A proeza do Sagrada Esperança é inteiramente merecida, quanto mais não seja pelas circunstâncias em que ocorreu. Chegado à derradeira jornada do campeonato em igualdade de pontos (67), tinha de defrontar no fecho da prova o seu mais directo concorrente, o Petro-Atlético de Luanda, com quem estava "colado" na liderança, qual gémeos siameses. Mais: o desafio era no "11 de Novembro", casa do adversário.

Em terreno alheio, a equipa do Sagrada Esperança não claudicou. Pelo contrário, portou-se como um "grande" e ganhou (1-0) a partida que lhe deu o título. De "esquebra", marcou mais um golo, que o árbitro incompreensivelmente anulou, além de ter visto um penalti assinalado a favor do rival, que falhou. Nessas condições, completamente adversas, o título "lunda" ganha contornos de um pequeno "milagre". Afinal, o dramatismo de que se revestiu a "prova dos noves" a que o Sagrada Esperança foi submetido só podia ser superado por uma equipa mentalmente forte, capaz de se bater não só com o oponente, mas também com a equipa de arbitragem. Obviamente, o "tricolor" nada tem a ver com os disparates de António Dungula, "internacional" da província de Benguela.

Experiente e com a insígnia da FIFA há quatro anos, António Dungula era, em princípio, o árbitro certo para o "jogo do título". Além das credenciais que exibe - ainda há dias esteve na Taça COSAFA de seniores, com bom desempenho - era um dos poucos totalmente "neutros" entre os "internacionais", visto que não é da Associação de Luanda, nem da Lunda-Norte ou próximo disso. Mas acabou por ser a figura central de um jogo que entrou para a história do futebol nacional pelos piores motivos, com manchas indeléveis.

O que aconteceu nas bancadas do "11 de Novembro" foi inqualificável e condenável. As cenas de vandalismo que correram o mundo através das redes sociais em nada dignificam o futebol angolano, cujo estado de saúde é moribundo. Mas, em tudo isso houve um elemento "catalisador": o árbitro. Na teoria do conhecimento, um dos princípios mais postulados e também estudados é o da relação causa e efeito. Basicamente, a generalidade dos autores converge que este é um dos grandes princípios que regem o nosso Universo. Ou seja, não efeito por acaso, tendo sempre na sua génese uma causa.

Logicamente que não nos passa pela cabeça legitimar o espectáculo deprimente ocorrido nas bancadas do icónico Estádio 11 de Novembro. Mas também não podemos ignorar que a causa do efeito (pode-se-lhe chamar dominó ou bola de neve?), traduzido no vandalismo dos adeptos do Sagrada Esperança, foi a actuação desastrada de António Dungula, este mesmo que há uns anos esteve no centro de um outro grande problema, quando validou um golo irregular do 1.º de Agosto, numa partida decisiva com o Benfica de Luanda, também nas últimas jornadas do "Girabola".

A anulação do golo do Sagrada Esperança, que estava na condição de vencedor na partida, provocou insatisfação nas hostes "lundas". Mas, o penalti assinalado pouco depois foi a causa da "explosão" de adeptos, jogadores e oficiais do Sagrada Esperança. Como diz uma expressão idiomática do português, "foi a gota de água que fez transbordar o copo". Os ânimos exaltaram-se e a algazarra tomou conta até do rectângulo de jogo. Objectivamente, o lance, dependendo da interpretação de cada um, podia ser passível de penálti ou não. No caso vertente, há universalmente duas teorias que se opõem. Uma defende que a "baixa intensidade" do encostão (ou empurrão) não deve merecer punição técnica e outra advoga que a "objectividade" do acto deve sim ser motivo de castigo, em qualquer parte do terreno de jogo. Neste particular, António Dungulo está protegido pelo benefício da dúvida, mas o problema foi o "pecado original" do golo anulado e, por acréscimo, espaçado por muito pouco tempo!

Há uns anos, a Associação de Imprensa Desportiva Angolana (AIDA) promoveu, em Luanda, uma acção formativa para jornalistas sobre arbitragem, na qual foram prelectores três especialistas da FIFA. Uma das lições tiradas desse "curso intensivo", após a apresentação de um exercício prático cuja resolução demorou a aula inteira, é que se nós demoramos a eternidade que demoramos para decidir se é penálti ou não, por maioria de razão o árbitro, tão humano como qualquer um de nós, tem o direito de falhar. Mais ainda quando tem que decidir em fracção de segundos, como acontece num jogo de futebol.

Se em relação ao penálti é racional conceder o benefício da dúvida ao árbitro, já em relação ao golo anulado não há como aceitar. Porque, objectivamente e após vermos repetidas vezes as imagens não vislumbramos qualquer tipo de irregularidade. Ao invalidar um golo limpo, António Dungula "estragou tudo" e daí para a frente ficou condicionado. Mais uma falha e estaria no fio da navalha, o que infelizmente acabou por acontecer, com consequências altamente nocivas.

Pode parecer contra-senso, mas a actuação do árbitro não só prejudicou grandemente o Sagrada Esperança, como também lesou o Petro-Atlético de Luanda. Porque, se o golo fosse validado, provavelmente, mais concentrado e focado na baliza do novo campeão nacional, o "tricolor" poderia ter outra prestação e, quem sabe, até chegar ao empate! Mas aqueles minutos de paragem provocados pela actuação calamitosa do juiz quebraram o ímpeto da equipa do "Catetão", que também desabou psicologicamente. O penalti falhado pode, aliás, ter sido consequência disso mesmo. E desagradar a dois contendores simultaneamente é missão quase impossível, mas António Dungula conseguiu...

Em todo esse episódio de má memória, a Direcção do Sagrada Esperança procedeu com a elevação das grandes instituições. Em seu nome, da equipa técnica, dos jogadores e até dos adeptos, pediu desculpas pelo execrável comportamento dos seus seguidores - o clube não tem culpa nenhuma nisso -, ao mesmo tempo que enalteceu o papel extremamente construtivo" de dirigente federativo, do clube adversários e de outros presentes para que a partida não descambasse para a ladeira da vergonha. Isto é de uma grandeza imensurável, que coloca o presidente José Muacabalo e pares na galeria dos distintos do desporto nacional.