Já não me lembro se no livro de leitura da 1.ª classe ou doutra qualquer, mas havia uma fábula muito presente na minha infância. Intitulava-se "O elefante e a formiga". Também já não me lembro com exactidão do enredo, mas de algo tenho certeza. Apesar das várias versões, a lição final da estória é que ninguém deve ser julgado apenas pela sua exterioridade. Ou seja, até prova em contrário, o aparentemente mais fraco pode derrubar aquele que parece uma fortaleza inexpugnável. Não é, pois, sem razão que na popularíssima parábola, ainda contada hoje em jardins de infância e escolas primárias, a "coitada" da formiguinha ganha sempre. "Bate" sempre o elefante, o gigante dos gigantes.
Domingo último, 11, a secular fábula teve reedição. Não num livro escolar, mas na prática. Aconteceu no Pavilhão Victorino Cunha, durante uma partida da segunda jornada da segunda volta do Campeonato Provincial de basquetebol de Luanda, sénior feminino. Contra todas as expectativas, as Formiguinhas do Cazenga derrotaram o 1.º de Agosto Academia por 65-61.
Visto assim de relance, o placardregistado nesse jogo podia ser encarado como apenas mais um resultado. Mas não apenas isso o que aconteceu. Foi muito mais que um resultado. Foi, mesmo de modo involuntário, um grito de revolta contra um sistema de financiamento do desporto viciado que a uns (poucos) dá tudo e a outros (muitos) nada dá. O que aconteceu ganha simbolismo maior porque a derrota foi em cada do poderoso 1.º de Agosto, clube que dispõe de meios infinitamente superiores que o seu adversário. Das condições de trabalho, ao milionário orçamento, passando pelo suporte que a Academia do "rubro-negro" tem, a diferença em relação às Formiguinhas é abissal. E mais fundo é o fosso que separa ambos os emblemas, se tivermos em conta que a Academia do Clube Central das Forças Armadas é dirigida por um grande senhor do basquetebol mundial, nas circunstâncias o espanhol Jorge Lorenzo, que foi campeão mundial de 2019 como técnico-adjunto da reputadíssima Selecção de Espanha de sénior masculina.
A Academia é uma espécie de equipa B do 1.º Agosto. Logo, a diferença qualitativa em relação a A não deve ser tão abissal quanto isso. Por esta razão é que o resultado nos deve remeter para uma séria reflexão sobre como o dinheiro público financia o desporto nacional. A mim, particularmente, em nada me repugna que o desporto seja financiado por fundos públicos. Mas os moldes desse financiamento devem ser outros que não os actuais, desajustados da realidade. Não há racionalidade no facto de um clube como o 1.º de Agosto receber milhões e milhões de Kwanzas e uma agremiação de bairro, como as Formiguinhas, não receber um tostão que seja dos cofres públicos. Nem mesmo por via da Administração Municipal que, além de ter seguramente uma verba destinada ao desporto, ainda tem AKZ 20 milhões mensais para o combate à pobreza.
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