais, tráfico de órgãos e de seres humanos, terrorismo e fundamentalismo religioso. A agenda interna e externa do líder da UNITA, Adalberto Costa Júnior, ou de certos "revus" despertam mais atenção, ou são prioridades dos "Serviços", do que o fenómeno da expansão do Islão no nosso País, das máfias chinesas, do narcotráfico, das redes de imigração ilegal, de tráfico de menores, tráfico de órgãos, de falsificação de moedas, redes de prostituição infantil, falsificação de documentos, contrabando de combustível, venda de armamento, entre outros. Tudo porque há muito que não se pensa ou prioriza nem se defendem os interesses de Estado e sim de partidos.
E se houver alternância política em Angola? Qual será a postura e actuação dos "Serviços", se ainda permanecerem nesta mentalidade de servir o partido que governa e hostilizar, controlar e vigiar tudo que é oposição à governação? Em caso de alternância política, quem passar a governar terá de obrigatoriamente fazer um "saneamento" aos " Serviços"? Obviamente que será um retrocesso em termos de afirmação do Estado Democrático e de Direito. Será que os "perseguidos" de hoje serão os "perseguidores" de amanhã? É um perigo termos pessoas que fazem parte dos "Serviços" que abertamente surjam conotadas com formações políticas, sejam elas da governação ou da oposição. Pior do que isso é no exercício da sua actividade estimularem a intolerância política ou mesmo fazerem vincar a ideia de que o partido ou partidos estão acima do Estado. Este deverá ser um tema que a Comunidade de Inteligência deverá colocar na mesa de discussões e abordar abertamente.
Fernando Garcia Miala (SINSE), Bertino Matondo (SIE) e João Pereira Massano (SISM) podem fazer e ficar na história, se tiverem coragem, visão e abertura suficientes para discutir o tema da despartidarização dos "Serviços" entre si e nas suas respectivas instituições. Podem fazer história se perceberem e fizerem perceber que a Pátria está acima de tudo e de todos. Que existe um País chamado Angola que está acima dos partidos. Também é preciso fazer perceber aos cidadãos que os "Serviços" estão ao seu serviço, que existem para os proteger e que a sua existência depende também deles. Quando os cidadãos perceberem quais são as verdadeiras missões, objectivos e valores dos "Serviços" mais fácil será ajudar a construir uma ideia de Nação. Não deixem que amanhã as vossas consciências vos venham atormentar com uma desconfortável pergunta: Porque fizeram tão pouco quando podiam fazer muito mais?