JES terá registado três paragens cardíacas e apresenta sequelas resultantes deste delicado e complicado quadro clínico. Os olhos e o foco de grande parte dos angolanos estão voltados para o Centro Médico Tekon, em Barcelona, onde, uma semana depois, começaram a chegar jornalistas de órgãos de comunicação social angolanos e o ministro das Relações Exteriores, Teté António, que foi "despachado" de Lisboa para a cidade espanhola (Barcelona) pelo Presidente João Lourenço.

O lado social da saúde de JES levou a que os cidadãos passassem a escrutinar e a pressionar uma reacção da imprensa nacional e do próprio Estado. Os cidadãos fazem uso do seu direito à informação e exigem que a comunicação social e o Estado cumpram com o seu dever de informação. João Lourenço reagiu horas depois no site da Presidência da República, anunciando que havia mantido um contacto telefónico com a ex-primeira-dama, Ana Paula dos Santos, para se inteirar do estado de saúde de JES.

O silêncio de uma comunicação social pública, que durante 38 anos exaltou JES e quase o elevou ao estatuto de figura divina, fez muito "ruído" junto dos cidadãos. Também verdade seja dita que foi durante o consulado de JES que os assuntos de saúde do Presidente da República e de outros altos governantes eram classificados como tabu pela comunicação social controlada pelo Estado e assim foi sendo até aos dias de hoje. É que claro que hoje as dinâmicas comunicacionais são outras, os acessos à informação são maiores, muito mais livres, com maior velocidade e qualidade, e bastante diversificados, as exigências são outras, sendo perfeitamente natural e aceitável que os cidadãos queiram saber do estado de saúde do seu ex-Presidente por via dos seus órgãos de comunicação e exigem uma reacção da estrutura do Estado.
O certo é que a imprensa pública apenas reage às reacções do PR João Lourenço, quer seja quando diz que falou ao telefone com a antiga primeira-dama ou quando anuncia que "despachou" para Barcelona o titular do MIREX.

A dimensão e o estatuto político de JES fazem que se aborde o lado político da sua saúde. Em caso de morte, quando será a posição/actuação do Estado? Qual é a estratégia a ser adoptada pelo Estado? Como será feita a gestão da informação? A reacção do Presidente João Lourenço será através de um comunicado à Nação, via comunicação social? Ou nota no Twitter ou na sua página oficial? Funeral com honras de Estado? Será declarado luto nacional durante quantos dias? JES ainda é Presidente Emérito do MPLA e num momento em que vive uma situação de saúde delicada não há uma mensagem de conforto, de apoio e solidariedade do seu partido.

O partido decidiu-se a tomar partido, e JES sentiu-se abandonado por muitos daqueles que, durante 38 anos, lhe fizeram juras de eterna camaradagem. "As coisas estão complicadas e muito divididas lá dentro do partido. Andam todos encafuados e com medo de dar a cara e de afrontar a liderança. Muitos estão indignados com a gestão desta situação, mas não conseguem reagir", confidenciou-me uma influente figura do nosso "Kremlin". Com eleições a portas, essa também é uma situação que exige alguma sensibilidade e algum tacto político. Será que o "Eduardismo" conseguirá sobreviver no MPLA em situação de orfandade?

O lado pessoal e familiar da saúde de JES já se tornou público. Numa primeira dimensão a nível da relação entre a antiga primeira-dama, Ana Paula dos Santos, e as filhas de JES, Isabel e Tchizé dos Santos, é visível a existência de um clima de crispação e divergências de opiniões tornadas públicas mais por parte das filhas, uma vez que Ana Paula dos Santos tem mantido silêncio e distância dos holofotes mediáticos. Esta semana, foi divulgado um áudio em que uma advogada espanhola, alegadamente ao serviço das filhas mais velhas de JES, mostrava que uma dura e prolongada batalha legal em torno de JES pode estar a caminho.

Outro ponto importante neste lado familiar é que, com o episódio do telefonema, João Lourenço procurou deixar uma mensagem de que Ana Paula dos Santos é a interlocutora oficial do Estado junto da família de JES. A relação entre João Lourenço e as duas filhas mais velhas de JES é péssima e tende a piorar, uma situação que em nada vai ajudar num cenário pós-morte. Elas estão preparadas e vão jogar as últimas cartadas numa batalha jurídica e política em torno daquilo que consideram ser a defesa da honra e dignidade do pai. "Nunca ambicionei este cargo e nem esperei permanecer nele tanto tempo", disse um dia JES. Também desejou ser recordado como um bom patriota. Bom senso, diálogo, ponderação, honra, respeito, sentido de Estado e muito patriotismo serão necessários daqui para frente. São precisos não apenas em Luanda, mas também em Barcelona. Rapidamente e em força!