Quem não anda neste País apenas a ver navios sabe que esse choradinho configura o modus operandi de dirigentes federativos para pressionar o Governo - é o responsável pelas Selecções Nacionais - a abrir os cordões à bolsa. É, digamos, um disco riscado, tantas vezes foi posto na vitrola para tocar. Tocou tanto que, agora riscado, está inaudível, ou seja, por mais lágrimas que sejam carpidas, já quase ninguém se comove e muito menos para as gentes do futebol, cujos resultados têm sido desencorajadores.
É óbvio que, de acordo com a Lei, o Estado, no caso representado pelo Ministério da Juventude e Desportos (MINJUD), tem a obrigação de financiar as participações internacionais das Selecções do País. Mas é consabido que no cenário de aperto financeiro em que vivemos, há outras prioridades, mormente a Saúde, devido principalmente à pandemia da Covid-19 e o surto de malária que grassa um pouco por todo o País.
Passada uma semana após o "choramingado" do dirigente, este não voltou a público para dizer se beneficiou ou não do apoio governamental para o início da campanha para o Mundial. Infelizmente, é assim que a máquina funciona. Depois de receber o reclamado, raramente alguém volta à midia para dizer que que a "choradeira" surtiu efeito. Mesmo que o MINJUD tenha deixado cair algum, seguramente não foi a totalidade da verba solicitada como, de resto, acontece com todas as federações, sem excepção. Logo, será insuficiente para cobrir a totalidade das despesas.
A falta de dinheiro para participações internacionais de Angola não é um problema exclusivo do futebol. É uma maka transversal a todas as modalidades. Por exemplo, o basquetebol participa no "Africano" de Kigali, Rwanda, sem recursos financeiros do Governo. E o mesmo aconteceu com a Selecção Nacional feminina de andebol, que, em Junho último, arrebatou o título continental nos Camarões. O futsal recebeu uma bagatela para participar no Mundial. Por isso, para honrarem os respectivos compromissos internacionais, algumas federações têm buscado formas alternativas de financiamento.
Pode-se argumentar que, pela sua dimensão competitiva e pelos gastos que acarreta, o futebol não deve ser comparado a outras modalidades. Isso é verdade. Mas não é menos verdade que o futebol é a única federação que, para mitigar os efeitos da pandemia da Covid-19 nas competições desportivas, recebeu auxílio da tutela internacional, no caso a FIFA. De Zurique foram transferidos USD 1,5 milhões, dinheiro que, passado um ano, poucos sabem ao certo como foi gasto. Obviamente que a justificação deve ser apresentada à FIFA, mas não viria mal nenhum ao mundo se a direcção da FAF disse aos angolanos como o dinheiro foi gasto. É uma questão de lisura.
A Direcção da FAF não deixa de ter razão, ao reclamar o que é devido às Selecções Nacionais por lei. Não estando propriamente a reclamar de barriga cheia, não está completamente isenta de "culpa no cartório" pela situação em que se encontra agora. Afinal, administrar é também prever. E, não sendo novidade para ninguém que os cofres do País estão depauperados, qualquer gestor avisado deveria ter acautelado financeiramente essa participação "mundialista". Ao que tudo indica, aliás, não é isso o que foi feito.
No caso, prever seria bater portas em busca de patrocínios e empreender acções de marketing para rentabilizar a marca futebol, em vez simplesmente de estar de mão estendida, à espera de dinheiro público. Aqui pode alguém argumentar que não tendo tomado posse a Direcção da FAF não tinha legitimidade para agir oficialmente, situação que demorou oito meses. Mas é bom que se tenha em conta que este elenco - com um ou outro nome novo - já vem de um mandato completo, durante o qual pouco fez para gerar dinheiro.
O cenário é mais preocupante quando olhamos para o retrovisor e percebemos que sensivelmente a meio do ano passado a FAF recebeu o tal "dinheiro da Covid". Em princípio, esse dinheiro estava destinado apenas a clubes da I e da II Divisão. Mas, em vez disso, a Direcção da FAF, que concorria para a sua própria sucessão, decidiu "distribuir o mal pelas aldeias", incluindo no "pacote" de beneficiários clubes do "Girabairro" e escolas de formação.
Ao fazer isso, dificilmente se livra a conotação de que essa distribuição visava obter favorecimento no pleito eleitoral. Não é, aliás, sem razão que tendo recebido a ajuda da FIFA entre Maio e Junho, só já próximo do acto eleitoral, agendado para Novembro, começou a fazer pingaro "néctar".
Além disso, do montante global, USD 500 mil estavam destinados ao futebol feminino. O futsal e o futebol de praia também estavam na lista de beneficiários indicados pela FIFA. O futsal recebeu qualquer coisa como USD 5.000,00, uma ninharia. Como é sabido, o futebol de praia praticamente não existe e o futebol feminino não tem uma competição que demande auxílio na dimensão indicada pela FIFA. Sendo quase certo que o futebol feminino não beneficiou do meio milhão de dólares que lhe estava destinado, assim como o futebol de praia também deve ter recebido uma bagatela da igualha da do futsal, é mister inferir que esse dinheiro foi descaminhado, o que não quer dizer que foi "comido" - hoje há várias formas de "comer" sem deixar rasto, algo a que os "espertos" chamam "engenharia financeira".
Ora, se, como aparenta, parte do dinheiro destinado ao futebol feminino, ao futsal e ao futebol de praia foi descaminhado para cobrir outros "furos", por maioria de razão é legítimo esperar que desse valor fosse "descaminhado" uma parte para uma causa mais nobre, a da Selecção Nacional. Não faz sentido que o dinheiro tenha sido todo "queimado" sem que se guardasse "algum" para o compromisso "mundialista".
Em boa verdade, poucos têm certeza do que foi feito com o que não foi destinado aos clubes e ao futsal, visto ser entendimento da Direcção da FAF que não deve informar aos angolanos de como gastou o dinheiro. Tal como Angola, a África do Sul também recebeu dinheiro da FIFA e, apesar de não ser dinheiro público, deu-se ao trabalho de dizer ao Mundo como o gastou.
No fundo, o que aconteceu na FAF com o dinheiro doado pela FIFA pode ser comparado à estória do "esperto" que se empanturra de comida ao almoço e quando chega a hora do jantar nada mais tem para comer, porque, entretanto, comeu tudo quando o sol estava ainda a pino...