João Lourenço é um militar de carreira com domínio sobre dossiês de inteligência e segurança, tendo, por isso, plena noção da importância da governação dos sistemas de informação e de dados.

A importância e a capacidade de proteger dados de eventuais interferências, nomeadamente estrangeiras, agir de forma bem independente, um olhar para a questão da guerra cibernética e protecção de dados no geral, a dependência e a vulnerabilidade em que o nosso País se encontra em termos de domínios de dados acabam por tornar tudo isso um assunto prioridade da agenda presidencial. João Lourenço exige dos seus auxiliares e colaboradores um maior controlo da cadeia de contratação de empresas que prestam este tipo de serviços, bem como evitar-se certa dependência tecnológica de terceiros.

Nesta edição, falamos de um caso recente de um ataque cibernético ocorrido numa missão consular angolana num país europeu, situação que terá resultado numa perda considerável de dados pessoais e patrimoniais. Avançamos também aqui com nome de um pequeno grupo de empresas que, embora sendo de "direito angolano", são, na verdade, dominadas por estrangeiros, na sua maioria brasileiros e portugueses, e com acesso ilimitado a dados e informações sobre economia, finanças, justiça, relações exteriores, defesa e segurança. Os termos dos contratos, a sua fiscalização e confidencialidade devem ser muito mais rígidos. Houve (e ainda há) a necessidade de o País se desenvolver tecnologicamente, ter sistemas integrados de gestão financeira, de acabar com esquemas criados e colocar ordem no circo. Mas, por outro lado, essa foi sempre uma área em que se fizeram contratos com pouca lisura e transparência, em que se sobrefacturaram pagamentos e com contratos fraudulentos e lesivos ao Estado. Uma área em que, na maior parte das vezes, o interesse nacional esteve em segundo plano, sendo que os interesses particulares e de pequenos grupos sempre dominaram. E porque o negócio está entregue a pequenos grupos ainda dominantes, é que foi faltando coragem e frontalidade para se fazer uma abordagem como João Lourenço faz agora.

Há muitos interesses particulares em jogo, e é quase certo que irá encontrar algumas resistências e forças de bloqueio ao procurar rever e regulamentar um tipo de negócio que durante duas décadas encheu muitas contas bancárias dentro e fora do País. É importante que se perceba que se trata de uma decisão soberana e em nome ou em defesa de algo que é hoje uma questão de soberania. E não é uma decisão só de Angola.

Hoje pelo mundo, os Governos têm ficado cada vez mais atentos e adoptado um posicionamento mais rígido em termos de gestão e protecção de dados.
Como será este processo de retirada de poder, domínio e influência estrangeira neste sector de partilha de informações e gestão de dados? Será abrupto ou gradual? Como é que nos vamos proteger internamente se, durante anos, não desenvolvemos capacidade técnica e humana para tal. Qual será o próximo passo? Qual será a estratégia? Não se irá correr o risco de voltar a entrar num ciclo vicioso, em que uns afastam outros para posteriormente criar as suas empresas e colocar-se num negócio bastante apetecível? Voltaríamos à estaca zero? Este terá de ser um caminho sem volta e em defesa da soberania sobre os dados.

É que uma decisão, uma determinação e toda uma estratégia podem esbarrar na ambição de governantes e grupos com falta de sentido de Estado e para quem a soberania é apenas uma palavra linda de se ouvir, mas ter a "massa no kafocolo" é a prioridade. Essas são situações e guerras surdas que João Lourenço vai enfrentar. Mas é necessário que o faça e os resultados poderão surgir futuramente. Ele já colocou o tema na agenda e é importante que se vá dando seguimento. Esse é também um desafio para a comunicação social e que traga à tona o debate sobre a soberania de dados. Esse é um tema mundial e não podemos ficar à margem dele.