A atitude da jovem revela que hoje as pessoas começam a ter um espírito de inconformismo perante injustiças. Há um imperativo ético-moral, um imperativo de cidadania que as leva a agir. Ela foi questionada sobre o porquê de não ter reagido de forma a interferir na acção policial. Como é que uma rapariga de 17 anos iria reagir contra quatro polícias que estavam a violentar um adulto com quase dois metros de altura? Mas foi pelo facto de não ter ficado indiferente ao que se estava a passar, foi graças à sua atitude que os agentes foram presos e reacendeu-se a luta contra o racismo.

A cultura da indiferença ganha força quando deixamos de acreditar que a realidade ou os factos podem e devem ser diferentes. Quando achamos que os problemas dos outros não nos dizem respeito, não nos afectam, não nos "aquecem e nem nos arrefecem". Papa Francisco, na sua mensagem por ocasião do Dia Mundial da Paz (1 de Janeiro), pediu paz e concórdia em 2021 para "erradicar a cultura da indiferença". Francisco pediu paz, esperança e harmonia em 2021. " Escolhi como tema desta mensagem a cultura do cuidado como percurso da paz, a cultura do cuidado para erradicar a cultura da indiferença, do descarte e do conflito, que hoje muitas vezes parece prevalecer", afirmou o Papa.

A atitude e o gesto de Darnella Frazier, bem como o discurso do Papa Francisco servem, de certa forma, para que façamos um exercício de reflexão e introspecção em torno não apenas de uma cultura, mas também de uma política de indiferença que passou a fazer parte da agenda de quem hoje não pode estar indiferente às situações que vivemos. Quem hoje tem responsabilidades de governação, quem tem responsabilidades públicas de gestão e governação não pode ficar alheio à dor e ao sofrimento dos governados. Não pode adoptar ou permitir que vigore uma política de indiferença. Constroem-se muros como verdadeiros mecanismos de defesa contra aquilo que os incomoda, contra aquilo que os desagrada ou que não querem ver. Há uma certa ampliação do individualismo, do umbiguismo. Ninguém é responsável e nem se responsabiliza por nada.

A indiferença faz que adoptem uma postura de desprezo, desinteresse e falta de empatia com o outro. A política de indiferença faz que comecem a ficar acostumados com o sofrimento dos outros, cria neles uma tendência de conformismo. Retira-lhes a capacidade de reflectir, de olhar e de perceber o sofrimento do outro.

Faz-nos falta a cultura do cuidado, da atenção, da compaixão e de ir ao encontro do outro. Promover a chamada cultura do encontro para vencer a cultura da indiferença. "O amor não tolera a indiferença", disse Papa Francisco. E para quem tem amor, jamais pode ver e tratar o outro com indiferença. A nossa agenda política tem de ser mais humana.

As pessoas valem mais do que os partidos, valem mais do que certas agendas partidárias ou campanhas para o alcance e manutenção do poder. Durante anos, andaram por aqui preocupados com a acumulação primitiva de capitais, preocupados com a criação de grupos de interesses e oligarquias, deixando de se pensar no cidadão. A dimensão humana da governação foi relegada para o segundo plano e esqueceu-se a agenda social. Estamos a tornar-nos no País da indiferença e dos indiferentes.

Os políticos há muito adoptaram políticas de indiferença perante os cidadãos e esses, por sua vez, também começam a ficar indiferentes às várias situações. Reparem que o Executivo teve de reforçar as medidas de controlo e combate à Covid - 19 porque os cidadãos passaram a adoptar uma atitude de indiferença ao perigo, uma atitude de indiferença ao poder das autoridades.

É- nos indiferente quando uma zungueira morre electrocutada. É-nos indiferente quando 24 cidadãos morrem por causa das chuvas. É-nos indiferente quando o Estado "absorve" órgãos de comunicação social privados, criando monopólio no sector. É-nos indiferente quando suspende emissões de televisões usando o argumento legal, olhando com indiferença para a questão moral, social e humana, sem esquecer a indiferença com que o poder político olha para o trabalho e o papel dos jornalistas. Nós só teremos paz social se colocarmos os "ingredientes" para que a paz aconteça. A política da indiferença é um "ingrediente" que deve ser excluído e que faz mal à nossa jovem democracia....