Em concreto, no dia 15 do corrente mês, após a tomada das mais importantes cidades do Afeganistão, os Taliban ocuparam Cabul e nela o Palácio Presidencial, assistindo-se à fuga do Presidente Ashraf Ghani.
A partir deste facto, a comunidade internacional passou a assistir à tentativa desesperada de fuga de milhares de cidadãos afegãos, pelos mais variados meios, fazendo lembrar os dias finais do conflito do Vietnam, e os países ocidentais encetaram diligências de última hora para fazer sair os diplomatas acreditados no Afeganistão.
O que está a ocorrer era previsível.
Joe Biden acabou por concretizar apenas aquilo que já havia sido referido por Obama, tendo Trump dado sequência, faltando apenas a última decisão.
É útil para se compreender o que se passa que as diligências norte-americanas, para que o Governo de Cabul, do Presidente Ashraf Ghani, iniciasse a tempo negociações com os Taliban para uma transição pacífica de poder não deram em nada.
Daí que, anunciada a saída americana, cuja forte presença militar no Afeganistão foi determinada pelo ataque às torres gémeas e ao Pentágono, pelo facto de a Al-Qaeda e Ossama Bin Laden gozarem de protecção no Afeganistão, o objectivo foi o de cessar, então o Governo dos Taliban.
Como é sabido, a China e a Federação Russa apressaram-se após a declaração de saída dos EUA e promoveram reuniões com o movimento fundamentalista e radical islâmico.
O objectivo destas reuniões foi procurar assegurar um posicionamento futuro diferente da política no passado assegurada pelos Taliban.
Porém, para os EUA, a resolução futura da estabilidade do Afeganistão deve também ser encontrada e, sobretudo, pelos países da região, particularmente a China e a Federação Russa, ambos com populações islamizadas com riscos de radicalização, mas também com o Paquistão, onde, aliás, se refugiou Ossama Bin Laden e aí foi morto, não esquecendo ainda o Irão e a índia.
Para já, há que ter presente que a História fez evidenciar que mercê da geografia do Afeganistão com domínio montanhoso e condições especiais para a guerrilha, apresentando ainda facilidades de apoio logístico e militar externo. Os movimentos insurgentes conseguiram sempre vencer as forças externas de países que intervieram militarmente nele.
Foi assim com o Reino Unido, com a Ex-URSS e agora com os EUA e com estes os que integraram a Força Internacional de Assistência para a Segurança no Afeganistão.
Não é de todo seguro o que se irá passar daqui para diante.
O Afeganistão tem pelo menos 40 milhões de habitantes, é o maior produtor mundial de ópio e o histórico do poder político exercido pelos Taliban de 1992 a 2001 deu causa a que fosse considerado por inúmeros países um movimento terrorista, violador dos mais básicos direitos humanos, que marginalizou as mulheres, destruiu símbolos religiosos que não os seus e protegeu de facto a Al-Qaeda.
Declarações recentes do porta-voz dos Taliban no sentido de que não vão perseguir os afegãos que os opunham, autorizando por outro lado que as mulheres continuassem a frequentar escolas e pudessem trabalhar vão ao arrepio do posicionamento que tiveram quando ocuparam o poder.
E porque isso ocorreu é legítimo que haja o temor de uma onda significativa de refugiados afegãos, tendo como principal destino a Europa.
No que respeita a África, o surgimento de movimentos islamitas radicalizados, como se evidenciou recentemente na província de Cabo Delegado, em Moçambique, implica uma atenção muito particular pelo que for a evolução da situação no Afeganistão.
Esperamos que as diligências dos países da região e a pressão internacional propiciem que o Afeganistão reganhe finalmente a estabilidade minorando os riscos que existem, neste mundo cada vez mais incerto.
Porém, ninguém pode assegurar que assim seja.


*(Secretário-geral da UCCLA)