No caso angolano, esta destruição de empregos devido à preferência pelas importações, em vez da produção local, vem acontecendo desde os primórdios da independência do país. Por conseguinte, vale a pena voltar a reflectir sobre a problemática da importação, porque, pelo que foi dito pelo bilionário nigeriano, não é, de facto, um problema só de Angola, mas sim, um problema que afecta o continente africano no geral. Por que razão isso acontece? Está é a reflexão que me proponho fazer neste artigo.
Tivera referido nesse espaço, na publicação do dia 14 de Setembro de 2023, os dados mais recentes da Fundação Mo Ibraim, mostram que o comércio intra-africano é muito inferior (13%) ao de outras regiões como a Europa (66,9%), Ásia e Oceânia (63,8%) e a América (44,4%), apesar de anos de facilitação do comércio, da existência de um conjunto de zonas de comércio livre e de uniões aduaneiras e de um elevado crescimento em muitas economias.

Da mesma forma, os principais blocos económicos do continente têm baixo comércio intra-regional, como SADC (23%), COMESA (7%), CEEAC (3%), CEN-SAD (7%) e CEDEAO (11%) do comércio total com o resto do mundo até 2021. Os países africanos são maioritariamente exportadores líquidos de matérias-primas, cujas exportações se destinam aos países da Europa, Ásia e Américas. Portanto, pode-se dizer que os países africanos são mais concorrentes do que complementares. Mesmo os países não produtores de petróleo, não importam as ramas para refinação aos países produtores de petróleo do continente, preferem comprar do Médio Oriente. Por exemplo, a Zâmbia, África do Sul, Namíbia e outros países da região austral, compram crude à Arábia Saudita e outros países do Médio Oriente, em vez de comprarem aos países produtores de petróleo do continente, onde se inclui Angola. Os dados do Banco Nacional de Angola (BNA), mostram que em 2023, os destinos das exportações de petróleo de Angola foram 56,8% para a China, 7,5% para a Espanha, 6,0% para os Países Baixos, para o continente africano, foi exportado apenas 1,00% para a África do Sul.

A apetência pela importação de produtos acabados e pela exportação de matérias-primas conduziu-nos à situação caricata de sermos viciados em consumir produtos que não produzimos e produzir produtos que não consumimos. Vejamos o caso de Angola que em 2011 produziu cerca de 1 752 000 barris de petróleo bruto por dia, em contrapartida, 2/3 dos produtos petrolíferos refinados consumidos foram importados. Como é que se pode perceber este contrassenso? Exportar matéria-prima e importar o produto acabado derivado da matéria-prima que exporta. Isto acontece com o petróleo, pedras ornamentais, madeiras e outros minerais e produtos agrícolas. Ainda hoje a capacidade de refinação é de pouco mais de 65 mil barris por dia, continuamos a importar a diferença, de uma necessidade diária estimada em 200 mil barris.

Certamente, os mais novos nascidos depois da independência não têm noção do que foi a economia angolana num passado não muito distante, sobre a diversidade de produtos que eram produzidos localmente. Por exemplo, os refrigerantes e alguns vinhos consumidos pela maioria da população, eram produzidos localmente, recordo-me da gasosa Faive (era produzida em Catabola, ex Nova Sintra), Prazeres (Babaieira), Dusol (Benguela), vinho Boa Pinga e Século (Lobito), Coalfa (Huambo), para citar apenas algumas marcas, que fizeram brilharete neste país. Entretanto, o vinho de Portugal, o Castelo Vinho, era também vendido nos vários estabelecimentos comerciais daquele tempo, ou seja, tinha espaço no mercado. Não se tenha ilusão! Nenhum país no mundo consome apenas produtos da sua própria produção. Isto não existe, haverá sempre um, ou outro produto que deverá ser importado. Por exemplo, no que diz respeito ao trigo, há uma variedade de trigos que servem propósitos variados (trigo durum, trigo mole e trigo forrageiro). Por conseguinte, poderá haver produção de uma variedade ou outra que terá mesmo de ser importada, pois, segundo me constou, tem muito a ver com os microclimas no ambiente em que os trigos são produzidos.

Discute-se muito a injustiça dos termos de troca, em que se critica os países mais desenvolvidos, pelo facto de comprarem as matérias-primas aos países atrasados ao desbarato, para depois venderem os produtos transformados ao preço de ouro. Assim é porque a transformação da matéria-prima, exige maior conhecimento (até mesmo na exploração da matéria-prima precisamos do apoio dos países mais desenvolvidos, pois não dominamos as tecnologias mais avançadas de maquinaria afim), é mais intensiva em tecnologia. Cortar troncos de madeira e carregá-lo no camião para a sua exportação não requer conhecimento alargado, com o mínimo de equipamentos, temos os troncos prontos para serem exportados. Já a concepção de desenhos e fazer móveis e outros produtos, como madeira prensada e contraplacado, exige o domínio de tecnologias, às quais os africanos, infelizmente, não têm acesso, ou não desenvolveram, como consequência, optam por exportar madeira bruta ao desbarato ou preços impostos.

O Professor Alves da Rocha (2024), tem razão quando, na sua mais recente obra "Compreender a Angola de Amanhã...Hoje", afirma que a diversificação económica é uma totalidade sociológica. Depende muito da transformação das classes sociais, da elevação do nível cultural, e académico da população, que são os impulsionadores da transformação estrutural da economia. Sem uma classe média instruída, que possa interpretar os anseios da classe política, que desencadeia políticas públicas para a transformação da sociedade, com vista ao bem-estar colectivo, que por sua vez, impulsiona o surgimento de empreendedores com visão para encetar processos que estimulam o surgimento de empreendimentos, que podem, então, ansiar conquistar os mercados internos, para depois pensar em mercados externos, não há capacidade efectiva e sustentada da substituição de importações. Na entrevista, Dangote evidenciou ter tido, em primeiro lugar, a preocupação de conquistar o mercado do seu país (Nigéria), só depois lançou-se para a conquista dos mercados dos países vizinhos. Faz então sentido que agora tenha aspirações de estabelecer uma presença global. Contrariamente, em Angola, tenho ouvido, com frequência em estratégias de exportação, quando estes autores ainda lutam para terem uma posição incontestável no mercado interno.

Há mais de 14 anos que acompanho Aliko Dangote, por via, de uma pessoa que sirvo desde esta data, é uma pessoa de que tenho imensa admiração pela sua humildade, visão empreendedora, coragem, amor ao seu país e ao continente africano. Fiquei surpreso, quando numa entrevista o bilionário, afirmou que não possui nenhuma casa na Europa ou na América, mas apenas no seu país (Nigéria), pois quando se desloca para esses países, é, geralmente, por alguns dias, por isso, vai para o hotel, não precisa ter uma casa dedicada, pois não seria um bem útil. Foi de Dangote que absorvei a estratégia de integração invertida (backword integration), em que se enquadra o seu projecto da refinaria de açúcar, que evoluirá para a segunda fase, a de obtenção de melaço da cana-de-açúcar. Mas, o seu grande novo bebé, conforme uma das filhas denominou, é o mega projecto da refinaria de petróleo, é um projecto de se lhe tirar o chapéu (com capacidade instalada de 650 mil bpd), decerto, vai elevar a marca Dangote a nível global. Assim permitir a substituição total de importação de produtos refinados de petróleo do seu país.

Também concordo com Dangote quando diz que o acordo da Zona de Comércio Livre Continental Africana (ZCLCA) vai beneficiar os produtores africanos, particularmente as suas empresas, desde o cimento, ureia, aos derivados de petróleo. Mas não tem havido muitos avanços na concretização dessa iniciativa. Na minha perspectiva, é daqueles projectos, que dissemos que é uma boa ideia. Ma, não tem pernas para andar, por razões muito objectivas. Como integrar economias que internamente não estão integradas? Como promover o comércio entre países vizinhos, se entre províncias do mesmo país a mobilidade se faz com dificuldades? Referi num dos artigos neste espaço que a integração regional não pode avançar se não se efectivar, em primeiro lugar, a integração interna. Sem a fluidez na mobilidade de pessoas e bens entre localidades do mesmo país, tudo que se faça não será competitivo, para que possa ser transaccionado no mercado internacional, que por norma, são bastante exigentes. Por esta razão, os africanos vão continuar a exportar a riqueza para outros continentes, importando produtos que bem podem ser produzidos no continente e a exportar os empregos para a nossa desgraça!

*Economista