Assim seria em qualquer país onde a alternância política se coloca não como uma mera hipótese, mas, sim, como uma realidade palpável que já faz parte da sua própria história democrática.
É que, sendo a alternância política uma possibilidade real que se anuncia sempre que há eleições, acreditamos que os partidos representados no Parlamento não teriam muitas dificuldades em adoptar o "modelo dos 2/3" como sendo aquele que melhor protegeria os interesses presentes e futuros de todos os protagonistas.
De acordo com este modelo, todos os membros indicados para integrarem a ERCA teriam de ser eleitos por uma maioria qualificada de 2/3, o que iria obrigar os partidos a negociar uma lista, a mais equilibrada possível, partindo do princípio de que muito dificilmente os países democráticos são dominados por maiorias tão esmagadoras.
Esse não é o caso de Angola, onde até agora, e mesmo que este modelo já tivesse sido adoptado, o MPLA não teria qualquer dificuldade em geri-lo a seu favor e da sua estratégia controlista do Estado. Desde as eleições de 2008 que o partido que nos governa desde 1975 tem esta folgada maioria que tem sido tão má conselheira na hora de se tomarem as grandes decisões da governação.
Ironizando a situação, diríamos que o MPLA deixou de ser um partido marxista-leninista do tempo do "mono", para passar a ser um "partido leninista de direita", tendo em conta a sua continuada apetência pelo controlo político de tudo quanto é Estado, seja por via directa, seja por via indirecta
Deste controlo mais remoto, não escapam as autoridades administrativas independentes, como é o caso da ERCA, a trilhar, nesta altura, os últimos meses do seu primeiro mandato de 5 anos, como herdeira do extinto Conselho Nacional da Comunicação Social (CNCS) e com um desempenho que, no mínimo, tem sido visto do exterior como tendo sido bastante decepcionante.
A única vez que o MPLA não teve maioria qualificada foi em 1992, tendo-se ficado por uma maioria absoluta que rondou os 54%, mas que permitiu que, por exemplo, a UNITA conseguisse ter capacidade para indicar um representante para o Tribunal Constitucional, que foi criado antes das eleições de 2008 e ainda ao abrigo da Constituição de 1991/92.
Enquanto aguardamos pelos resultados das próximas eleições de 24 de Agosto, como se vê o "modelo dos 2/3", também não seria em Angola a solução ideal para se conferir à ERCA o necessário equilíbrio político que lhe garantisse outra dinâmica em termos de actuação bem diferente daquela que tem tido.
Quanto a nós, esta "apatia" é explicada, em grande parte, pela sua composição que tem uma clara maioria política favorável aos desígnios do MPLA, enquanto partido governante. Estamos a falar da sua intervenção junto de uma paisagem mediática, que é, efectivamente, dominada por uma comunicação social que deveria ser pública, mas continua governamentalizada até ao tutano, com todos os avanços e recuos que se conhecem.
O último recuo desta paisagem foi, certamente, a passagem da Zimbo para a tutela político-editorial do Executivo, a par do cancelamento de projectos televisivos independentes no satélite/cabo, com destaque para a programação jornalística da ZAP, que foi pura e simplesmente proibida, após o canal ter voltado ao convívio dos telespectadores, na sequência de um atribulado processo que começou com a sua suspensão por razões aparentemente administrativas, tendo-se prolongado por mais de um ano.
Isto numa altura em que a apetência controlista do Estado se estende à Internet e já com características de uma quase caça às bruxas, a deitar por terra a narrativa oficial da melhoria da qualidade da nossa liberdade de imprensa.
Nas condições concretas de um país chamado Angola, o pluralismo mediático é para os observadores mais atentos, onde me incluo, o principal pilar/garantia da própria liberdade de imprensa.
Estando, neste momento, as duas principais televisões que têm cobertura nacional sob controlo do Executivo, não vemos, como é possível, manter aquela narrativa com um mínimo de sustentabilidade, para além da propaganda.
Mas, enfim, cada um olha para o copo como lhe der mais jeito, sendo certo que para nós o copo está claramente a esvaziar-se, situação que se está a agravar neste ano eleitoral, a confirmar uma das tendências mais negativas do desempenho da média estatal, sempre que as eleições são convocadas.
Este ano, o panorama parece ser ainda mais cinzento.

*Jornalista/Membro do Conselho Directivo da ERCA