Isto acontece porque, em muitos casos, atletas hoje em situação de penúria não souberam administrar os proventos embolsados durante a carreira. Noutros, sendo esteios exclusivos de famílias numerosas, eram "obrigados" a assistir a todos os parentes e mais alguns - amigos inclusive -, sob pena de serem amaldiçoados e não terem a necessária tranquilidade para se desempenharem com aproveitamento dentro das quatro linhas. Afinal, estamos em África e aqui, partilhar é quase uma imposição familiar. Quantos ainda são instados a criar irmãos mais novos?
Por estas razões, poucos puderam acautelar os respectivos futuros. Muito poucos mesmo. E agora os que não se precaveram em tempo oportuno pagam uma factura altíssima, vivendo uma vida de mendigos, eles que tantas alegrias proporcionaram aos adeptos dos seus clubes e do País inteiro por via das Selecções Nacionais. Este cenário é de cortar o coração, mas os clubes não são instituições de caridade e é normal que nem sempre cedam aos pedidos de auxílio das suas antigas "estrelas".
Este problema, porém, não é exclusivo de Angola. É global. Por este mundo fora correm histórias de jogadores caídos em desgraça por não terem acautelado o futuro. No Brasil, por exemplo, há uma instituição de solidariedade para com antigos futebolistas, que beneficiam de refeições, roupas, calçado e até espaço para aqueles que ficaram sem tecto dormirem. Há, aliás, estudos segundo os quais uma elevada percentagem de ex-jogadores da NBA e da Liga Inglesa de Futebol - são das que melhor pagam - empobrecem em até cinco anos.
No caso concreto dos atletas angolanos, as possibilidades de não acautelarem o futuro são infinitamente maiores. É que a esmagadora maioria dos que obtêm proventos nutridos, à luz da realidade angolana, é claro, não dispõem de gestores de carreira. Esta é, de resto, uma figura surgida há pouco tempo no cenário desportivo nacional e ainda é olhada com desconfiança pela "Sociedade Desportiva", que, grosso modo, desconhece a importância deste agente desportivo. Por isso, muito continuar a preferir que as suas finanças sejam geridas por irmãos, esposas ou pais, mesmo que estes não tenham habilidades bastantes para o efeito...
Ora, se na Europa e na América, onde as estruturas de apoio aos atletas são altamente profissionais, muitos atletas retirados perdem quase tudo o que ganharam em pouco tempo, por maioria de razão em Angola é extremamente difícil viver o pós-desporto com dignidade. São raríssimos os casos de total desafogo de ex-atletas que não seguiram carreiras administrativas ou técnicas no desporto. E isto é perfeitamente normal, até porque a maioria dos atletas ganha muito mal, enquanto uma elite, a dos dirigentes, enche os bolsos à custa do suor de quem anda dentro dos rectângulos de competição. Angola será, eventualmente, um dos poucos países em que figurantes (entenda-se, dirigentes) ganham mais que protagonistas (atletas e técnicos). E ganham por baixo da mesa, quase sempre de modo ilícito...
Na I Liga Portuguesa de futebol havia até a última temporada um jogador a quem aprecio, particularmente. Chama-se Ricardo Vaz José Alves Monteiro. Para a "tribo da bola", ele é o Tarantini, do Rio Ave FC. Jogador esforçado, destacou-se mais fora do que dentro das quatro linhas. Ou seja, ficou mais conhecido por alertar colegas a acautelarem o futuro, indicando o caminho da... escola, ele que foi o único jogador da competição com o grau académico de doutorado. Desde cedo, defendeu que nem todos os futebolistas são Messis ou Ronaldos, pelo que se devem preparar para trabalhar após a carreira. As suas posições tiveram um grande impacto junto de desportistas portugueses que acordaram para a realidade, traduzida na necessidade de se formarem para assegurar um futuro longe da mendicidade.
No período anterior à independência nacional, os praticantes de desporto federado eram obrigados a ter a 4.ª classe de escolaridade. Como se sabe, com a 4.ª classe daquele tempo tinha-se um nível de conhecimento geral apreciável. Algum tempo depois do 11 de Novembro de 1975, a fasquia subiu para a 8.ª classe, então também um nível de escolaridade significativo. Essa exigência nunca foi revogada, mas seguramente não é cumprida à risca. A julgar pelos inúmeros atletas que mal conseguem articular uma frase, balbuciam palavras ininteligíveis ou dizem pouco mais que banalidades, quando comentam ou prognosticam jogo, está-se mesmo a ver!
É verdade que antigamente o desporto era totalmente amador e os atletas competiam ao mesmo tempo que seguiam as respectivas carreiras académicas. Foi isso que permitiu que muitos antigos "internacionais", por exemplo, alcançassem notoriedade como médicos, engenheiros, economistas, gestores e por aí adiante. Actualmente, o desporto é semiprofissional, mas são raros os casos de ex-atletas formados. Daí a constante abordagem de ex-atletas a antigos clubes, em busca de auxílio financeiro.
Hoje, na generalidade dos clubes é comum exigirem a jovens jogadores que estudem e que tenham notas positivas, sob pena de não alinharem nos jogos. É assim no Seixal Benfica Campus, na Academia de Alcochete, em La Massia, enfim em todos os centros de formação de atletas, onde há também em regra escolas convencionais. Ao obrigarem aplicação nos estudos, clubes auxiliam a preparar homens para o futuro, munindo-os de ferramentas que lhes permitam encarar o pós-carreira sem atribulações. No mesmo espírito, lavram as autoridades governamentais, quando estabelecem a escolaridade mínima para a prática desportiva oficial.
Portanto, não sendo todo o mundo Messi ou Ronaldo, Jordan ou LeBron, o caminho para evitar a mendicidade é investir na formação. Como fez o "grande" Eduardo Mingas, figura histórica da Selecção Nacional de basquetebol que, aos 42 anos, ainda está no activo, mas já tratou de cursar uma licenciatura para precaver a transição da carreira. Quem sabe, ele não venha a ser um exímio gestor de carreiras desportivas?