Quando a Plataforma 27 de Maio apresentou esta exigência à CIVICOP, em Julho de 2020, essa considerou que não havia meios para tal e que se tratava de algo impossível de realizar. Na altura, o objectivo principal para a CIVICOP era erigir o memorial (megalómano por sinal) e converter o "abraço" entre vítimas e carrascos no apagador da história.


Foi necessário o discurso corajoso do Presidente João Lourenço, no dia 26 de Maio do corrente ano, para que o objectivo "irrealista e impossível" se tornasse numa realidade, ainda que de contornos não totalmente definidos. "Importa que cada um assuma as suas responsabilidades na parte que lhes cabe. É assim que, imbuídos deste espírito, viemos junto das vítimas dos conflitos e dos angolanos, em geral, pedir humildemente, em nome do Estado angolano, as nossas desculpas públicas pelo grande mal que foram as execuções sumárias naquela altura e naquelas circunstâncias", declarou o Presidente, na intervenção histórica transmitida pela Televisão Pública de Angola.


Esta intervenção veio a dar um novo rumo à trajectória iniciada no ano de 2009 pelo Governo de Angola, ao reconhecer então que "... um dos acontecimentos mais relevantes dessa época (1975-2002), que marcou o estado de degradação física e humana em que o País se encontrava, foi o processo de 27 de Maio e todo o cortejo de atentados aos Direitos Humanos que se seguiu".


O Presidente assumiu, no discurso de 26 de Maio, o objectivo de localizar os restos mortais de algumas das vítimas, de modo a que as famílias pudessem efectuar cerimónias fúnebres dos seus entes queridos.
Há a registar passos positivos nesse objectivo. Sabe-se que foram executados trabalhos com máquinas apropriadas para delimitar os perímetros das exumações, obteve-se a colaboração de técnicos especializados, aceitando-se, assim, a oferta do Governo de Portugal e estará em curso um processo de contratação de reputados especialistas em antropologia forense.


Estes passos positivos são de saudar. Porém, há também inquietações, que urge apresentar.
Em primeiro lugar, para localizar as valas comuns e outros locais onde foram enterradas as vítimas, impõe-se inquirir os responsáveis pelos massacres, designadamente os torcionários da DISA que executaram os actos materiais de repressão. Não é perguntando aos familiares onde se encontram os seus entes queridos que se conseguem obter resultados concretos, pois a esses não foi dada qualquer informação por quem estava, na altura, em condições de o fazer, sendo certo que os destinatários da pergunta não tinham, em alguns casos, idade sequer para saber o que se estava a passar.


Em segundo lugar, impõe-se alargar o número de buscas ao maior número possível de vítimas, não o circunscrevendo a um grupo restrito de "notáveis". Aliás, muitos familiares ainda não fizeram o pedido de restituição por ignorarem poder fazê-lo e como fazê-lo.


Em terceiro lugar, é chocante a ligeireza com que os trabalhos de exumação foram apresentados a 11 de Novembro na televisão angolana, com exibição de um crânio supostamente de uma das vítimas e declarações inadequadas de responsáveis governamentais.


Em quarto lugar, a recolha de amostras de ADN aos familiares das vítimas não pode circunscrever-se a um laboratório em Luanda, pois há quem se encontre fora do País e não tenha possibilidade de se deslocar a Angola.


Não menos importante, é o facto de este processo não estar a ser acompanhado pela busca da Verdade Histórica, parecendo estar abandonados os princípios da Verdade e da Justiça (mesmo que no âmbito da justiça reparativa, no âmbito de uma Comissão de Verdade).


Localizar restos mortais de vítimas impõe encontrar também respostas a questões fulcrais, sem receio das conclusões: quem ordenou os massacres, ao mais alto nível, quem os executou, o que se passou naquele fatídico dia em que a versão oficial invocou a existência de uma "tentativa de golpe de Estado", enfim, quem é quem.


Tais respostas carecem de investigação, abrindo-se os arquivos secretos da DISA e de outros departamentos estatais e, sobretudo, inquirindo-se os então actores, principais e secundários.
Só assim este trabalho de exumação poderá ser classificado de sério e suficiente, concretizando os objectivos em boa hora definidos pelo Presidente João Lourenço.