A sessão da Comissão Económica do Conselho de Ministros, realizada no dia 15 de Novembro de 2024, sob orientação do Presidente João Lourenço, apreciou e aprovou o Relatório de Execução do Orçamento Geral do Estado do ano 2024 (OGE 2024) referente ao III trimestre. De acordo com o comunicado de imprensa do Conselho de Ministros, a economia nacional manteve a trajectória de crescimento, registando uma taxa de 4,1%, resultado superior ao observado no ano anterior. No âmbito da execução orçamental, foram arrecadadas receitas no valor de 4,33 biliões de kwanzas e realizadas despesas no valor de 4,70 biliões de kwanzas, o que gerou um défice na ordem dos 369,52 mil milhões de kwanzas. As despesas correntes perfizeram cerca de Kz 2,51 biliões, representando cerca de 21% do total executado, enquanto as despesas de capital ascenderam a Kz 2,19 biliões, representando cerca de 17% do total executado no período.
De facto, nada traduz melhor a essência do Relatório aprovado pela Comissão Económica do que o que foi dito no referido comunicado de imprensa. É praticamente um espelho perfeito da realidade - só que do avesso, com cada detalhe cuidadosamente deturpado para garantir que a verdade fique o mais distante possível.
Ora vejamos,
Para uma análise mais rigorosa da sustentabilidade das finanças públicas, apresentamos um mapa de entradas e saídas referente à execução do OGE 2024 até ao III trimestre de 2024, decomposto por receitas e despesas do Estado, em moeda nacional e estrangeira, uma vez que uma parte significativa do OGE é executado em dólares americanos. Até ao final do III trimestre, foram arrecadadas receitas no valor de 12,5 biliões de kwanzas e realizadas despesas no valor de 14,7 biliões de kwanzas, tendo sido registado um défice de tesouraria na ordem dos 2,25 biliões kwanzas, equivalente a 2,3 mil milhões de dólares americanos.
As entradas em moeda estrangeira, predominantemente receita petrolífera e diamantífera, foram de 7,13 biliões de kwanzas, enquanto as despesas em moeda estrangeira, predominantemente serviço da dívida externa, foram de 3,98 biliões de kwanzas, o que permitiu libertar 3,15 biliões de kwanzas, equivalentes a 3,68 mil milhões de dólares americanos, para financiar as outras despesas do OGE através da oferta de divisas no mercado cambial, que ainda assim não evitou nova depreciação da moeda nacional no período. No entanto, o comportamento das entradas em moeda nacional - receita de impostos não-petrolíferos e a captação de financiamento interno - ficaram muito aquém das projecções anedóticas da Equipa Económica (EE) no OGE 2024. As entradas em moeda nacional fixaram-se em 5,34 biliões de kwanzas, enquanto as despesas foram de 10,75 biliões de kwanzas, o que significou um défice de tesouraria de 5,4 biliões de kwanzas, equivalente a 6,32 mil milhões de dólares americanos. Ou seja, os proveitos provenientes do bom desempenho tributário no sector petrolífero e diamantífero (89,4% face ao previsto no OGE) não foram suficientes para cobrir a paupérrima execução da tributação não-petrolífera (58,4%) e da fraca mobilização de financiamento interno através da emissão de bilhetes e obrigações do tesouro nacional (37,4%). No nosso artigo de opinião de 29 de Novembro de 2023, alertámos para esses riscos e questionámos a sustentabilidade do OGE 2024. Transcorridos três trimestres, eis que a verdade, como azeite na água, sobe à tona - e o espectáculo do desastre fiscal é impossível de ignorar.
O iluminado optimismo da EE, como sempre, brilhou intensamente na sua visão singularmente equivocada do crescimento do sector não-petrolífero e na sua fé quase religiosa de que os bancos comerciais continuariam alegremente a comprar Títulos do Tesouro, ignorando completamente dois pequenos detalhes: i) risco de incumprimento do Estado e ii) liquidez estrutural do sistema financeiro nacional. Como canta Bob Dylan, numa das suas músicas mais icónicas, "não precisa ser nenhum mestre em meteorologia para perceber para onde o vento está a soprar", mas, aparentemente, há quem consiga perder-se até com uma ventania na cara e uma bússola na mão.
A realidade é que o desempenho do sector petrolífero e diamantífero superou as previsões do OGE 2024, permitindo ao Tesouro gerar uma poupança líquida de 3,68 mil milhões de dólares depois de honrar os compromissos com a dívida externa. Contudo, essa aparente folga foi rapidamente engolida pelo expressivo défice de tesouraria na execução da arrecadação de receitas em moeda nacional. Depois de descontar toda a despesa em moeda nacional, o Tesouro apresentou um défice de tesouraria de 6,32 mil milhões de dólares, resultando num gap de financiamento líquido à tesouraria de 2,63 mil milhões de dólares. Chegados aqui, a EE deve esclarecer como financiou este défice: i) recorreu a reservas internacionais líquidas do Banco Nacional de Angola ou aos fundos petrolíferos, ou ii) acumulou atrasados junto dos fornecedores?
A EE parece competir consigo própria no campeonato das incongruências, atingindo o apogeu do descalabro ao analisar as despesas executadas até ao final do III trimestre de 2024. Salvo a execução dos salários (75,6%), todas as rubricas falharam espectacularmente, num espetáculo que beira o absurdo e contradiz descaradamente o Programa de Governação do MPLA validado nas eleições de 2022. A educação e saúde? Esquecidas com 56,8%. Os bens e serviços que garantem o bom funcionamento das instituições do Estado? Arrastando-se com 56,8%. Subsídios e transferências? Um avaro 42,6%. No entanto, o sector da defesa e segurança, como se estivéssemos perante uma emergência nacional, queimam 104,6% do orçamento previsto para o ano - será que nos juntamos à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN)? Qual é o racional, meus camaradas? A pirâmide das prioridades do Executivo não está apenas invertida - está de ponta-cabeça, enquanto o descontentamento social explode. Urge mudar os métodos de previsão da EE antes que a realidade a enterre de vez. Pasme-se!
O Executivo do Presidente João Lourenço precisa urgentemente inverter o actual cenário da condução da política económica, mas a realidade impõe severas restrições. A sustentabilidade das finanças públicas é o alicerce da estabilidade macro-económica, condição indispensável para o sucesso dos programas de relançamento do sector produtivo, fundamental para aumentar a produção interna e reduzir a sufocante taxa de desemprego. Para alcançar esse objectivo é crucial uma EE capaz de confrontar a realidade sem rodeios e apresentar ao Titular do Poder Executivo um conjunto de medidas que promovam, de forma irreversível, a reestruturação da dívida pública e garantam a adesão rigorosa ao regime cambial do sector petrolífero. Qualquer alternativa que não passe por essas acções estruturantes será, em nosso entendimento, uma mera medida paliativa e insustentável, cujos resultados inevitavelmente culminarão em desilusão e frustração tanto para as famílias quanto para as empresas.
Vale a pena recordar as palavras de Martin Luther King Jr., recentemente, proferidas pela candidata democrática às eleições presidenciais dos Estados Unidos da América, Kamala Harris, que afirmou: "Só quando estiver suficientemente escuro é que podes ver as estrelas." Essa frase nos lembra que, nos momentos de maior adversidade, são reveladas as maiores fontes de luz e inspiração. A "escuridão" simboliza a crise e os desafios que enfrentamos, enquanto as "estrelas" representam as oportunidades e os aprendizados que surgem quando conseguimos ver para além dos obstáculos. A nossa mensagem é clara: mesmo nas situações mais difíceis, sempre há algo positivo a ser descoberto. A esperança nasce da capacidade de encontrar força nos momentos sombrios, lembrando-nos de que, após a noite mais escura, a luz sempre surge.
*Professor Auxiliar de Economia e Investigador
Business and Economic School - ISG
Bibliografia
Ministério das Finanças de Angola, Relatório de Execução o Trimestral do Orçamento Geral do Estado: III Trimestre de 2024, Novembro, 2024.
Standard Bank Angola: Africa Flash Note Novembro 2024.