Como se não fosse pouco, o país foi surpreendido pelo mal gerido episódio de uma eventual candidatura de João Lourenço a um terceiro mandato de Presidente da República, numa altura em que a sua popularidade atinge o mais baixo nível de sempre. Foi surpreendido ainda pela crise de Junho, quando, perante uma brutal desvalorização do kwanza (que faz com que a dívida pública atinja o valor equivalente a 92% do PIB), o Executivo decidiu mexer no subsídio ao preço da gasolina, uma medida que, embora peque por tardia, foi implementada de modo desastroso, o que provocou mais uma onda de manifestações, tratadas com a tradicional falta de fair play democrático. Todos estes casos inquinaram o ambiente político geral e a já abalada confiança dos cidadãos e dos empresários.

As fugas para a frente do MPLA e seu Executivo revelam, para além da ausência de uma estratégia de desenvolvimento minimamente coerente, uma fragilidade institucional que inviabiliza o que de bom, reconheçamos, também acontece. Instituições já de si subalternizadas pelas inúmeras comissões multissectoriais, que privilegiam ao absurdo a filiação partidária, a hierarquia cega, a mentalidade policial e securitária, por um lado, e que estão mais preocupadas com o hardware, isto é, o betão, que depaupera as sempre escassas divisas, em prejuízo do reforço das capacidades humanas, por outro, são efectiva e objectivamente instituições extractivas que esbulham o povo angolano.

Uma análise do que ocorreu durante a recente visita do Presidente da República a Malanje permite perceber como o pensamento e a prática governamentais distorcem a solução efectiva dos problemas da economia e os chamados problemas do povo. Ela seria uma oportunidade para a resolução conjunta dos problemas locais, mas o que ressaltou foi o voluntarismo e a desvalorização das instituições, o que alimenta o culto da personalidade do chefe, cada vez menos encapotado.

A Biocom é um empreendimento eficaz, que já consegue produzir 40% das nossas necessidades de açúcar, mas o mesmo não se pode dizer da sua eficiência. Há uma capacidade industrial ociosa desde o seu início há 10 anos e em perigo de degradação, os gastos com assistência técnica expatriada são incomportáveis e, naturalmente, o último relatório do IGAPE sobre o Sector Empresarial Público alertou para o estado de falência da empresa, o que foi simplesmente ignorado e desvalorizado durante a visita.

Alertei em devido tempo (2018) para o erro que era o investimento de 123 milhões de dólares na irrigação da agora designada Fazenda Lutete-Quizenga, uma vez que o histórico recente de projectos irrigados foi tão negativo que levou à extinção da SOPIR-Sociedade de Perímetros Irrigados, EP e que estava decidido acabar com empresas públicas de produção agrícola. Fiquei decepcionado ao ouvir a decisão "in situ", sem uma base de conhecimentos ou estudos, de fazer do empreendimento o suporte do futuro maior instituto superior agrário angolano, passando por cima da Chianga, onde a ausência de atenção e de investimento impedem que ali, sim, possa florescer a mais importante escola de agronomia, dada a sua história, o potencial já existente e a presença sinergética do Instituto de Investigação Agronómica. Este, como outros centros de investigação, espera há anos pelas verbas prometidas para quando o OGE passasse a destinar 1% das suas despesas para a investigação científica. Entretanto, convém que se saiba que em Angola temos, não apenas uma, como disse o Presidente, mas pelo menos mais cinco escolas superiores agrárias, sendo três públicas (Sumbe, Uíge e Onjiva) e duas privadas (Lubango e Libolo). O Presidente tem de ser informado, também, que existem dois problemas sérios com o ensino agrário. Primeiro, a fraquíssima procura de vagas existentes (para este ano lectivo a Chianga teve 170 candidatos para 60 vagas, contra 3 mil para 80 na Faculdade de Medicina do Huambo) e, depois, as dificuldades na utilização de recém-licenciados no sector, quer por falta de oferta de empregos, quer por maior atractividade de outros sectores, como, por exemplo, a educação. Um problema mais sistematicamente ignorado e sem solução aparente.

Seria espectável que o Presidente falasse dos problemas ligados às pessoas, como a pobreza (como fizeram Lula e Graça Machel, para vergonha nossa), o emprego, a falta de pessoal técnico para as unidades de saúde construídas no âmbito do PIIM e para as estruturas de extensão do Ministério da Agricultura, ou a importância da educação para a saúde para aliviar os hospitais. Os empresários esperavam, igualmente, uma palavra sobre a dívida pública, sendo que parte dela arrasta-se desde 2014 e é responsável pelo encerramento, efectivo ou próximo, de muitas empresas. Não aconteceu nada disso.

Em contrapartida, falou muito de infraestruturas. De centralidades (indiferente aos enormes constrangimentos que a sua gestão e manutenção acarretam e põem em causa a sua viabilidade e até o próprio património), hospitais (sem dar resposta ao às preocupações do governador sobre a falta de técnicos para os existentes) e de infra-estruturas para o ensino superior em cinco províncias, sem falar da baixa qualidade do ensino.

O que se passou em Malanje corresponde a uma ideologia errática e intencionalmente indefinida, associada à espoliação das riquezas minerais e de todas as outras e à captação das divisas pelas elites dirigentes, o que explica a obsessão pelo betão e pelo despesismo e a preocupação última com a manutenção do poder a todo o custo. Uma ideologia que se assume capitalista, mas segue o modelo "soviético" no que ele tinha de pior, a idolatria em relação ao que é grande e mais vistoso, sem preocupação com a disponibilidade e boa gestão dos recursos e com a participação dos cidadãos em geral e dos actores económicos em particular, algo que explica, em parte, a falência dos antigos países do bloco de Leste. Uma ideologia que encoraja a politização de um banco como o BFA, numa altura em que Angola está de novo sob mira do GAFI. Uma ideologia que favorece práticas de corrupção, sendo indesmentível o regresso dos casamentos na Europa em ambientes de luxo só comparáveis aos da alta burguesia desse continente. Dir-se-á, claro, que quem financia tais casamentos não pode ser condenado, ou mesmo questionado, por falta de provas, tal como no passado se dizia dos agora chamados marimbondos.

O que se passou em Malanje é um bom exemplo das práticas governativas que desvalorizam as instituições e inquinam o desenvolvimento. Depois do "brilharete" de 2022 que o Executivo sobrevalorizou, o crescimento do PIB pode cair para menos de 1% em 2023. Com a sala molhada pela água que jorra da torneira, a preocupação de quem zela por ela é apenas a de limpá-la, nunca a de fechar a torneira que, indiferente, continua a jorrar água.