O discurso político baseado na visão do retrovisor serve para justificar o que não foi feito e para "legitimar" o que agora deve ser feito. Analisando os discursos e pronunciamentos de muitos dos nossos governantes, fica-se com a ideia de que nos querem forçar uma narrativa de que o País nasceu apenas há cinco, que tudo no País começou a ser (bem) feito em 2017 e que, antes disso, eram só trevas e escuridão. "Encontrámos os cofres vazios", "Em cinco anos foram construídos mais hospitais do que em 38 anos" e outros pronunciamentos que revelam que agora a regra é a utilização do discurso do retrovisor para se tentar justificar o êxito de acções do presente.

Quebrar o retrovisor e não olhar para trás das coisas? Não necessariamente. Não se quer que não se deva aprender com os erros do passado, que se ignore completamente o que ficou para trás. "Dificilmente se avança para os objectivos preconizados, sem que, primeiro, possamos olhar, sem receios e sem desconfianças, para o retrovisor do tempo", disse Filipe Zau, quando falava na abertura da 12.ª Reunião dos Ministros da Cultura da CPLP, decorrida em Luanda no início do presente mês. Que defende um olhar para o retrovisor do tempo e em todos os sentidos, tendo de forma permanente "os diferentes olhares da nossa memória comum".

A afirmação de uma estratégia em que se fazem no presente análises comparativas com o passado de uma estrutura governativa e partidária de que a maior parte dos "críticos" ou "spin doctors" fez parte é bastante surreal e não os isenta de responsabilidade ética e moral. Os eleitores tendem a não valorizar este discurso do retrovisor, principalmente quando vem de dentro da mesma estrutura, fragilizando-a. Há mesmo dentro da estrutura da governação quem defenda que é importante deixar o passado no passado, quebrar o retrovisor e olhar para frente.

A retórica do discurso do retrovisor tem também sido internada, criticada e desaconselhada. Vamos percebendo que tem perdido espaço nos discursos da fase de pré-campanha. É uma estratégia que pode funcionar como autoflagelação e fragilização de quem hoje governa e lidera, até porque muitos dos presentes vieram do passado e aparecem no ângulo de visão do retrovisor. É claro que ficar a olhar apenas para o espelho retrovisor não garante ao "condutor do veículo" sucesso na marcha, é preciso perceber e comparar as distâncias entre a imagem real e a imagem reflectida.

"Comparar não é ficar olhando pelo retrovisor. Comparar é discutir que caminho vou seguir. Sem sombra para dúvida, houve passos no Governo anterior, agora, o que estou dizendo é que o nosso caminho é melhor", disse um dia Dilma Rousseff, antiga Presidente do Brasil, respondendo a um artigo do também ex-Presidente brasileiro Fernando Henrique Cardoso, publicado em Fevereiro de 2010, em que disse que "as eleições não se ganham com o retrovisor".

A política brasileira é um exemplo em que, muitas vezes, se usa e se critica o recurso ao discurso do retrovisor e aqui temos citações de dois ex-Presidentes de famílias e partidos políticos diferentes, os tucanos e os petistas. É uma situação muito comum e natural quando as actuais lideranças e as antigas são de forças políticas distintas.

Em Angola, o discurso do retrovisor é feito e estimulado dentro da mesma estrutura partidária. Ainda se procura encarar o futuro pelo espelho retrovisor. É um discurso que nunca foi verdadeiramente abandonado e voltou a ganhar força no início da pré- campanha. É um discurso que se alimenta de questões internas que ainda não foram resolvidas, que vitimiza uns e responsabiliza outros, todos da mesma família/ formação política. É um discurso que procura sacudir os medos e as falhas do passado, mas não ajuda na caminhada para o futuro, para a harmonia e a paz na estrutura partidária e que também traz um risco: quem governa hoje e faz recurso ao discurso do retrovisor poderá amanhã também ser visado no discurso de quem governar no futuro, pois é costume dizer-se: "Depois de mim, virá quem bem ou mal de mim dirá". É tudo uma questão de decidir se se pretende governar e fazer um país olhando pelo espelho da frente ou pelo espelho retrovisor.