Nesse contexto, as Organizações Regionais Africanas (ORA) ou Organizações Económicas Regionais (OER) são cruciais para a implementação da Arquitectura de Paz e Segurança Africanas (APSA).

O objectivo deste artigo é analisar se as ORA têm a capacidade de contribuir efectivamente para a paz e segurança em África, considerando os recentes acontecimentos e a possível criação de novos mecanismos de cooperação militar que se avizinham fora do âmbito das organizações regionais.

No geral, as ORA desempenham um papel fundamental na promoção da paz e segurança no continente. E sentido foi desenvolvido diferentes mecanismos conducentes à paz e segurança, nomeadamente e com particular destaque para a APSA, que foi criada para abordar de forma sistemática os conflitos e crises na África através de um esforço coordenado entre União Africana (UA) e as 5 grandes organizações regionais africanas (UMA - União do Magreb Árabe, CEDEAO, CEEAC - Comunidade dos Estados de África Central, SADC - Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral e CAO - Comunidade para Africa Oriental).

A CEDEAO, por exemplo, tem sido uma protagonista na resolução de crises políticas, utilizando missões de manutenção da paz, sanções e mediação como ferramentas. No entanto, a eficácia destas organizações é frequentemente questionada, especialmente em face dos novos desafios, como a crescente influência de grupos armados não estatais como o Grupo Wagner (actual Africa Corps, segundo o ministro russo das Relações Exteriores, Lavrov) - uma companhia militar privada russa - e das mudanças nas alianças políticas entre os países da região.

Para estas alterações, muito contribuem os recentes Coup d"État (Golpes de Estado) militares ocorridos no Mali, Burkina Faso e Níger que revelaram a fragilidade das estruturas de governação e a incapacidade de certos regimes políticos africanos em lidar com crises de segurança, pobreza e insatisfação popular. E estes países, do Sahel, estão considerando a possibilidade de se afastar da CEDEAO para estabelecer tanto uma nova organização política como um novo mútuo mecanismo de segurança, com apoio militar e logístico de grupos mercenários. Esta mudança de paradigma poderá levar a reduzir ainda mais a capacidade das ORA de exercer influência nas questões de segurança das suas regiões político-económicas.

Apesar da CEDEAO, que se tem mostrado como uma das organizações mais activas na resolução de conflitos em África Ocidental, nos recentes desafios, com a falta de consenso entre os Estados-membros sobre a intervenção em crises internas e a percepção de parcialidade, está a mostrar que estas crises estão a limitar a sua eficácia. E uma eventual saída de países como Burkina Faso, Mali e Níger da CEDEAO, além de minar a sua estrutura, irá enfraquecer a coesão das políticas de segurança regional, que, por sua vez, levanta a questão de como a UA, em geral, e a CEDEAO, em particular, responderão a esta nova dinâmica.

Até porque uma eventual e efectiva potencial aliança entre estes países do Sahel e o antigo Grupo Wagner poderá representar uma mudança significativa na dinâmica de segurança da região, pois esta relação poderá levar a uma maior instabilidade na área, porque enfraquece as instituições locais e promove uma abordagem militarista que pode não ser compatível com as soluções de paz e desenvolvimento promovidas, quer pela UA, quer pelas ORA.

Acresce que os paramilitares da Wagner tem sido acusados de operar em várias regiões da África, oferecendo apoio militar em troca de concessões de recursos naturais. E no caso do Níger, poderá ser importante as minas de urânio para um eventual acentuar de esforço de guerra da Rússia na Ucrânia.

E aqui poderia entrar a UA e o papel que esta organização multi-continental, que tem mecanismos importantes para lidar com crises de segurança, incluindo um corpo de resposta rápida - as Forças de Intervenção Rápidas ou Africa Standby Forces (ASF) - e uma activa diplomacia, poderia tentar desenvolver junto dos países onde se registam mais golpes de estado.

No entanto, cada vez se constata mais que a capacidade de acção da UA é frequentemente limitada por falta de recursos e a necessidade de autorização dos Estados-membros, o que se repercute nas ORA e, nomeadamente, na CEDEAO, que impede que estas desempenhem um papel eficaz na promoção da paz e estabilidade, tão crucial para que exista um aumento da cooperação e coordenação entre elas.

Por isso é necessário fortalecer quer a UA como, e talvez ainda mais porque, muitas vezes são elas as primeiras linhas de operação, as ORA, para que estas possam manter um papel efectivo na promoção da paz e segurança.

E sobre como poder haver um papel efectivo das organizações regionais (e multi-continental) promoção da paz e segurança, algumas medidas precisam ser implementadas, tais como:

1. Aumento da capacidade institucional: as ORA precisam de melhores recursos financeiros e humanos para desenvolver suas capacidades. Isso inclui treinamento, tecnologias modernas e um orçamento robusto para operações de manutenção da paz;

2. Reforço da cooperação regional: é essencial que haja uma coesão entre os diferentes blocos regionais africanos, pelo que devem trabalhar em conjunto para evitar esforços duplicados e fomentar uma abordagem unificada para a segurança;

3. Iniciativas de prevenção de conflitos: as ORA devem focar em iniciativas que abordem as causas raízes dos conflitos, como pobreza, desigualdade e exclusão social. Programas voltados para o desenvolvimento económico e a inclusão política podem ajudar a diminuir a insatisfação popular que leva, em muitos casos, a golpes de Estado;

Em resumo, as ORA têm um papel vital a desempenhar na manutenção da paz, defesa e segurança em África, especialmente no contexto da Arquitectura de Paz e Segurança Africanas.

No entanto, os recentes golpes de Estado, no Sahel e o surgimento de alianças de alguns políticos, dito revolucionários, com grupos mercenários como o Grupo Wagner, exige uma resposta do continente africano, no geral, de maneira (mais) coordenada.

A União Africana e as Organizações Regionais Africanas devem criar políticas claras sobre como lidar com essas intervenções estrangeiras, protegendo a soberania africana e promovendo soluções construtivas. Só assim, e no caso das ORA, estas poderão mostrar ter potencial para fazer face aos desafios que a Paz precisa para África. n

*Investigador do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE-IUL (CEI-IUL) e Investigador-Associado do CINAMIL e Pós-Doutorado da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Agostinho Neto**

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