O Estado Angolano, nos seus quase 49 anos de existência, tem feito um esforço notável na formação de quadros, sou produto deste empenho, de que sou grato! A verdade é que poucos desses quadros servem, ou serviram o Estado nas áreas da sua formação. Atenção, muitos servem ao país, e não necessariamente ao Estado! Então, o que se passa para que 48 anos depois, ainda assim, continuamos a enviar estudantes para completar a sua formação no estrangeiro, ou contratar professores para as suas universidades? A preferência tem sido por professores e médicos cubanos, tal como refere a notícia, tem se gasto balurdos de dinheiro para pagar docentes expatriados, enquanto os docentes nacionais recebem salários de miséria. No presente momento um professor catedrático aufere o salário base de AOA.: 704 560,65, equivalente a USD: 1 182,23 (taxa de câmbio de USD/AOA 831,06), o professor associado aufere AOA: 642 791,86, o professor auxiliar aufere AOA: 605 730,59, enquanto o assistente fica-se por AOA 568 669,31. No actual contexto do custo de vida, como é que se pretende que as universidades retenham os melhores no seu quadro docente? Assim vemos quadros formados com recursos do país a fixarem-se nos países da sua formação, após concluídos os seus programas de formação, concretizando-se a tal fugo de cérebros. Outros vão para outros países disponíveis a absorver quadros face ao envelhecimento da sua população.

Li recentemente um artigo de opinião no Jornal de Angola, sobre o reconhecimento dos estudos, que afirmava que, nenhum país tem capacidade de satisfazer todas as necessidades de formação, ou seja, nenhum país tem a capacidade de satisfazer a procura de formação dos seus cidadãos, com a qual discordo parcialmente, por evidenciar um certo consolo e conformismo face à mediocridade. Nos países desenvolvidos, como, por exemplo, o Canadá (experiência que melhor conheço), os cidadãos procuram formação em outros países, apenas pelo prestígio das instituições de ensino superior, ou porque as médias exigidas para o ingresso são altíssimas, não por falta de oferta local. Por exemplo, procuram a Harvard University, Columbia University, ou Oxford University, pelo prestígio que estas instituições granjeiam, não porque há défice de oferta dos cursos que os cidadãos procuram nos seus países. As universidades canadianas e americanas estão abarrotadas de cidadãos chineses, indianos e russos, que procuram agregar o prestígio dessas instituições de ensino universitário e aprender a língua inglesa, que valoriza a sua formação, não por falta de oferta nos seus países de origem. Na Europa há o programa Erasmo, o qual é muito popular, principalmente pela oportunidade que oferece aos estudantes de aprenderem uma segunda língua estrangeira. O que se deve fazer, a meu ver, é a padronização dos planos curriculares dos cursos, cujo processo está em curso em Angola. Pois, a acreditação dos diplomas, por si só, tem pouca relevância, a minha experiência diz que, o que conta mesmo, são as competências detidas, ou adquiridas durante o processo de formação.

O problema do ciclo endémico da falta de quadros em Angola reside, essencialmente, na sua valorização. Porquanto, o Estado Angolano forma quadros de que não tem plano para a sua utilização. Vejamos um facto indesmentível. Recordamo-nos todos de uma viagem de Estado que o Presidente José Eduardo dos Santos fez à Cuba, creio que foi em 2008, em que se firmaram acordos para o apoio na criação das novas faculdades de medicina das novas regiões académicas. Assim, surgiram as Faculdades de Medicina da Universidade Onze de Novembro (UON), da Universidade Katiavala Buila (UKB), da Universidade José Eduardo (UJES), da Universidade Lueji A"Nkonde (ULAN) e da Universidade Mandume ya Ndemufayo (UMN). Essas faculdades já completaram 10 ciclos de formação, muitos dos graduados dessas faculdades, com as devidas certificações da Ordem dos Médicos (OM), a testar a sua aptidão para o exercício da profissão, estão desempregados, estão condenados a fazer biscatos em clínicas privadas, na condição de emprego precário.

A recente visita de Estado do Presidente João Lourenço à República Checa, provou que muitos quadros enviados pelo Estado Angolano naquele país acabaram por não regressar, pois se o fizessem, muitos deles, estariam condenados ao desemprego, consequentemente, a vida de miséria. Vimos angolanos, uns como empresários, outros trabalhando em instituições públicas dos países que os absorveu. Conheço o caso de um médico, por sinal, cirurgião pediátrico, filho do Huambo, radicado há anos no país da sua formação, onde casou com outra médica angolana, fizeram filhos e tornaram-se cidadãos daquele país. Este é o caso típico do regresso das caravelas, de que fiz referência aqui neste espaço, que se sucede de várias formas e maneiras. Segundo a notícia acima referida, a não valorização dos quadros nacionais, faz com que uns encontrem emprego no sector privado no país, outros se aventurem no empreendedorismo, outros ainda optam por imigrar para outros países.

Independentemente das lutas que se travam nas instituições onde são colocados esses quadros, porque também existe este lado defensivo dos encontrados, após o regresso ao país. A chave do problema é a valorização dos quadros nacionais, quer os formados no estrangeiro, quer os formados no país. Conheço quadros formados em Cuba na área do ensino, para suprir a falta de professores, hoje, alguns, são especialistas nas companhias de petróleo a operar em Angola, felizmente, outros trabalham em outras instituições públicas, que melhor recompensam o seu esforço. A falta de professores não foi suprida, ou continua a ser mal atendida, pois esses quadros foram formados para o ensino, tiveram de se reconverter, para as outras especialidades, para sobreviverem. Este exemplo mostra bem porque o Estado não consegue resolver a contínua falta de quadros no seu aparelho, particularmente, na área da educação e da saúde.

Porém, antes de tudo, o fundo da questão é o impacto na economia nacional quando avultadas somas de divisas são pagas a estrangeiros, para além da problemática da já bem badalada falta de divisas e envio de riqueza para outros países, é o impacto no consumo privado interno. Os salários estrangeiros beneficiam o consumo nos seus países, enquanto os salários de miséria que os professores auferem não são suficientes nem sequer para suster as despesas básicas, ou seja, cobrem apenas a compra da cesta básica, se possível! Como é que se pretende criar condições de fixação das multinacionais para montar veículos, electrodomésticos, e outros produtos intensivos em tecnologia no país? Sabendo-se que são as actividades que criam empregos massivos na economia, capazes, então, de dinamizar o consumo privado. Quem, pensamos, que vai consumir os produtos intensivos em tecnologia, com os salários de miséria da classe média? Pode parecer extremismo, com o actual nível de salários da função pública, não parece haver mais classe média em Angola, todos vivemos sobrevivendo. O motor do consumo nas economias modernas é a classe média, que tende a desaparecer em Angola. O mercado é feito com consumidores, hoje está reduzido aos consumidores de peixe seco e fuba amarela para enganar o estômago. Alguma coisa está errada na formulação de políticas que valorizem os quadros nacionais, sem os quais, esqueçamos, não haverá a transformação estrutural da economia que há muito almejamos. *Economista