Nos 47 anos de Independência, dos quais 10 de democracia, ainda com conflitos armados (1992 a 2002), e 20 de paz (2002 a 2022), a maioria dos angolanos não teve voz. Viveu dentro da sua dor, da sua fome, da precariedade habitacional e do luto permanente pela perda de tantos filhos. Viveu a olhar à distância perdendo a esperança a cada atropelo dos seus direitos. Viveu sem que o Estado soubesse que ele existia porque não foi registado ficando neste limbo de "quase pessoa" durante décadas. Viveu doente e sem escolaridade. Mas ao contrário do que seria de esperar não construiu ódio. Manteve sempre um sorriso no rosto por mais pesada que fosse a bacia da fruta na cabeça e por mais indigente que fossem todos os dias seguintes. O povo sempre respeitou e obedeceu porque a tradição e a educação africanas conferem aos mais velhos e aos chefes autoridade e credibilidade. Mas essa confiança foi aproveitada de uma forma ingrata depois de cada votação, nunca tendo sido conferidos direitos iguais à nascença, sendo esses os únicos pressupostos que podiam garantir a elevação social do povo que menos tem.
Na verdade, há vários culpados pela derrota do MPLA, mesmo que, no fim do dia e esgotados todos os procedimentos pacíficos, o Tribunal Constitucional confirme esta Vitória de Pirro. O primeiro culpado é o "Excesso de Estado" que existe em todas as instituições públicas e nos bolsos de todos os chefes e que banalizou a República e fez de Angola um exemplo administrativo do atropelo da Lei, da Ética e da Deontologia, sempre que as conveniências pessoais ou militantes falem mais alto. Os serviços públicos são orientados no dever de apenas fazerem o que for bom para a imagem do governo. Dois exemplos, para não ser exaustiva, deste facto é o indecoroso papel que a comunicação social pública prestou nos últimos cinco anos e nestas eleições foi ainda mais reprovável e o retrocesso do INE por se ter recusado a "melhorar os dados estatísticos", fazendo cair uma direcção eficiente e reconhecida pela Academia.
O segundo culpado é a Arrogância Dirigente. Os nossos governantes falam com os eleitores como se fossem seus subordinados, marimbando-se de forma incompreensível, pois a cada 5 anos têm de se ajoelhar perante o povo para garantir o voto deste, que na verdade é o soberano. Passam a vida a dar bafos e a ameaçar de forma vulgar. Ouvimos os governantes culparem o povo pelas suas desgraças, a exemplo da malária que "mata porque o povo não vive enrolado a um mosquiteiro e não tira a água dos quintais", já sendo assumido como "natural" que na época mais quente haja muitas mortes por malária, num País onde o saneamento básico esteve sempre na periferia de todas as prioridades entre tantos outos disparates saídos da boca institucional.
O terceiro culpado é o eterno Discurso da Vitimização. Nunca são culpados de nada. Sendo o único partido que alguma vez governou em 47 anos, a culpa é sempre do colono, da oposição, da contingência internacional, da ingerência externa, da baixa do preço do petróleo (quando está em alta os problemas mantém-se), da dívida chinesa, dos sindicatos não-alinhados, da chuva ou da seca, dos malianos, da taxa de fecundidade, mas nunca assumem a incompetência, a falta de fiscalização dos projectos que não dão certo, mas onde foram investidos milhões, nem a avaliação criteriosa dos programas ministeriais que na maioria das vezes são ineficazes e sem pertinência.
O quarto culpado é a Dissonância Cognitiva. O Governo angolano vê uma realidade que é só dele. Nessa realidade, a "fome é relativa", a sociedade civil é "lúmpen e bandida", a luta contra a corrupção não é selectiva, a seca que é cíclica a cada ano é tratada como um fenómeno novo. Até dentro do seu próprio partido há os bons militantes e os "marimbondos" (sendo que uns são menos marimbondos do que outros). Por causa desta incapacidade de ver a realidade sem os óculos da militância cega, hoje temos "médicos do bem e médicos do mal", jornalistas amigos da paz e jornalistas que só querem a guerra, professores ajuramentados e professores proscritos. Ouvimos a direcção do MPLA dizer "que os angolanos honestos estão com o MPLA", o que significa que metade dos angolanos não é honesta. Enfim, uma Nação dividida pela diabolização de quem tem outra opinião sobre o País, o que constitui um tremendo constrangimento para o desenvolvimento de Angola e torna-se uma missão impossível para quem pretende ser Presidente de todos os angolanos.
O quinto culpado é a Incapacidade de Inovarem. Há décadas que usam os mesmos métodos, que nem sempre sendo éticos, ainda assim foram garantindo a manutenção do poder. Apesar de o mundo estar em constante mudança, a gestão do País não evoluiu. A postura governativa não desafia a mesmice. Ficaram distraídos a olhar para o brilho das suas penas pelo montão de elogios permanentes dos seus seguidores que estão na sala de espera das fezadas e deixaram de conseguir perceber o erro, a consequência, a falta de sentido e o ridículo. A falta de perspectiva estimula a ausência de projectos que, de facto, sirvam para construir um País para Todos e apenas privilegia o conforto de uma minoria que continua gananciosa e "micheira".
O sexto culpado é a total Incapacidade de Construção de um Sentimento de Pertença. Olhar o outro como igual. Respeitar a diferença. Valorizar a cultura e as artes nacionais. Ter representantes das minorias no parlamento coisa que, em abono da verdade, em 47 anos nenhum partido incluiu. Esta falta de sentimento de pertença é que permitiu e permite que muitos, que têm um deficit épico de patriotismo, continuem a ver o cargo público apenas como uma fonte de enriquecimento e depois de saírem do poder irão passar a maioria do tempo num País estrangeiro onde estiver a sua maior conta bancária.
O sétimo culpado, e sem dúvida nenhuma o mais dramático, é a Ausência de uma Visão. Aqui reside um dos maiores entraves para o desenvolvimento. O País pode crescer, mas não se desenvolve. E essa inibição tem a ver com a ausência de VISÃO da liderança. Um Líder tem que chegar ao poder com um sonho de país e com as soluções para os problemas existentes, começando pelas soluções estruturantes. Foi isso que conferiu grandeza e imortalidade a muitos Líderes em várias partes do mundo e nos momentos mais críticos da história dos seus países: "I HAVE A DREAM". Sem esta alavanca motivacional, assente na sabedoria, honra, ética, competência e na ciência qualquer governação está votada ao fracasso e nunca consegue resolver definitivamente os seus problemas. Na realidade Angola não tem problemas novos, temos sim os mesmos e velhos problemas que todos os anos surgem no OGE como sendo a descoberta da pólvora.
Na verdade, no início destes cinco anos de governação, tiveram TUDO para dar certo, o timing, a promessa certa, a generosidade de tratar com dignidade os antigos adversários mortos em combate, a abertura de comunicação e diálogo, incluindo todos os angolanos, e a diversidade das suas opiniões, a simplicidade na postura, a defesa dos que tinham menos, garantindo-lhes protecção e começo do ataque à corrupção. Neste início, a prioridade foi o País, sem qualquer dúvida. Rapidamente surgiu outra realidade e em muito pouco tempo foi pressionada uma escolha entre o país e o partido e ganhou o partido. A Victória de Pirro é uma Victória amarga pela enormidade dos sacrifícios consentidos. A luta contra a corrupção passou a ser selectiva e a glória da governação estagnou nas inaugurações, nem sempre prioritárias. A promessa das Autarquias, da protecção dos que têm menos e valorização da despesa em função das prioridades foi esquecida. A procissão ainda vai no adro. E o momento exige sabedoria, discernimento e a verdade. Estamos a ver um povo que está sozinho nas ruas e nas redes sociais, a defender a verdade e não está a recuar nem com o canhão de água nem com as balas disparadas para o ar. Este povo são milhões e "contra milhões ninguém combate" verdade inquestionável que aprendemos com o MPLA sendo desde sempre um dos seus principais lemas.