Muito dificilmente era pensável que, quando ocorreu a queda do mundo bipolar, há escassos 34 anos, por implosão da ex-URSS, a China se viesse a converter na segunda maior potência mundial em tão curto espaço de tempo, mas essa é a realidade.
O facto de o aumento das despesas militares vir a crescer significativamente de há oito anos a esta parte, fixando-se em 7,2% este ano, numa ordem de grandeza equivalente à dos EUA. e superior à previsão do crescimento do PIB em 5%, como foi deliberado no XIV Congresso, é disso testemunho.
Parte da percentagem orçamental para o aumento das despesas militares destina-se a "gastos militares em todo o mundo", como referido pelo primeiro-ministro Li Keqiang, que será substituído por Li Qiang, secretário do PCC em Xangai, sendo também ratificado para um terceiro mandato o Presidente Xi Jinping.
Não posso deixar, a propósito, de sublinhar que a intenção da China de diligenciar promover uma solução de paz para a guerra na Ucrânia tem subjacente, entre outros princípios, o do respeito da integridade territorial dessa e em consequência das normas das Nações Unidas, princípio que, por razões óbvias, África deverá ter presente, neste particular por defesa própria.
A multilateralidade nas relações internacionais nos dias de hoje, a caminho de uma nova realidade geoestratégica, tem conduzido as instituições angolanas - e, a meu ver, muito bem - a não hipotecar o país a qualquer dependência, como ocorreu no mundo bipolar com as graves consequências conhecidas.
Esta postura conduziu o Presidente João Lourenço, numa entrevista recente à Euronews, a sustentar o relacionamento de África com a Europa num novo enquadramento da nova ordem económica internacional em gestação.
A recente visita de Estado dos reis de Espanha a Angola, há três semanas, insere-se seguramente nessa perspectiva, resultando dela a outorga de três memorandos de entendimento, tal como a mais recente do Presidente Macron a Luanda, que possibilitou a assinatura de quatro importantes acordos, dois deles em áreas relevantes para a diversificação da economia do País.
Como é sabido, estas visitas foram precedidas da estada em Luanda do ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Lavrov, e da deslocarão do Presidente João Lourenço, no final do ano 2022, aos EUA, à Cimeira EUA/África, bem como a deslocação a Brasília, na tomada de posse do Presidente Lula.
Esta última deslocação ao Brasil tem também importante significado por envolver um país de língua portuguesa, da CPLP, numa altura em que, como já referi, o Brasil está de volta à comunidade internacional.
A importância da CPLP, cujos povos e países se dispersam pelos vários continentes, não é nada negligenciável neste mundo multipolar.
O peso dos interesses políticos, diplomáticos, económicos e afectivos, a língua comum, a integração em espaços económicos diversificados, o peso da cultura própria e comum, bem como a fronteira do mar que a todos banha, são uma âncora importante e uma mola amortecedora contra interesses poderosos dos que têm hegemonia no mundo actual.

Segundo observo e como se vê, Angola tem sabido navegar na política externa, procurando um rumo certo, sem dependências e sem hipotecar os seus interesses.

*Secretário-geral da UCCLA