Com novos actores em cena, trilhando caminhos diferentes, MPLA e UNITA iniciam agora o ano com a disputa, porventura, da mais longa e apertada corrida de fundo eleitoral em Angola, para ver quem, em Agosto próximo, ocupará a maioria das cadeiras do Parlamento.

Se o MPLA persegue a manutenção do poder fazendo gala da sua experiência para se impor como a "única solução" governativa para Angola, já a UNITA, hasteando a bandeira da mudança, ambiciona a sua conquista pela primeira vez, para se impor como o "único remédio" com eficácia suficiente para curar as suas graves maleitas.

No primeiro caso, do que não precisamos é da reprodução apressada, em novos moldes, de velhos slogans por parte de quem, dando aos cidadãos menos do que pode e deve, já não consegue esconder o desgaste político provocado por sucessivos anos de poder.

Do que não precisamos é de ter no poder um partido cuja elite insiste em ter os bolsos abarrotados com gordurosas e encardidas remessas de "colarinhos brancos".
Do que não precisamos é de ter um partido no poder cuja elite - revelando possuir uma patológica propensão para cultivar relações promíscuas com o erário público e abraçando a indecência e a imoralidade - só se consegue distinguir pela sua perícia na arte de fazer "contas de subtrair e de fazer sumir" os cofres do Estado.

Do que não precisamos é de ter um partido de poder que não está a dar conta de que "avança recuando", quando os seus dirigentes aceitam glorificar uma democracia interna que os transforma em "soldados de chumbo" com a boca entupida de silêncio.

Mas, no segundo caso, do que não precisamos também é do relançamento permanente e da recauchutagem acelerada de coligações que, mergulhadas em guerras de lugares, correm o risco de surgirem com a língua de fora antes do fim da corrida.

Com mais exposição pública do que peso eleitoral, num dos extremos, temos, à deriva, uma "Banda Desenhada" cujo líder tenta, a todo o custo, não perder, de novo, o último comboio.
Acontece, porém, que dispondo de uma valorização eleitoral igual a zero ou perto disso, a maioria dos eleitores não conhece o nome das criaturas desta tertúlia política que não consegue sequer reunir energia para ajudar a empurrar uma trotinete.

No outro extremo, tendo mais olhos do que barriga, num derradeiro fôlego, tenta sobressair quem só já sonha em instalar e apoderar-se em Agosto de uma futura coo-presidência da República.
Com a verdade propagandística muito distante da verdade material, o líder desta freguesia, por sinal de inexistência legal, não deveria, "Para Já", envolver-se em passos mal avisados.
Um e outro deveriam perceber que estão a ferir os sentimentos e a estratégia de quem faz o favor de os segurar por um cabide. Com egos inchados, vão acabar por antecipar o encerramento da sua posta restante...

Do que precisamos não é, portanto, de uma folclórica e cosmética alternância de poder, nem de acreditar que está tudo bem, mas, de uma verdadeira alternativa ao actual modelo de governação.
Do que precisamos é de nos libertarmos da partidocracia e de inserir a gestão da "coisa" pública num modelo de governação onde impere o primado da cidadania e da competência sobre a militância política e o compadrio.

Do que precisamos é de adaptar à nossa realidade modelos económicos mais justos como o modelo capitalista implantado na China, onde, como proclamou Deng Xiao Ping, se "uns têm que enriquecer primeiro", não enriquecerão, porém, sozinhos porque "todos têm direito ao seu quinhão".
Do que precisamos é de evitar que se continue a exercer o poder político de forma centralizadora sob pena da descrença se avolumar na mesma proporção que começam a ser erguidos novos muros e a surgir novos medos.

Do que precisamos é de ter a noção de que, ao deixarmos encarcerar a separação dos poderes entre a justiça e a política, tendemos a contribuir para a aceleração do enfraquecimento dos valores democráticos.
Do que precisamos é de deixar de sermos os cobardes que somos, assistindo, indiferentes, ao congelamento da diversidade de sensibilidades, à infantilização do espaço público, ao estrangulamento do poder da palavra e ao triunfo do império da língua presa.

Mas, como se pode soltar a língua, galgar os muros e derrubar os medos, se, lá dentro, antes de alguns abrirem a boca, outros sentem-se obrigados a pensar o que será do seu emprego e do futuro dos filhos se tecerem determinado tipo de críticas a quem tem poderes para decidir sobre o seu destino?
Como não aceitar o arrebanhamento da tribo se, sobrevivendo na escuridão de um silêncio tumular que vem de longe, afinal, não só continuamos submersos num sistema intelectualmente viciado pelo pensamento único, como esse mesmo sistema, não esconde ressentimentos que se vê estarem apenas adormecidos?

Só há um caminho a seguir: virar a mesa ao contrário com um verdadeiro "Toque de Midas". Com esse "Toque de Midas" o que precisamos é de desembrutecer os intelectuais e de dar aos agentes portadores de massa crítica espaço para a libertação do seu pensamento em voz alta.

Do que precisamos é de libertar as nossas actuais lideranças políticas de uma visão muito limitada do poder e do mundo das saias curtas que as rodeia.

Do que precisamos é de não perder a noção de que, como nos legou o velho Karl Popper, filósofo e pensador austríaco, "a possibilidade de lutar com palavras, em vez de lutar com armas, constitui o fundamento da nossa civilização."

Do que precisamos é de construir uma "sociedade aberta" onde, livres de vários muros e medos - reais uns, artificiais outros - "a dignidade" possa "dar sentido às nossas escolhas" e manter permanentemente viva a nossa ligação a um dos elementos fundamentais do regime democrático: a justiça social.

Do que precisamos é de entender que, apoiados num pensamento liberal e na liberdade intelectual, "a sociedade aberta", segundo ainda Popper, "é aquela em que os cidadãos aprendem a ser (...) críticos e a basear as suas lições na autoridade da sua própria inteligência".

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