Com o regresso ao País, na semana passada, de José Eduardo dos Santos, acrescentei que o lançamento neste momento de "pontes" no seio do MPLA poderia contribuir para "sarar velhas feridas e reforçar o cimento da sua unidade interna" e para afastar os fantasmas do passado que, no presente, insistem em ensombrar a governação de Angola.

Acomodado o antigo Presidente na sua residência no Bairro Miramar, o meu amigo Amável Fernandes não tardou a augurar: "... espero que se entendam definitivamente sobre a portagem".

Mas, logo a seguir, com um olhar céptico e a alma vazia, um outro amigo interrogava:

"Como acreditar que venha a haver pactos - como o Fernando Pacheco tanto tem sugerido - ou a ser construídas pontes sem que os potenciais pactantes e/ou construtores - os partidos políticos - sejam capazes de inserir esse gesto na visão que não mostram ter do país?"

Buca Boavida, o autor da pergunta, diante do repto que eu lançara aqui na semana passada - "estender pontes" -, de modo categórico, asseverava ainda que "só constróis uma ponte para seguir caminho (com os outros) se tens uma ideia (para todos), de para onde se quer ir, onde se quer chegar"...

Já o Fernando Pereira, com certa razão, não deixava também de lançar a sua farpa: "Quantos muros foram construídos depois da queda do Muro de Berlim"?

Disparado no mesmo dia em que, ao cair da tarde aterrava em Luanda José Eduardo dos Santos, ninguém imaginaria que, ao mesmo tempo que o Fernando fazia este reparo, afinal, estava já a ser congeminada a construção de novos "muros" e a destruição de novas "pontes"...

O torpedo atingiu a "caixa que mudou o mundo" e o seu disparo teve o efeito de um violento soco no estômago da liberdade de imprensa.

Primeiro foi a "intifada" projectada por alguns sectores extremistas da UNITA. De cabeça perdida e sem açoite, a "armada" acabou por despejar a sua ira irracional sobre jornalistas da TPA e da TV Zimbo.

Destapando parte da insalubridade política que tomou conta de algumas hostes das nossas agremiações partidárias, a sanha raivosa sujeitou-se à condenação geral da sociedade.

Depois, a outra parte da insalubridade veio integrada numa fábrica de um novo e estranho modelo de jornalismo e entrou-nos pela porta de casa adentro enrolada na ponta da língua de um "CEO" que, ao pretender escapar ileso por entre os pingos da chuva, acabou por sair completamente encharcado.

Desde que fora nomeado para tão distinta função, o homem esteve sempre recolhido ao silêncio e dele nunca havia saído até que, na semana passada, decidiu mostrar quem manda na TPA!

E "em nome da pluralidade informativa", decidiu exibir o seu "orgulho independentista" por ter podido finalmente dar a conhecer à Nação que, afinal, se rege por "critérios de independência editorial", os quais, ao contrário do que "a má língua" anda a propalar, não dependem de "ordens superiores" de ninguém...

Amante da proibição, assumiu publicamente a inutilidade jornalística de a TPA convidar o líder do maior partido na oposição para "A Grande Entrevista", por não reconhecer nesta iniciativa qualquer valor noticioso para a opinião pública.

O "laureado" esqueceu-se, porém, que "são os cidadãos que devem escolher os jornais que querem ler, os políticos que querem seguir e as notícias em que acreditam".

Esqueceu-se ainda de que, ao deixar passar nos ecrãs da TPA excertos dos discursos do líder da UNITA e ao recusar entrevistá-lo para questionar a sua liderança, acaba por promover, de forma acrítica e gratuita, a sua imagem.

Ao fazê-lo, acaba por vitimizá-lo e por dar trunfos à oposição, que, perante esta aberração jornalística, passa a dispor de argumentos para acusar o MPLA de estar por detrás deste (inútil) bloqueio.

Um bloqueio que, como sinalizou Ismael Mateus num artigo publicado na edição de 2ª feira do "Jornal de Angola", acaba por levar os órgãos de comunicação social públicos a não "divulgar, noticiar entrevistarem e levar a debate todos os concorrentes de uma eleição" como "conceito alargado do direito ao voto, entendido como voto consciente".

Como pelas costas dos outros, vemos as nossas costas, ... a menos que o promotor desta genialidade jornalística esteja já a imaginar aplicar a mesma receita se um dia o líder do MPLA estiver na oposição...

Mas, antes que tenha essa tentação, convém recordar-lhe que nem mesmo nos tempos mais negros da guerra civil quando a UNITA destilava uma hostilidade doentia contra os jornalistas, o Governo jamais ousou impedir que os profissionais da comunicação social baseados em Luanda fossem ao Bailundo ou ao Andulo para fazer eco dos pronunciamentos de um oposicionista armado como Jonas Savimbi.

Convém recordar-lhe que não podendo o País voltar a viver só com uma verdade como vivíamos no passado de partido único ou como se ecoava nas trincheiras da UNITA, só as opiniões livres podem questionar as verdades absolutas.

Esperava-se, por isso, que não fosse reincidente nesta matéria e que não deixasse cair a nódoa por cima de um acontecimento noticioso, como foi o regresso ao país de José Eduardo dos Santos, após dois anos de auto-exílio em Espanha.

Ao enterrar a cabeça na areia, sequestrando o direito dos consumidores que lhe pagam o ordenado, de serem informados, o director de Conteúdos da TPA mais não fez do que tentar impor o estatuto de "atrasados mentais" aos jornalistas que, um pouco por todo o mundo, em distintos meios de comunicação social, atribuíram valor noticioso ao regresso a Angola do antigo Presidente.

O mesmo valor noticioso que a mesma TPA atribuíra no passado a uma visita hospitalar do Presidente a Abel Chivukuvuku, um político que nem sequer tem representatividade parlamentar...

O mesmo valor noticioso que, depois de as redes sociais terem divulgado as imagens de um José Eduardo dos Santos fisicamente combalido no aeroporto do Dubai, acabou por despertar agora a curiosidade da opinião pública, que pretendia visualizar pela televisão o estado de saúde do antigo Presidente à sua chegada a Luanda.

O mesmo valor noticioso que, em menos de 24 horas, o director de conteúdos da TPA acabaria por engolir em seco, ao ter sido obrigado a abrir o noticiário com a notícia do telefonema feito por João Lourenço a José Eduardo dos Santos, o homem que ainda há quatro anos era endeusado nos mesmos ecrãs que agora aquele decidiu virar do avesso à sua chegada.

Com esta entorse no jornalismo, o seu hilariante promotor mais não fez do que promover aquilo que José António Saraiva, antigo director do Expresso, qualifica como sendo "uma censura à la carte".

Mais não fez do que tentar "tratar os cidadãos como crianças desmioladas", insistindo em fazer prevalecer o oposto de uma informação livre.

Mais não fez do que tentar ressuscitar o que aconteceu com as fogueiras da Jamba, relativamente às quais em certos capitais ocidentais, se acreditavam serem uma mentira fabricada para desacreditar Jonas Savimbi.

Ou que a mortandade que se seguiu depois do 27 de Maio de 1977 mais não era do que uma monstruosidade inventada em certos meios políticos para desacreditar Agostinho Neto.

Era uma altura em que, em ambos os casos e dos dois lados da barricada, não resistimos à tentação de ver reproduzida por aqui a figura do célebre Ministro da Informação de Saddam Hussein.

É evidente que, como gosta de lembrar José António Saraiva, "a informação não tem o mesmo valor para a toda a gente, mas é por isso mesmo que exista a liberdade de informação".

É evidente que "nem todos acreditam da mesma maneira nas mesmas coisas", mas é por isso que essa mesma liberdade está consagrada na Constituição dos Estados democráticos e de direito.

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