Assim, a não ser que se queira continuar a marcar passo, não faz qualquer sentido um Presidente peregrino dar voltas ao mundo à procura de investidores e credores, com o fim de desenvolver a economia do país em troca dos seus recursos naturais, enquanto políticos de topo do seu partido e membros do seu Governo, alcandorados estatutariamente como os "new money", realizam, nos próprios países interessados em cooperar, actos privados caracterizados por uma ostentação excessiva de riqueza pessoal.
No mundo globalizado em que vivemos, trata-se justamente do tipo de comportamento que, levado ao escrutínio público nacional e internacional por intermédio da internet, em termos de imagem, se torna lesivo ao interesse nacional. Perante os interessados em fazer negócios sérios com Angola, sob a égide das boas práticas do comércio internacional, as odes ao luxo e a ostentação obsessiva e desmedida de sinais de poder financeiro protagonizadas por determinados dignitários angolanos e suas famílias, são totalmente contraproducentes face aos objectivos preconizados. Igualmente quando confrontadas com o conteúdo dos apelos do Presidente da República nas suas viagens para o exterior, no quadro da diplomacia económica, ou nas cerimónias por ocasião das visitas ao país de estadistas estrangeiros acompanhados de missões empresariais.
Os governantes são as pessoas que assinam, ao mais alto nível, os contratos por parte do Estado e das suas instituições. Por essa razão são classificados como Pessoas Politicamente Expostas (PEP), para mitigar os riscos do seu envolvimento em acções fraudulentas, crimes financeiros, fiscais e de lavagem de dinheiro. A classificação é extensiva a outros titulares de cargos de natureza pública e política, suas famílias e círculos relacionamento.
Em Junho do ano passado, através do Despacho 157/22, o Presidente João Lourenço criou um grupo de trabalho multissectorial responsável pela criação de condições técnicas e administrativas para a identificação das Pessoas Politicamente Expostas, a fim de concretizar o estabelecido na Lei de Prevenção e Combate ao Branqueamento de Capitais, do Financiamento do Terrorismo e da Proliferação de Armas de Destruição em Massa. O objectivo do Despacho foi o de conformar Angola com os padrões do Grupo de Acção Financeira Internacional (GAFI) e o Presidente indicou como coordenador do referido grupo de trabalho, nada mais nada menos que Manuel Nunes Júnior, na altura o ministro de Estado para a Coordenação Económica.
Passaram a ser consideradas Pessoas Politicamente Expostas os indivíduos nacionais ou estrangeiros que desempenham ou desempenharam funções públicas proeminentes em Angola ou em qualquer outro país ou jurisdição, ou em qualquer organização internacional. Igualmente passaram a ser tratadas como PEP os membros da família e as pessoas muito próximas, nomeadamente o cônjuge ou companheiro de união de facto e os parentes até ao terceiro grau da linha colateral e afins. O elenco estende-se depois para os indivíduos com reconhecidas relações de natureza pessoal, societária ou comercial com o titular do cargo de natureza política ou pública.
Vídeos que circulam nas redes sociais apontam que pelo menos dois casos recentes de ostentação, realizados quase simultâneamente em países europeus, vieram mostrar de forma clara que alguns membros da cúpula angolana esqueceram simplesmente ou fazem tábua rasa da sua qualidade de Pessoas Politicamente Expostas (PEP), um conceito de compliance adoptado hoje na maior parte dos países do mundo. Isso para além do impacto negativo na opinião pública, a julgar pelas manifestações de cidadãos através das redes sociais e na comunicação social.
Empurrados para o canto do ringue pelo clamor da crítica social, os visados certamente vão socorrer-se da tese radical e esfarrapada, segundo a qual a liberdade individual é um valor político supremo e que cada pessoa é detentora do direito de viver a sua vida e de gastar o seu dinheiro como melhor lhe aprouver, aparentemente sem interferir no direito de outros fazerem o mesmo. São assim os novos-ricos para justificarem a sua insaciável sede de ostentação. Contudo, eles sabem e nós também sabemos. Aliás, sabemos todos, incluindo as próprias instituições dos países estrangeiros nos quais se pavoneiam ou os acolhem, qual a origem de tal riqueza.
Como não se lhes conhece nenhuma passagem de sucesso pela actividade empresarial antes de serem políticos, nem terem conseguido ganhos extraordinários em loterias e jogos afins, ou ainda serem herdeiros de fortunas tituladas por seus ascendentes, é mais que justo considerar que as fontes desse dinheiro são, no mínimo, suspeitas. Não é, seguramente, uma riqueza obtida de forma legitima e sequencial, mas geralmente se trata um capital obtido em tempo recorde, pelo próprio político, em função dos cargos que ocupa ou ocupou.
Nessa questão, temos igualmente de equacionar o problema ético. A ostentação de riqueza caracteriza-se por um comportamento orgulhoso e exibicionista, geralmente protagonizado por pessoas enricadas de fresco, que são compulsivamente materialistas e entendem o consumismo em si como um estilo de vida. Essas infelizes criaturas estão desprovidas da capacidade de orientarem-se por um comportamento humano adequado para interagir fraternalmente numa vida em sociedade com fundamento na equidade.
O comportamento sempre foi importante para o ser humano e, em consequência, para a sociedade. Como resultado das metamorfoses que acontecem no decurso de uma vida, as pessoas vão mudando as suas atitudes e comportamentos perante os valores humanos. Os padrões sociais são regras e costumes que se constroem e são adoptados como códigos dentro de uma determinada sociedade. À medida que a sociedade se transforma, esses códigos se vão alterando. Em cada época, a sociedade fica marcada pelo seu padrão comportamental que resulta da influência de diversos factores envolventes, mas não deixam de ser meras expectativas, porque se fundam em virtudes que o dinheiro não compra, tais como a Honestidade, a Coerência, a Verdade e a Fraternidade.
Infelizmente, coube-nos viver em desapiedados tempos. É a época do "tenho e quero, logo posso", do jogo-maria, sem balizas de ordem ética e moral. Doloroso e inconcebível é quando esse tipo de comportamento se torna a marca registada de uma pretensa elite ou naipe de governantes, que vive completamente dissociado da realidade social, na qual a maioria dos governados chafurdam a sobrevivência de cada dia. Não sentem a pobreza-logo ela não existe.
O célebre conto "Alice no país das maravilhas", do escritor inglês Lewis Carrol (1832-1898), foi pioneiro na tarefa de compreender o cérebro humano, antes de Freud desenvolver a Psicanálise. Se vivesse agora, certamente Carrol teria de reformular muitas de suas espantosas conclusões, mas certamente o seu conto de eleição permaneceria com o mesmo título.
Em simples linguagem, tudo continuará igual, porque está tudo calculado para permanecer igual. Para vê-lo crescer sem qualquer limite, a pequena Alice continuará coçando o nariz do seu porquinho de estimação, em mais um conto no pais das fantasias. E para concluir, ficarão de fora os "invejosos" e os indignados. Para eles, simplesmente o amargo sabor da desaprovação informal.
*Advogado e jornalista