O economista João Shang, num artigo publicado no site do (https://www.cedesa.pt/2024/10/29/cambio-flutuante-e-grande-erro-em-angola/ ) Centro de Estudos para o Desenvolvimento Económico e Social de África (CEDESA), retomado pelo site de notícias Angola24horas, escreveu que a taxa de câmbio flutuante praticada em Angola é um erro e devia ser cancelada. Certo. Também concordo que uma taxa de câmbio flutuante, para uma economia mono-exportadora e multi-importadora de produtos e serviços básicos, arrisca-se a induzir imensa instabilidade e pressão nos preços (inflação). É o que temos assistido!

Entretanto, sugerir o seu cancelamento imediato, porque não evitou que os riscos de crimes de branqueamento de capitais fossem evitados, e, assim, o País voltasse para a lista cinzenta do Grupo de Acompanhamento Financeiro Internacional (GAFI), sem a indicação de um modelo alternativo, não me pareceu convincente e prudente. Em contrapartida, achei pertinente a sugestão apresentada no programa televisivo, Directo ao Ponto da TV Zimbo, na edição de Sábado, 02 de Novembro do ano em curso, sugerindo o recurso ao modelo de determinação da taxa de câmbio Gamma Gabaix, seguindo o exemplo dos estudos realizados pelo Banco da Inglaterra (BoE), que conduziram ao estabelecimento de um modelo econométrico para a determinação da taxa de câmbio. Entretanto, em meu entender, os problemas cambiais de Angola não estão ainda na escolha de modelos econométricos que ajudem a determinar o regime mais assertivo para a sua realidade e contexto. Creio que as determinantes da procura e oferta da moeda estrangeira acabam por detonar qualquer regime cambial. Vejamos a seguir as desvantagens e as vantagens de cada um destes regimes.

O regime de taxas fixas predominou durante a vigência da primeira República e até muito recentemente. Vem de taxas de um dólar americano (1USD) nas transacções formais, no momento da troca da moeda, equivalia a AOA: 30.214,00 à última que foi de um dólar americano a AOA: 165,00. A taxa de câmbio fixa induziu a ilusão de prosperidade. Tenho dito que a grande diferença entre este período e o momento actual é que éramos pobres, mas não sabíamos! Hoje, ninguém tem dúvidas que somos pobres. Somos, sim, um país potencialmente rico. A taxa de câmbio fixa alimentou o tráfico de influência das classes dominantes, alimentou a emergência do mercado informal, quer de moeda estrangeira, como de mercadorias, pois os privilegiados compravam um bem a taxa de câmbio fixa, vendiam no mercado paralelo, fazendo a conversão na base da taxa de câmbio do mercado informal, ou levavam dos circuitos formais de moeda estrangeira para o mercado informal. Para além de reduzir as reservas internacionais líquidas (RIL), em situação de limitados influxos de divisas, face ao declínio das exportações. Adicionalmente, a taxa de câmbio fixa alimentou o tráfico de moeda estrangeira em contramão com as prescrições das regras do combate ao branqueamento de capitais. Manteve uma ilusão de estabilidade de preços nos mercados formais, que, tinha uma limitada oferta de produtos. Por conseguinte, a taxa de câmbio fixa é, na verdade, uma má memória para o País, aliás, é uma das culpadas do marasmo cambial em que se encontra o País.

O regime da taxa de câmbio flutuante por bandas, determinado nos leilões de moeda estrangeira, divulgado oficialmente no dia 04/01/2018, pelo Banco Nacional de Angola (BNA), teve o mérito de ter acabado com a taxa de câmbio fixa ou administrativa. Porém, manteve os vícios do regime cambial de fixação administrativa. Porquanto, estava assente no estabelecimento de prioridades, o que privilegiava as pessoas com ligações aos decisores. Resultou na deformação da alocação dos recursos cambiais, favorecendo os interesses dos que detinham o poder de decisão, que, na maior parte das vezes, as decisões não eram coincidentes com as linhas de orientação estratégicas nacionais. Entretanto, foi o primeiro sinal do despertar para uma realidade de desequilíbrio entre as necessidades cambiais e a diminuta capacidade que o País tinha para satisfazer essas necessidades. O regime de leilões tentou o estabelecimento de prioridades, incluindo a fixação de cotas para importação de determinados bens.

Seguiu-se então o regime de taxa de câmbio flutuante, ou seja, a taxa de câmbio livremente determinada pelas forças da oferta e da procura, que, para a realidade angolana, em que a procura da moeda estrangeira é substancialmente maior que a oferta, tende a induzir uma enorme instabilidade nos preços. Entretanto, como encarece as importações, assistimos a uma inversão de preferências, as empresas que favoreciam a importação, particularmente de produtos da cesta básica, passaram a criar as condições necessárias para os produzir localmente. Assim, é que se verifica um aumento da produção com a agregação de factores de produção local (mesmo que inicialmente a agregação seja mínima). Vê-se que no caso dos produtos agrícolas, onde o escoamento de produtos era o maior problema, se verifica um aumento da procura de alguns destes produtos, o exemplo do milho e o feijão. Porquanto, a importação foi dificultada ou condicionada à consulta aos produtores locais, pelo Programa de Apoio à Produção, Diversificação das Exportações e Substituição das Importações (PRODESI). A taxa de câmbio flutuante, de facto, reduziu substancialmente o apetite, quer das famílias, quer das empresas, na procura de moeda estrangeira, porque ficou substancialmente mais caro importar, relativamente a moeda nacional. Portanto, é uma pena que não haja produção que proporcionaria enormes ganhos às exportações. Tem, de facto, o inconveniente, já referido, da indução de instabilidade nos preços, por ainda o País depender extremamente de importações, mesmo de insumos para agricultura (sementes, fertilizantes, pesticidas, fungicidas, etc.) e matérias-primas para a indústria, que acabam por transferir as variações cambiais aos custos. O câmbio flutuante limita as acções tendentes ao financiamento ao terrorismo e branqueamento de capitais, pese o facto, de as evidências para realidade angolana indicarem, que não evitou a sua incidência, assim é que Angola voltou à lista cinzenta do GAFI. Igualmente, tem a grande vantagem de tratar todos os agentes económicos da mesma forma. As falhas e imperfeições do mercado cambial devem ser controladas pelo regulador do mercado cambial, no caso, o Banco Nacional de Angola (BNA).

A moeda é uma mercadoria como qualquer outra, o seu preço é determinado pelos mecanismos de mercado (procura e oferta). Quanto maior for a procura, a tendência do preço é subir, ou seja, quanto mais procuramos a moeda estrangeira para satisfazer as necessidades que o Kwanza não consegue satisfazer, o preço tenderá a subir. No período áureo da economia nacional, em que os petrodólares conseguiam satisfazer a sempre excessiva procura das cambiais, não se ouviu tanto barulho. Porque as necessidades cambiais eram satisfeitas pelos operadores cambiais. O barulho subiu de tom quando os petrodólares começaram a escassear. O problema é que as cambiais são necessárias para satisfazer as múltiplas necessidades básicas, como alimentação (importação de fuba, farinha de trigo, arroz, feijão, açúcar, óleo, etc.), as transferências para as pessoas em formação no estrangeiro, ou com problemas de saúde, aquisição de insumos para agricultura e as matérias-primas, são todas feitas com recurso às cambiais.

Então, qual seria o regime cambial ideal para a realidade angolana? Na minha óptica, pelo que atrás referi, prefiro viver na real, em vez da ilusão da prosperidade, que é a penas potencial. Sou a favor de se continuar a apoiar o relançamento da produção nacional, para que a moeda estrangeira seja usada para adquirir bens de capital com a utilização intensiva de tecnologia, de que não dispomos de capacidade da sua produção local. Quanto aos produtores de bens de consumo massivo, obrigava a compromissos de, num período curto, substituir a importação de insumos e matérias-primas, por produção local, na base da estratégia de integração invertida (backword integration), muito em voga na Nigéria. Portanto, não sou a favor da taxa de câmbio fixa. Favoreço a taxa de câmbio mista (flutuante e a banda), sendo, por isso, flexível, no sentido de que os equipamentos e a aquisição de tecnologia conducentes ao aumento da produção nacional teriam um tratamento diferenciado, enquanto todos os outros seriam na base da taxa de câmbio flutuante. Para além de que é o regime do mercado informal, que sempre ditou e dita as regras do mercado cambial. Isso de viver na ilusão não estimula a procura de solução para reverter o quadro prevalecente!
* Economista