A nomeação do novo MECE gerou, provavelmente na maioria das pessoas, a expectativa de mudança na condução da política económica do Executivo. No nosso caso, as expectativas geradas foram para além da mera mudança da condução da política. Vislumbrávamos uma mudança da formulação da política económica do Executivo, uma vez que os resultados económicos dos últimos 10 anos demonstram que o actual modelo atingiu a sua exaustão nos anos de 2013 e 2014.

De facto, depois do alcance da paz em 2002, em Angola o Governo perseguiu um modelo de crescimento económico totalmente alicerçado no pensamento keynesiano, onde o Estado deve intervir na economia para moderar os ciclos económicos e evitar recessões profundas. Keynes (1936) argumentou que, durante períodos de recessão económica, a procura agregada tende a cair, levando a uma queda na produção e ao aumento do desemprego. Sob a égide do pensamento keynesiano, Angola chegou a exibir indicadores económicos espectaculares, tendo sido esse ciclo virtuoso quebrado apenas em 2012, quando a taxa de crescimento do produto alcançou 8,5% ao ano e o produto interno bruto (PIB) per capita atingiu os USD 5.245,00. Desde então, os indicadores económicos degradaram-se persistentemente sem que o Executivo tenha sido capaz de inverter essa tendência (ver gráfico). Em 2019, o PIB sofreu uma contracção de 0,7%, enquanto o PIB per capita não passou de USD 2.805,00.

Naquela altura, o Executivo foi incapaz de fazer uma mudança na formulação da política económica apesar das recomendações e apelos feitos pelos organismos internacionais e analistas independentes. Por exemplo, no âmbito do acompanhamento do programa do Fundo Monetário Internacional (IMF), os membros da equipa técnica daquele organismo referiam que "a prossecução de reformas estruturais é fundamental para diversificar a economia e lançar as bases para um crescimento económico liderado pelo sector privado. O Governo terá de permanecer firme na melhoria do ambiente de negócios, no fortalecimento da governação e no combate à corrupção" (IMF, 2020).

De facto, em nosso entendimento, o que o Executivo deveria ter feito naquela altura era adoptar um modelo de crescimento alicerçado no desenvolvimento e fortalecimento do sector privado uma vez que era evidente o esgotamento do efeito multiplicador orçamental sobre a actividade económica. O Executivo deveria ter feito contenção na expansão da despesa pública, quer corrente, quer a de capital (investimento público), e apostado decisivamente na promoção do sector produtivo privado.

É com base no enquadramento deste enorme equívoco que, enraizado em posicionamentos dogmáticos próprios do planeamento económico inspirado nos ditames do comunismo-científico, trutinávamos que a chegada do novo MECE poderia constituir-se no tão esperado ponto de inflexão da formulação e condução da política económica. Transcorrido um trimestre em pleno exercício das funções como chefe da Equipa Económica, verifica-se um MECE que aparentemente privilegia o uso permanente do binómio pragmatismo e individualismo.

Rodrigues (2008) alude que o nome pragmatismo vem de Kant e não da palavra grega "pragma", que significa, de facto, acontecimento, acção e até mesmo "coisa". Essa derivação da filosofia kantiana indica bem que o pragmatismo significa "tornar as nossas ideias claras". O pragmatismo é principal e essencialmente "desdobramentos práticos".

Neste sentido, o MECE tem sido bastante incisivo e até cirúrgico nas suas acções. Esse estilo de abordagem assegura ao Ministro um juízo mediático positivo no curto-prazo, porque gera nos agentes a ideia de acção contínua em prol de um resultado desejado. Por exemplo, eliminar o monopólio na gestão da Reserva Alimentar Estratégica (REA) e impulsionar a produção de aves e ovos, bem como apoiar resolutamente a produção de cereais são, sem dúvidas, sinais muito positivos. Todavia, a realização dessas acções fora de um plano económico bem definido e devidamente enquadrado pode ter um sucesso bastante limitado e, em alguns casos, pode gerar ineficiências económicas com falhas na cadeia de produção e/ou de distribuição destes sectores.

Outrossim, a abordagem do MECE poderá evidenciar um posicionamento estratégico que visa essencialmente garantir que, perante "o dia de julgamento", exista obra para mostrar. Essa atitude tem respaldo epistemológico, formalmente conhecido por individualismo, que é um conceito filosófico em que a doutrina moral, económica ou política valoriza a autonomia individual na busca da liberdade e a satisfação das inclinações naturais ou pessoais. Assim, só se pode deduzir que o MECE reconhece que não há condições políticas para impulsionar uma verdadeira reforma do programa económico do Executivo e opta por eleger áreas específicas para deixar obra feita. Ou seja, a trindade impossível é realmente impetuosa!

Ora vejamos,

Quando não se assume e nem se explica objectivamente a origem do défice orçamental estimado em cerca de 37% do Orçamento Geral do Estado (OGE) 2023, conclui-se não existir um compromisso por parte do Executivo com a transparência na gestão da coisa pública. Outrossim, anunciar um conjunto de apoios financeiros a determinados segmentos do sector produtivo sem o devido enquadramento orçamental, o que revela também uma ausência de rigor e compromisso com a boa governação.

Ademais, é revelador da incapacidade ou da escassa disposição do Executivo em comprometer-se com a sustentabilidade das finanças públicas, quando põe em prática um plano de contenção da despesa através de cativações que podem superar 37% da despesa prevista no OGE 2023.

No entanto, há a possibilidade - ou, no mínimo, a esperança - de que a proposta de OGE 2024 marque o arranque de um novo ciclo, consubstanciado num programa económico totalmente reformado onde a contenção da despesa pública seja uma realidade inamovível e o apoio aos agentes económicos nos sectores produtivos com vantagens competitivas provadas seja uma realidade inadiável.

Face aos sinais dados no primeiro trimestre pelo MECE, as nossas expectativas são moderadamente cautelosas. Por exemplo, ainda não temos o OGE 2024 aprovado, mas já é antecipável que a despesa pública em transferências para o sector empresarial público vá aumentar com a entrada em funcionamento do novo Aeroporto Internacional de Luanda. De acordo com os estudos do Banco Mundial, em média os custos operacionais anuais destas infra-estruturas podem ascender até aos 10% do custo do investimento. Assim, se o novo Aeroporto custou aos cofres do Estado aproximadamente USD 5 mil milhões, podem-se estimar custos de funcionamento próximos dos USD 500 milhões por ano. Evidentemente, sobre este valor, é preciso deduzir as receitas próprias do novo Aeroporto, que seguramente não deverão ser suficientes nem mesmo para cobrir 50% deste valor, como se depreende das demonstrações financeiras da empresa pública responsável pela exploração do Aeroporto Internacional 4 de Fevereiro.

De facto, Angola carece de uma política económica onde a promoção do sector privado seja o eixo central, com o Executivo assegurando as funções clássicas de garantia do Estado social (saúde, educação e protecção social) e de regulação dos mercados. Essa nossa visão é partilhada pelo FMI que no presente mês de Setembro referia que os riscos permanecem inclinados para o lado negativo (IMF, 2023). De acordo com o FMI, o principal risco está relacionado com as potenciais fraquezas no sector petrolífero, particularmente uma queda maior do que o esperado na produção de petróleo. Uma queda mais significativa na produção do petróleo do que a que já ocorreu este ano poderá levar a impactos adversos na economia.

Vale recordar aos nossos formuladores de política económica a frase de Ronald Reagan: "A visão do Governo sobre economia pode ser resumida em frases curtas: se a coisa se move, tribute-a; se continuar a mover-se, regule-a; se ficar inerte, subsidie-a".

Economista*