Vivendo numa "idiocracia" em que o idiota se apresenta como o mais patriota, sendo que mais do que uma rima acaba, muitas vezes, por ser uma sina, numa autêntica sociedade "idiocrata", onde vão surgindo nos mais variados níveis "idiotas da objectividade", que jamais aceitam a pluralidade de opiniões, ideias e pensamentos por pura e objectiva idiotice, o jornalista e escritor Lago Burnett (1929-1995) completa o raciocínio do seu compatriota Nelson Rodrigues no seu livro "A língua envergonhada" (1976), quando escreve: "Nelson Rodrigues tem razão quando se insurge contra os que chama de Idiotas da Objectividade, ironizando o mecanismo e a frieza completa da imprensa de hoje, que repete o ponto de exclamação até mesmo quando se trata da exclamação feita pelo entrevistado (...). Sempre sonhei com um jornalismo claro, em que se conciliassem a objectividade e o humanismo (...). É impossível exigir que todos sejam brilhantes, mas é imprescindível que sejam correctos".

Hoje, o nosso jornalismo enfrenta uma das maiores e mais graves crises de credibilidade. A excessiva interferência de "forças e poderes externos" na linha editorial dos órgãos e no funcionamento diário das redacções é nociva, contraproducente e perniciosa. A ideia de criar um discurso único, parcial e formatado é perigoso caminho em que se pretende colocar o jornalismo. Surgem nas redacções os "Grupos da Estratégia", com a missão de restringir e controlar o jornalismo e definir agendas. Aqui os "idiotas da objectividade" surgem como têm nas suas mãos os destinos do jornalismo e dos jornalistas, promovem a censura, a manipulação e a desinformação de forma cada vez mais descarada. O jornalismo como elemento fundamental da liberdade de expressão e da afirmação da democracia vai, aos poucos, sendo colocado num "coma induzido" para apenas "despertar", e depois de Agosto... A propaganda e a imposição da agenda política vão tirando espaço ao jornalismo, e surge a manipulação de narrativas. A necessidade de se apoderarem das narrativas políticas para inundar o campo mediático de certas perspectivas parciais e tendenciosas. Desenvolvem-se métodos sofisticados de direccionamento comportamental e de opinião, há agendas impostas, temas e debates orientados e a selecção das confrarias de opinião.

Sanza Pombo, no Uíge, é um exemplo do jornalismo que julga, adjectiva, condena e manipula. Um jornalismo com falta de abertura ao contraditório, um jornalismo que perante o escrutínio da sociedade perde credibilidade e autoridade. Um jornalismo que não se impõe (porque não pode) e que aceita fazer parte de encenações com classificação de "tragicomédia". É o jornalismo a ficar do lado errado da história, porque deixou de fazer o seu papel, deixou de estar ao serviço do interesse público e da nobre missão de informar para servir agendas políticas. Perante cenários aparentes de intolerância política, o jornalismo surge mais como "incendiário" do que "bombeiro", vão surgindo verdadeiras réplicas da rádio Mil Colinas do conflito do Rwanda sem se fazer uma reflexão das memórias deste triste passado no nosso continente e como certa comunicação social esteve do lado errado da história. É humilhante, é desprestigiante o papel em que se está a colocar a classe. Fala-se com os jornalistas e confessam que não concordam com o "guião" apresentado, mas que não lhes resta outra hipótese que não a de seguir as orientações superiormente dimanadas. Lidam com a maior crise de identidade em toda a sua carreira, vivem num verdadeiro e permanente sofrimento ético. Enfrentam o dilema da objetividade (ou da falta dela). Urge a necessidade de um pacto para o jornalismo, urge a necessidade de pensar que jornalismo temos e queremos. Urge a necessidade de questionar se queremos, realmente, ter jornalismo em Angola. É o perigoso e pernicioso primado dos "idiotas da objectividade".

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