Assim sobre os Direitos, Liberdades e Garantias Fundamentais, nalguns artigos são introduzidas alterações como sobre nacionalizações e confiscos, para dar cobertura constitucional ao que tem vindo a ser feito com a recuperação de bens considerados como tendo sido obtidos indevidamente por meios ilegais e/ou fraudulentos, estabelecendo-se como limites para a sua aplicação "ponderosas razões de interesse nacional"; razões essas, quais?; serão definidas em lei avulsa?

Pretende-se também dar respaldo constitucional ao "Estado de Calamidade", decretado por Decreto Presidencial em substituição, "ad aeternum", de um "Estado de Emergência", na altura aprovado apenas pela Comissão Permanente da Assembleia Nacional. Sobre a "inconstitucionalidade" do uso de "Estado de Calamidade", em vez de Estado de Emergência, com as mesmas limitações, entre as quais o cercear das liberdades individuais como o de poder circular livremente em todo o território nacional e o confinamento "manu-militar" nos bairros e casas à guisa de prisão domiciliária, disse-o numa das "Minhas Elucubrações XLVI / Eu, o Ancião, a ditadura da Covid-19 e a minha indignação".

Esta inconstitucionalidade foi também considerada em Portugal, sendo que hoje ali não se decreta o "Estado de Calamidade", mas, sim, "Estado de Emergência", sempre que se declara o seu prolongamento.

Sobre a propriedade comunitária e o direito consuetudinário, a actual Constituição é praticamente vaga: no Artigo 223.º do Capítulo III, Instituições do Poder Tradicional, o Estado reconhece o estatuto (qual?), o papel (qual?) e as funções das instituições (quais?) do poder tradicional constituídas de acordo com o direito consuetudinário (que direito?). Não será necessário preencher constitucionalmente estas interrogações? Ou existe já lei avulsa sobre isso?

Sobre o Poder Executivo, a proposta de Revisão Constitucional propõe uma alteração ao Artigo 107.º em cuja epígrafe, Administração eleitoral se acrescente "Registo eleitoral" por no seu conteúdo estar abrangido o registo eleitoral que, na actual CRA, "é oficioso e obrigatório...". Nas eleições após aprovação da actual Constituição, o registo eleitoral foi conduzido pelo Ministério da Administração e não pela Comissão Nacional Eleitoral. Num papel que escrevi com o título "Registo Eleitoral Oficioso ou a CNE ultrapassada", interrogava-me: "como é que se introduz numa Constituição da República um conceito vago como o de oficioso e se declara dever ser "permanente e obrigatório"; e que nesse Artigo 107.º não seja mencionada a Comissão Nacional Eleitoral, órgão de referência e presença obrigatória antes, durante, depois e no intervalo das eleições e cujos Objecto, Âmbito, Definição, Natureza e Competências estão claramente definidas na Lei N.º 12/12, de 13 de Abril, e que, em meu entender, deveriam integrar o corpo do Artigo 107º. Mas por que será que o registo eleitoral é feito pela Administração Interna? Entre as competências da CNE, órgão eleitoral independente, está ou não o registo eleitoral? Se não está, devia estar!

O modo de eleição do Presidente da República e dos deputados à Assembleia Nacional, definido na CRA de Fevereiro de 2010, foi, pelo na altura Presidente da República, designado como uma eleição atípica em comparação com o modo de eleição na República da África do Sul. Essa Constituição, a de 2010, foi elaborada e aprovada dois anos depois das eleições gerais de 2008, em que o MPLA obteve acima de 80% de votos. Essa vantagem mais que qualificada foi a oportunidade para, na altura, o "EME" fazer passar na nova Constituição o tipo de Organização de Poder de Estado e o novo método de eleição dos seus órgãos. Mas essa eleição para Presidente da República em 2010 foi, além de atípica e ilegal, anticonstitucional, tendo em conta que a vigência da Constituição de 1992 obrigava à eleição nominal do PR após a eleição para deputados. Nessa altura, surpreendi-me (?) que tantos renomados constitucionalistas não se tivessem pronunciado sobre essa "inconstitucionalidade". Noto, no entanto, que, entre os constitucionalistas de então, estão os mesmos juristas que produziram, apresentam e defendem esta proposta presidencial de revisão pontual da Constituição de 2010. Eu e muito mais gente do EME e de partidos na oposição gostaríamos de que, após 10 anos de vivência da actual Constituição da República, essa revisão fosse ordinária e não pontual, para se analisar e se discutir questões de fundo que necessitam realmente de alterações. Seria, por exemplo, de se retomar o estado em que foi deixado o projecto de Constituição quase finalizado em 2008 por uma Comissão Constitucional de que fiz parte e que foi presidida sucessivamente pelos então deputados João Lourenço e Bornito de Sousa, hoje ambos e respectivamente, Presidente e Vice-Presidente da República, respectivamente.

De notar e a talho de foice que Carlos Maria Feijó e Adão de Almeida, hoje membros do BP, fizeram parte de entre os técnicos do grupo constituinte do EME para a elaboração do "nado-morto" de 2008, para a da Constituição actual de 2010 e para a sua revisão pontual.

O que muita gente, entre os quais eu, entendem como necessitando de uma revisão de fundo são:

1- As que respeitam o modo de eleição do PR/deputados devem ser em separado e não como o actual numa lista comum em que o candidato a PR é o primeiro da lista para as eleições gerais; isto quer dizer e pode ter como consequência que, nas listas não vencedoras, o primeiro pode, ou não, tomar assento como deputado; na lista mais votada o PR, assim eleito, deveria ou não "requerer a suspensão do mandato"?

2- Sobre o Poder Executivo: nesta proposta de revisão, as emendas e os acrescentos são na sua maioria para reforçar as competências actuais do Chefe de Estado e do Executivo, em que algumas formas de controlo e fiscalização pelo Parlamento foram sonegadas como, por exemplo, as moções de confiança e de censura ao Governo, ou enviesadas como as comissões eventuais e as comissões parlamentares de inquérito (CPI), estas rara e/ou dificilmente praticadas. Porque não copiar a prática dos "checks and balances" (balanço e controlo) já que o nosso regime é presidencial ou presidencialista como a que existe nos países africanos de expressão inglesa ou anglo-saxónica? É que o Presidente da República carece de autorização e/ou aprovação do Parlamento para efectivar nomeações: de ministros e outros membros do Governo; de Embaixadores; de reitores de universidades; de presidentes dos conselhos de administração das grandes empresas públicas; de Governadores de bancos do Estado; e tomar conhecimento e aprovar as ausências do Chefe de Estado fora do País, entre outros; isso nos regimes presidenciais política e culturalmente de facto e não atípicos como o nosso.

Assim, a verdadeira revisão constitucional, em meu entender, deveria ser não pontual, mas ordinária, regressando-se ao que havia sido revisto na Constituição de 1990 e quase pronto em 2008, em que haveria um PR, Chefe de Estado (Comandante-em-Chefe), um Governo dirigido por um Primeiro Ministro, votados e saídos das eleições gerais, um Parlamento que, além da elaboração de leis, devia fiscalizar os actos do Governo e um Judiciário autónomo e independente.

Uma prática em uso desde o início da nossa República é a de o Presidente de um partido, candidatar-se a PR mantendo-se nessa situação durante a candidatura e depois das eleições; será judicioso regulamentar isso por lei considerando essa prática, usada apenas por uma franja de países que aplicaram no passado o sistema de partido único, por exemplo Angola e Moçambique, de que ainda não se desacostumaram, como impeditivo de se candidatar a PR? É que essa prática foi algumas vezes apresentada em escritos meus como necessitando de se analisar se não fere a Constituição ser o Presidente de um partido também Comandante-em-Chefe dado que as Forças Armadas, por natureza e por lei são apartidárias.

Depois deste um pouco longo arrazoado sobre a "revisão pontual da Constituição da República de Angola", pus-me a mesma questão que se tem posto tanta gente: a que se deve esta revisão pontual, neste momento e agora, em pleno período pré-eleitoral? Porque não uma revisão ordinária que tivesse em conta as mudanças que de toda a parte se exigia para o retorno à verdadeira democracia de direito e pluralista, necessária ao desenvolvimento económico, social e cultural? Ou será que, tendo o EME mais de 2/3 (a maioria qualificada) no Parlamento, o momento não seria o propício para fazer passar qualquer alteração à Constituição? Note-se que, na última plenária da AN, a proposta em causa obteve a aprovação de 2/3 dos deputados do EME e de alguns da oposição, com excepção dos da UNITA que se abstiveram; curioso, não?

Aguardemos pela discussão na especialidade, mas...