Também sou um dos netos de Maria da Conceição Machado da Silva Ferreira, nascida no Golungo Alto e com passagens por Malange, Ndalatando e Dondo, onde ficou conhecida por Maria Severino, uma das senhoras que mais vida trouxe à localidade, por ser das parteiras mais solicitadas, dai que tenha, provavelmente, batido o recorde de afilhados e afilhadas por aquelas bandas.
A avó Maria era mais pausada, não era tão afoita. De estatura baixa, que era o oposto da personalidade forte que tinha, do olhar fixo e atento, também era de muitos ofícios, gostava de ir à sua lavra nas imediações do Dondo, de onde tirava parte dos alimentos para a sua família e não só. A avó pertencia ao grupo das senhoras da igreja que aconselhavam e acompanhavam as famílias. Era também a parteira mais famosa do Dondo, enfermeira muito procurada, sem, no entanto, ter ido à escola. Sabia ler e escrever, fazer contas e expressava-se muito bem. Também era poliglota, falava várias línguas nacionais com muita facilidade.

Durante os anos em que esteve casada com Severino José Ferreira, dos Correios do Dondo, adepto ferrenho do sporting de Portugal e da eka do Dondo; a avó Maria, sempre foi de partilhar o pouco que tinha com todos os que batiam a sua porta, seja saídos da casa ao lado ou de uma outra localidade, de Luanda, Huambo, Malange... Aquela porta da casa nos Cahoios, com o muro baixo, algumas árvores de fruta (mangueira, coqueiro, bananeira, amoreira), a capoeira ao fundo do quintal, era também um lar de boa gente, uma escola para mulheres e homens que hoje adultos e também chefes de família fazem igual ou procuram fazer bem o que aprenderam entre os kandandos e ralhetes da mãe da Mizé "Feia", minha mãe. A casa ficava próximo ao hospital da montanha, era o ponto de encontro de muita boa gente que queria aprender alguma coisa, a ser um adulto ou adulta de respeito, de verdade.
O que elas tinham em comum? O kandando, maravilhosamente, espectacular que nos faziam sonhar, voar, sentir protegidos. A forma educada com que tratavam a todos, o respeito que impunham, a valorização das pessoas, a união, o trabalho em grupo, a bondade e a honestidade... Os ensinamentos que nos guiam pelo bom caminho, as dicas e ralheres que corrigiam. Aprender a ser boa pessoa e a fazer sempre o bem, sem importar a quem, era o mote, hoje legado.

Mesmo nos momentos mais difíceis das suas vidas, sempre tiveram um sorriso para partilhar, prato de pitéu para dar, um pano para cobrir, uma cama para acolher, uma lição para ensinar, um ofício para orientar, muito amor para abraçar. Assim viveram as minhas avós, Rufina e Maria, cujos kandandos fazem-nos falta e garanto-vos que fariam falta a qualquer um de vocês. O tal kandando que educava e curava, bazou, mas hoje pude sentir o kandando da avó, pelos braços de uma outra avó, da avó Luzia "Napassa", que mesmo ensonada, juntou-se aos putos, cantaram parabéns, correu para dar-me aquele abraço que com as felicitações, os beijos da garina e dos putos, ajudaram a melhorar o meu dia. É das prendas que valem sempre a pena. Abracem sempre que possam, enquanto estiverem vivos, façam os vossos corações sentirem o compasso do outro, para saber o quão bom é estar vivo e fazer bem para a vida de outrem ao ponto do kandando mostrar isso. Agradeço pelas felicitações de quem tem feito de mim alguém cada vez melhor, mais maduro, mais adulto, mais justo, mais porreiro, respeitoso, cheio de bênção, graças aos kandandos das avós.