E ao ter-me oposto à inexistência de valor jornalístico para o líder do maior partido da oposição ser merecedor da "Grande Entrevista" na TPA, conforme douta tese do seu director de conteúdos, em certos meios instalou-se também a ideia de que estava "a fazer o jogo do inimigo".

A mesma cantilena mirabolante tem sido sustentada também pela oposição sempre que um jornalista reconhece aspectos positivos da governação.

Quem o faça movido unicamente por dever de ofício - e não por qualquer conveniência política ou ideológica - para a oposição não deixa de estar sempre "a fazer o jogo do regime".

Comportando-se como se comportam alguns círculos afectos aos nossos dois maiores partidos políticos, sempre que o jornalismo se pauta pela isenção, de ambos os lados, temos sido confrontados com reacções mais ou menos desta natureza.

Em ambos os casos quem conheça o "chip" de um e de outro, facilmente compreenderá, no entanto, que não estamos senão perante dois irmãos que, desavindos na luta pela conquista do poder, na avaliação do papel dos jornalistas, tendem, porém, a apresentar-se como siameses.

Em ambos os casos não estamos senão perante uma hilariante tentativa de fazer prevalecer a ditadura do maniqueísmo: "Quem não está comigo, está com o meu inimigo". Para os arautos desta "ditadura", no nosso pequeno mundo só existem o MPLA e a UNITA e, por isso, é como se nesse mundo, não haja mais vida sem o MPLA ou sem a UNITA.

Para os defensores desta visão bipolar, quem não aceita ajoelhar-se aos pés do MPLA é porque, vendido à oposição, anda necessariamente a arrear-se à UNITA.

E quem teça elogios a alguns domínios da governação de João Lourenço, comprado pelo regime, está a promover o culto de personalidade em torno do líder do MPLA.

Nada mais falso. O que não é preto, mesmo em política, não tem necessariamente que ser branco. Às vezes nem cinzento é.

Por isso, compreendo que, neste domínio, estejamos ainda cercados por muitos políticos de circunstância dominados por espantosas alucinações. E que, na mesma proporção, estejamos também rodeados por muitos jornalistas de circunstância teleguiados pelo servilismo.

Acontece que papagueando uma mensagem recheada de promessas vãs e de mentiras, os políticos de circunstância rapidamente se convertem em produtos descartáveis para a opinião pública.

E escrevendo ou comentando de acordo com as conveniências de cada momento, os jornalistas de circunstância rapidamente também perdem crédito e nem sequer chegam ao nível dos palhaços.

Porquê? Porque, como diz o meu amigo António Vieira, os palhaços vendem o seu profissionalismo, enquanto que os jornalistas de circunstância não passam de anedotas de mau gosto...

Por isso é que um país grande como é Angola, mas que está ainda muito longe de ser um grande país, não pode continuar a viver sob o signo de uma só verdade.

Um país que aspira a ser grande como Angola aspira, não pode continuar a ser dominado por gente com mente pequenina. Porquê?

Porque para essa gente, cega pelo poder, jornalista que reconheça avanços nalguns domínios da governação, não passa de um membro do regimento de bajuladores de João Lourenço. Mas, em sentido oposto, jornalista que destape retrocessos noutros domínios, já faz parte da brigada de apoio ao antigo ciclo de governação.

Não surpreende por isso que, dominados pela miopia política, políticos de circunstâncias de mãos dadas com jornalistas de circunstância não consigam deixar de ver tanto o antigo Presidente de Angola como o actual líder da UNITA como simples actores políticos.

Não consigam ver que nem José Eduardo dos Santos constitui uma paixão para os jornalistas, nem Adalberto Costa Júnior representa um inimigo para os jornalistas.

Uma figura reservada, nada empolgante e sem um passado de grandes rasgos oratórios como sempre foi José Eduardo dos Santos, nunca poderia ser apaixonante para os jornalistas.

Uma figura que se apresenta avessa à beligerância encarnada no passado por Salupeto Pena ou Jorge Valentim e prolongada no presente por Kamalata Numa como tem sido a postura de Adalberto Costa Júnior, também nunca poderia configurar um inimigo para os jornalistas.

E nem um nem outro podem ser vistos neste prisma porquê?

Porque o jornalismo não é feito para estar contra ou a favor deste ou daquele partido ou deste ou daquele político. O jornalismo, em democracia, não é feito para silenciar quem pensa de modo diferente de nós. O jornalismo é feito para relatar factos, bons ou ruins, que, em vários domínios, marcam a vida de uma sociedade.

Mas, não é ainda assim que, por aqui, o jornalismo é visto. Aos oficiais deste ofício é avisado, porém, saberem que não é por não sentirem simpatia por um determinado partido ou por não gostarem do feitio de um determinado político, que não se lhes deve dar espaço.

É avisado saberem ainda que se, em muitos casos, a sua fonte de alimentação pode oscilar entre os partidos e os políticos, a sua fonte de existência será sempre a opinião pública. É pelos e para os ouvintes, os leitores e os telespectadores que os jornalistas existem.

Sendo a opinião pública a principal razão de ser da existência do jornalismo, atribuí, por isso, valor noticioso àqueles dois factos, por entender que só "a informação livre, as notícias livremente elaborados, a favor ou contra", permitem "à maioria formar uma opinião mais próxima da realidade".

Fi-lo porque entendo ter chegado a hora do MPLA - enquanto partido governante de Angola - pacificar internamente os espíritos, sarar feridas, enterrar as mágoas e deixar de se fixar no retrovisor.

Fi-lo porque entendo que, a um ano do próximo sufrágio, a unidade sem unanimismo no seio da chamada "Grande Família" representa um bálsamo de frescura mais importante do que os interesses das alas divisionistas que estão a contribuir para o enfraquecimento da sua vitalidade política.

Fi-lo porque entendo que, em democracia, o líder da oposição, seja ele quem for, deve ser visto sempre como um adversário político e nunca como um inimigo.

Fi-lo porque no interesse maior de Angola entendo que na base da sensatez, do bom senso e de cedências mútuas, sem abdicar de determinados princípios, tudo pode ser negociado.

Fi-lo porque entendo que, em política, as cedências e o reconhecimento dos erros longe de configurarem uma manifestação de fraqueza ou um sinal de rendição, muitas vezes representam uma expressão de grandeza.

Fi-lo porque recuso confundir aqueles que advogam a adopção de uma nova arquitectura técnica no combate à corrupção e o fim da tentação para o justicialismo político com cúmplices daqueles que, no passado, delapidaram os recursos do país.

Fi-lo porque não me sinto traído pela desmaterialização da memória nem vergado ao esquecimento de um tempo que parece pretender implantar por aqui - com o devido respeito pelos pacientes - uma espécie de Angola Alzheimer SA.

Fi-lo porque tenho a memória viva para não me esquecer que o PRI no México esteve 99 anos no poder até ao dia em que, fartos de promessas não cumpridas e da ineficácia das políticas públicas, os eleitores decidiram desligar o ventilador...

Fi-lo porque tendo tecido no passado duras críticas a muitos aspectos da governação de José Eduardo dos Santos, não deixo de reconhecer o seu papel chave em momentos cruciais da nossa História.

Fi-lo porque apesar de reconhecer que foi um político manipulador na gestão da separação de poderes, avesso à promoção de uma sociedade mais livre e mais igual e propenso às delícias da maionese da corrupção, não chego, porém, ao ponto de o embalsamar vivo, fingindo que, para o bem ou para o mal, não faz parte da História deste país.

Fi-lo porque não posso perder de vista que muitos daqueles que estão no poder e que agora lhe viram as costas, a ele devem a sua prosperidade e até a fortuna que acumularam de forma ostensivamente pornográfica.

Fi-lo porque muitos daqueles que, na montra, hasteiam a bandeira da luta contra a corrupção, no armazém surgem como os novos corruptos travestidos de agentes de uma nova (i)moralidade.

Fi-lo porque entendo que, quanto mais forte e arejada for a oposição e mais interventiva for a sociedade civil, mais saudável será a disputa eleitoral, mais exigentes serão os desafios de quem governa e mais facilmente os cidadãos serão determinantes no aprofundamento da democracia e no estabelecimento de maiores equilíbrios de poder.

Fi-lo porque entendo que seria desastroso ver Angola continuar a derrapar sobre amanhãs manchados por permanentes ajustes de contas, que tendem sempre a adiar a construção de um país que seja pertença de todos - daqueles que no passado cometeram erros de governação, daqueles que estão hoje no poder, daqueles que estão na oposição ou ainda daqueles que, primando pela abstenção e pelo protesto, não se revêm nos partidos políticos.

Fi-lo porque não tendo o país políticos visionários, entendo que é hora de apostarmos na formação de "think-tanks" constituídos por cérebros de vários quadrantes que, de forma despartidarizada, sejam capazes de ajudar a reformular o nosso pensamento político advogando uma nova visão sobre a governação e a melhor forma de organizarmos a sociedade.

Fi-lo porque me preocupa que após quatro anos de uma transição embaciada, ainda não tenhamos dado conta de que para a estabilidade do nosso país, é desejável que, respeitando as diferenças de cada um, inauguremos finalmente um ciclo de convivência democrática pacífica e civilizada entre antigos e novos Presidentes, sejam do mesmo partido, sejam de partidos diferentes.

Fi-lo em nome de uma entidade - Angola - que é mais importante e poderosa do que todos os partidos e políticos juntos!