Licenciou-se com 27 anos em engenharia de petróleos e beneficiou de formação em telecomunicações, retornando a Angola para a 2ª Região político-militar de Cabinda, em 1970.
Desde muito cedo, fez prevalecer a generosidade da entrega à causa da independência.
Esta causa conduziu muitos jovens de diferentes condições étnicas, sociais e de formação, que não aceitavam o regime colonial, como os que nos idos de sessenta do século passado prosseguiram os estudos superiores em Portugal e deixaram tudo para trás com uma centena deles saindo clandestinamente do País para se integrar nos movimentos e partidos anticolonialistas.
Há nomes que a História regista - Agostinho Neto, França Van Dunem, Joaquim Chissano, Miguel Trovoada, Amílcar Cabral, Pedro Pires, Alda Lara, Alda do Espírito Santo e dezenas de outros.
Na "Geração da Utopia" Pepetela fala dos ideais que os moveram.
Na qualidade de Secretário-geral da UCCLA, honrei a memória de todos eles, reeditando as obras que, na Casa dos Estudantes do Império, publicaram e promovi incontáveis iniciativas para que a História os não esqueça.
José Eduardo dos Santos não estudou em Portugal, mas procurou sempre aprofundar a entreajuda com os povos que falam em português, sendo fundador da CPLP.
Ao integrar-se na luta de libertação nacional, o mundo era bipolar, com os EUA e a ex-URSS como superpotências a dinamizar em África uma "guerra quente".
Esse mundo desapareceu com a implosão da ex-URSS, em 1989, sendo José Eduardo dos Santos Presidente de Angola há apenas dez anos, tendo assumido as funções de Presidente com apenas 37 anos.
Mal se apercebeu da dimensão das mudanças que se haviam de operar no mundo, não hesitou em deslocar-se a Gbadolite, terra natal de Mobutu, para, na presença de dezoito chefes de Estado africanos, apertar a mão a Jonas Savimbi e aceitar que, a partir das 00:00 horas do dia seguinte, a metralha da guerra civil de Angola deveria calar-se.
A guerra persistiria, mas ele não afrouxou na necessidade de assinar um acordo de paz com a envolvência da comunidade internacional, o que foi alcançado em Bicesse, em Abril de 1990, levando à realização de eleições livres em Angola, em 1992, que adoptaram o multipartidarismo.
Acompanhei de perto os acordos de Bicesse por ter sido um dos coorganizadores do Iº Congresso dos Quadros Angolanos no Exterior, que teve grande e decisiva influência no quadro da paz e sei do papel que teve neste domínio.
As eleições que se realizaram em 1992 não criaram, porém, condições para o termo da guerra.
Ela prosseguiu mais de doze anos, até 2002, com os acordos de paz celebrados no Leste de Angola.
É inegável que Angola e os angolanos não podem deixar de levar a crédito os esforços e as acções em concreto que José Eduardo dos Santos desenvolveu para a reconciliação nacional.
Quando tomou posse como Presidente da República, volvidos dois anos sobre os gravíssimos acontecimentos que enlutaram Angola, em 27 de Maio de 1977, não poupou esforços para a reconciliação face aos milhares de desaparecidos.
Nem tudo são rosas num mandato tão longo, sobretudo em domínios que respeitam à gestão da causa pública e à defesa da transparência, que, aliás, já ficara registada no Congresso do MPLA ocorrido na Zâmbia, antes da independência que precedeu a entrada do partido em Luanda e a que Agostinho Neto, então Presidente do MPLA, pôs termo perante perguntas que considerou inconvenientes sobre as contas do partido.
Relativamente a José Eduardo dos Santos, há ainda a debilidade de, nas políticas públicas, não ter priorizado a autossustentabilidade do País.
Neste momento, aqui e agora, a escassos dias do seu desaparecimento, a um mês das eleições gerais em Angola, há responsavelmente que se fazer convergir todos os esforços para a recriação da esperança num futuro melhor para os angolanos, que tanto o merecem pelo que têm sofrido, reforçando-se o diálogo interpartidário para que a conflitualidade não seja artificialmente dinamizada.
Daí que se releve o papel que José Eduardo dos Santos teve na reconciliação dos angolanos, papel esse que os cidadãos manifestam de forma generalizada.
A História fará sobressair o importante contributo que ele deu para a paz.
*(Secretário-geral da UCCLA)