Nos dias que se seguiram à famosa primeira utilização desses termos, em Fevereiro de 2017, pelo secretário de imprensa de Trump, as vendas do livro 1984 de George Orwell aumentaram 9.500 por cento, e a editora Penguin viu-se forçada a imprimir 75.000 novos exemplares. O público imediatamente associou os neologismos da Casa Branca aos conceitos de novilíngua e duplipensar, tornados famosos na distópica novela de Orwell.

No discurso proferido na Assembleia da República, no dia 15 de Outubro de 2024, sobre o Estado da Nação, o Presidente João Lourenço, Titular do Poder Executivo (TPE), apresentou um conjunto de indicadores económicos que não se sustentam perante os mais básicos e elementares exercícios de reconciliação com a realidade vivida pelas famílias, empresas e sociedade civil como um todo. De facto, o mais preocupante é constatar com pasmos e espanto a defesa de uma narrativa de que o investimento privado está em franca recuperação e que estão criados os fundamentos económicos para sustentar a produção nacional que vai garantir a auto-suficiência alimentar a curto e médio prazo. Alguém tem estado a fornecer dados estrábicos ao nosso Presidente, ou então a sua Equipa Económica (EE) foi tomada de súbita e temerária síndrome orwelliana.

Ora vejamos,
Estabelece a teoria económica que o investimento privado é, sobretudo, financiado com recurso à poupança doméstica e estrangeira. O fluxo de capitais doméstico transita dos aforradores nacionais para os investimentos privados através do mercado financeiro - bancário e de capitais. O fluxo de capitais externo flui maioritariamente para o país anfitrião através do investimento directo estrangeiro (IDE). Ademais, existe uma correlação positiva entre a expansão do investimento privado e o crescimento económico, sobretudo em economias emergentes e em desenvolvimento.

A tabela abaixo demonstra que, em Angola, a poupança agregada teve o seu pico em 2012 quando registou os 37, 42 por cento do produto interno bruto (PIB). Entre 2012 e 2017, a poupança doméstica registou uma média de 28,78 por cento. No período entre 2018 e 2023, este indicador ficou nos 29,79 por cento, o que evidencia uma diferença percentual negligenciável. Por outro lado, o investimento privado na economia teve o seu pico em 2015, quando se verificou os 34,20 por cento do PIB. Entre 2012 e 2017, o investimento privado na economia nacional registou uma média de 27,65 por cento. No período entre 2018 e 2023, este indicador ficou nos 23,33 por cento, uma queda de 4,3 por cento.

A incontornável dedução é que depois de 2017 a poupança doméstica sofreu uma quase estagnação, enquanto o investimento privado registou um decréscimo assinalável. No entanto, estes resultados não surpreendem a ninguém que tenha acompanhado a evolução recente da economia nacional, à excepção dos adeptos da realidade alternativa. Alias, é natural que no actual estágio de desenvolvimento da nossa economia não existam poupanças domésticas suficientes para suportar um verdadeiro e realista relançamento do sector produtivo. Este impulso terá que imperativamente e irremediavelmente vir do IDE.

E é aqui que o Executivo não consegue apresentar um balanço coerente com a realidade e uma estratégia de acção disruptiva.

De acordo com os dados publicados pelo Banco Africano de Desenvolvimento (AfDA, 2024), África tem tido um desempenho relativamente positivo na atracção de IDE, mas grande parte deste investimento tem sido em sectores extractivos e limitado a poucas economias, principalmente as de grande porte. O AfDA defende que as economias africanas precisam de implementar políticas estruturais e criar um ambiente macro-económico favorável para atrair um IDE mais estável e uma ajuda pública ao desenvolvimento previsível para recolher os dividendos do crescimento dos fluxos financeiros externos.
Entre 2012 e 2017, de acordo com as estatísticas publicadas pelo Banco Nacional de Angola (BNA), o IDE global - incluindo os fluxos no sector petrolífero - ficou em média nos 13,2 biliões de dólares americanos por ano. No período entre 2018 e 2023, os fluxos de IDE foram em média 7,4 biliões de dólares americanos por ano, o que representou uma queda de 78,4 por cento. O mais grave é a constatação que poderemos fazer se excluirmos o sector petrolífero destas estatísticas. É factual que o sector petrolífero tem uma alta relação capital-produto, logo, a maioria destes investimentos resultam em aumentos insignificantes do produto nacional (a maior parte, no caso de Angola, é para manutenção da capacidade de produção instalada). Ao contrário, é no sector não-petrolífero que o investimento com capital estrangeiro seria apto a gerar produto adicional significativo. Entre 2012 e 2017, o IDE no sector não-petrolífero foi em média 291,67 milhões de dólares americanos por ano. No período entre 2018 e 2023, os fluxos de IDE registou em média 328,33 milhões de dólares americanos por ano, representando uma subida de 11,17 por cento.

Estes indicadores do IDE em Angola, quando comparados com os outros países africanos, são manifestamente paupérrimos. De acordo com os dados publicados pela Ernst Young (2024), Angola ficou fora do "top 10" dos países do nosso continente que atraíram mais IDE, mesmo quando considerado o sector petrolífero nos últimos 5 anos. Por exemplo, entre 2022 e 2023, o Egito, Africa do Sul, Marrocos, Quénia, Senegal, Uganda, Tanzânia, Zimbabué, Costa do Marfim e Gana ficaram acima de Angola na atracção de IDE.

O balanço sobre os fluxos de IDE para Angola não é só muito desfavorável, mas roça mesmo o anedótico, o que nos leva a questionar para qual realidade EE do Executivo está de facto a olhar quando prepara as informações estatísticas para consideração do TPE. Em nosso entender, este facto por si só merecia da EE uma abordagem séria, realista e sustentável. Não faz sentido apelar a uma narrativa de realidade alternativa. Os factos, os números e a realidade do dia-a-dia falam por si e discurso nenhum vai alterar o estado das coisas. Pasme-se!

A literatura económica é sólida e consensual sobre os determinantes do IDE, particularmente em países emergentes e em desenvolvimento. O IDE flui para países com condições económicas relativamente estáveis e instituições fortes, e os investidores preocupam-se, sobretudo, com a instabilidade política, existência de lacunas nas infra-estruturas, regulamentação variante e indicadores de desenvolvimento deficientes (Walsh and Yu, 2010).

É sobre estes determinantes que a EE devia centrar os seus esforços para mobilizar a poupança externa necessária para suportar os investimentos privados em Angola, através dos fluxos de IDE que sejam verdadeiramente decisivos no relançamento do sector produtivo nacional. Por outro lado, as incertezas em torno de potenciais alterações constitucionais para alargar os mandatos presidenciais, a aparente ausência de independência do poder judicial e a completa impunidade e desrespeito sobre a propriedade privada são factores negativos que incontornavelmente afastam Angola da lista de destinos prioritários dos investidores estrangeiros.

A nota positiva foi a dinamização do projecto do Corredor do Lobito, que demonstra ser possível fazer bem essa captação de recursos externos. Já agora, ainda não entendemos por que alguns comentadores profissionalizados na difusão da teoria de uma realidade alternativa insistem em afirmar que o Corredor do Lobito é um investimento directo Norte-americano em Angola. Essa afirmação evidencia uma iliteracia financeira que merece ser repudiada. O Corredor do Lobito é um investimento de empresas europeias com origem em Portugal, na Suíça e na Bélgica, com o financiamento de instituições norte-americanas.

Meus Camaradas, investimento e financiamento não são a mesma coisa.

Por fim, assegurar uma verdadeira e disruptiva atracção de capitais estrangeiros para suportar o investimento privado em montantes e com a sustentabilidade necessária para garantir a tão almejada auto-suficiência alimentar requer um quadro conceptual de missão que não se vê nos vários instrumentos programáticos da EE do Executivo de João Lourenço, excepto no "Relatório Angola 2050" que, paradoxalmente, não parece ser levado em consideração na elaboração das várias iniciativas governamentais aprovadas, normalmente, por ajustes directos. Como afirmou Confúcio (552 a.C. e 489 a.C.), pensador e filósofo chinês do Período das Primaveras e Outonos, "Um governo é bom quando faz felizes os que sob ele vivem e atrai os que vivem longe".n
*Professor Auxiliar de Economia e Investigador
Business and Economic School - ISG

Bibliografia
-African Development Bank - African Economic Outlook 2024: Driving Africa"s Transformation. The Reform of the Global Financial Architecture.
-Ernst Young (2024): Africa Attractiveness 2023 - A pivot to growth.
-Walsh, J. and Yu, J. (2010): Determinants of Foreign Direct Investment: A Sectoral and Institutional Approach IMF Publications