A maioria cresce no meio da pobreza e desprovidos de educação adequada que os prepare para qualquer tipo de trabalho qualificado. Ainda assim, há quem pense e reclame daquilo que considera ser a sua falta de iniciativa, espírito empreendedor ou criatividade... Nos casos em que têm acesso à instrução, sabe-se que boa parte do que aprendem na escola local não servirá para os capacitar de tal forma que sejam capazes de conhecer, analisar e transformar o meio em que vivem e, consequentemente, as suas condições de vida, facto que os torna alvo fácil para a propaganda partidária, o proselitismos religioso e outros actos que visam reforçar a legitimidade de todos os que exercem poder sobre eles; há poucos livros, e os computadores são coisas inimagináveis para muitos.

Quando conseguem tal proeza, terminada a escola primária, muitos têm de partir para outras paragens, sendo que a maioria fica pela sua aldeia. Essas crianças, que não são menos angolanas que os seus concidadãos da mesma faixa etária pertencentes às famílias que vivem nos condomínios em Talatona, dificilmente terão direito à propriedade privada, poderão abrir um negócio de realce, nem terão as mesmas oportunidades de conseguir meios de vida dignos, ainda que muitos, para ganhar a vida, se dediquem informalmente a actividades económicas privadas. Eles sabem também que não terão acesso fácil a mercados formais em que possam usar as suas competências ou o dinheiro que ganharem na compra dos bens necessários ou desejados. Não têm certeza nem mesmo dos direitos humanos que lhes serão assegurados.

Os seus compatriotas da mesma idade que vivem em condomínios nas zonas privilegiadas, por sua vez, recebem uma melhor educação e encontram oportunidades que lhes permitem abraçar a vocação escolhida caso se empenhem. Os condomínios de Talatona são uma parte de Angola, onde muitas das famílias sabem que os seus jovens, caso se esforcem ou tenham as bem conhecidas facilidades e os "padrinhos na cozinha", terão grandes chances de ser vistos como empreendedores ou profissionais bem-sucedidos, ao ponto de os seus pais no futuro estarem cientes de que poderão um dia colher os frutos dos seus investimentos e esforços na educação das suas crianças. Será que o mesmo se aplica às crianças de Ombala-ya-Mungo?

Que desafios teriam de ultrapassar hoje os pais das crianças de Ombala-ya-Mungo para que amanhã, tal como as famílias de Talatona, possam sonhar em ver os seus filhos melhorar de padrão de vida e comprar carros e casas, ou obter atendimento médico de qualidade?

Não devemos observar com passividade as diferenças gritantes sobre a percepção do papel do Estado para viabilizar uma activa participação na economia nacional dos habitantes das zonas mais longínquas e os das áreas mais urbanas.

Certamente que, no entendimento da maior parte das famílias que vivem em Talatona, o Estado deve apoiar a actividade económica, tornar possível aos empreendedores contraírem empréstimos nos bancos, às empresas firmarem parcerias com as suas congéneres, aos indivíduos fazerem financiamentos para a aquisição da casa própria. Em Talatona, em geral, as pessoas tendem a sentir-se ou, pelo menos, se consideram livres para abrir qualquer negócio que queiram desde que seja legal. Em Ombala-ya-Mungo, apesar de ser no mesmo País, muitos não têm sequer essa percepção. Em Talatona, é mais fácil ter poder para contratar trabalhadores, vender produtos ou serviços e gastar dinheiro como bem se entender. Já em Ombala-Ya-Mungo, o espaço para transaccionar bens e serviços é o informal. Essas realidades distintas no mesmo País são as instituições que regem a vida de quem mora nos dois locais que as propiciam.

As instituições do Estado, quando inclusivas, devem, independentemente da área em que vivem, possibilitar a participação dos cidadãos em actividades económicas e todas as que lhes permitam fazer o uso dos seus talentos e habilidades, bem como a fazer as escolhas cívicas, políticas, culturais e religiosas que bem entenderem.

Mas, para tal, devem garantir não apenas um bom ambiente de negócios para os investidores estrangeiros e todos os cidadãos que actuam no mercado formal, mas também um sistema de justiça social e uma gama de serviços públicos de qualidade para todos, proporcionando igualdade de condições para que as pessoas que vivem em zonas como Ombala-ya-Mungo possam aceder a meios de vida mais dignos e sustentáveis e projectar um futuro em que também elas possam ter as mesmas condições que os cidadãos que habitam em zonas mais urbanas.

Coordenador OPSA*