Este período é, em muitos aspectos, parecido à campanha propriamente dita com a diferença de que é menos electrizante, e os concorrentes não dispõem dos tradicionais tempos de antena de rádio e televisão que permitem fazer chegar de maneira mais objectiva as suas ideias consolidadas no Manifesto Eleitoral. A pré-campanha é um período fecundo porque os concorrentes começam a abrir a "caixa de pandora" das suas estratégias de aproximação aos eleitores, os traços genéricos da sua estratégia de comunicação que se acredita serem ferramentas fundamentais para o sucesso em eleições.

Podemos dizer que a luta, que são as eleições de 2022, começou nos primórdios de 2020, o que tornou este período de dois anos bastante tumultuado e ainda mais com a coincidência sinistra da pandemia da Covid-19. Desde que em 2019 Adalberto Costa Júnior (ACJ) foi eleito Presidente da UNITA, perante o potencial que incorpora de verdadeiramente fazer história na política angolana, o MPLA propôs-se COMBATER ACJ ATÉ À EXAUSTÃO, que foi até matéria de capa deste jornal.

O "arsenal bélico" colocado à disposição da operação especial "Combater ACJ até à exaustão" de tão pesado que era cedo teve de ser destapado, ficando exposto aos olhos de todo o mundo. Depois de inviabilizar a legalização do PRA-JA, virou-se toda a artilharia para desqualificar ACJ como potencial candidato não se coibindo de empurrar o Tribunal Constitucional para a linha da frente de um combate que só podia resultar no desmoronamento dos referentes do Estado Democrático e de Direito.

O célebre Acórdão 700/2021 veio apenas confirmar o quanto o Chefe de Estado se tinha transformado, saindo de defensor n.º 1 da Constituição e da Lei para se tornar no principal artífice do retrocesso democrático que o País passou a assistir não se coibindo de manipular, inclusive, o Tribunal Constitucional.

Há, no entanto, outros episódios que marcaram negativamente esta marcha, rumo às eleições. Desde logo, a indicação do juiz Manuel da Siva Pereira "Manico" para presidente da CNE foi um processo viciado que incluiu uma mentira deslavada do juiz-presidente do Tribunal Supremo, Dr. Joel Leonardo, que ousou informar à Assembleia Nacional que não havia nenhum processo contra o concurso organizado pelo Conselho Superior da Magistratura. A Assembleia Nacional, mesmo sabendo por informações cruzadas que era falsa a mensagem proveniente do presidente do Tribunal Supremo, forçou a eleição do presidente da CNE, a oposição em bloco recusou-se em caucionar a farsa.

A Revisão Pontual da Constituição foi feita para satisfazer certas conveniências, mas foi a Revisão da Lei Orgânica das Eleições Gerais (LOEG) que introduziu cláusulas que comprometem a lisura, a transparência e a justeza do processo eleitoral. Porquê introduzir tantas zonas cinzentas numa lei que até já continha avanços importantes que advieram de experiências das eleições de 1992 e 2008?

Outro aspecto que marcou incisivamente este período das trevas 2020-2022 foi o comportamento bizarro da comunicação social pública. João Lourenço havia-se comprometido com a abertura da comunicação social pública e, de facto, em 2018, registámos com agrado sinais evidentes de abertura da comunicação social ao pluralismo. Infelizmente, esta abertura foi sol de pouca dura, e o retrocesso foi de tal maneira grande que podemos dizer, sem medo de errar, que hoje estamos a viver um dos períodos mais sombrios da nossa comunicação social pública e do jornalismo angolano, assinalando o enorme retrocesso que a nossa democracia registou nestes cinco anos de mandato de João Lourenço.

Apesar de todo o arsenal utilizado para fragilizar a oposição, o facto é que a UNITA saiu deste processo fortalecida e em muitos casos as balas disparadas contra si foram autênticos boomerangs que se voltaram prontamente para os autores dos disparos. A sociedade reagiu a tudo isso com doses cavalares de indignação, o que teve um efeito contrário ao esperado: a popularidade de ACJ só cresceu e é ele mesmo que se apresenta como cabeça-de-lista da UNITA/FPU. Tudo quanto João Lourenço não queria!

Entramos, assim, para a pré-campanha com um misto de satisfação e preocupação. Satisfação por termos saído incólumes deste período das trevas como atrás descrevemos; preocupação por não terem sido removidos todos os condicionalismos que coarctam a possibilidade de um pleito efectivamente livre, justo, transparente e tendo na lisura a sua nota dominante.

A pré-campanha do MPLA tem sido caracterizada essencialmente por actos de massas onde é notória a utilização abusiva dos meios do Estado, mormente a administração pública e a comunicação social do Estado em prol do candidato da situação em detrimento da oposição. O alinhamento da comunicação social pública com o candidato do regime é de tal forma descarado, o que tem suscitado a indignação de amplos sectores da sociedade. O princípio do tratamento igual expresso na Constituição da República e na Lei dos Partidos Políticos tem sido violentamente ultrajado perante o silêncio tumular da ERCA e de todos os órgãos/instituições que deveriam garantir os direitos fundamentais consagrados na Constituição e a legalidade!

O discurso do candidato do MPLA tem sido caracterizado por um balanço que pinta um país idílico onde muitos de nós não cabem e, por isso, não se revêem nele, ignora por completo os grandes problemas do País como a fome, a miséria ao descampado, a incapacidade para mitigar os problemas da saúde e educação. Os incumbentes actuais não pararam para se questionar, por exemplo, por que razão, apesar dos avultados investimentos em hospitais, permanece e se eterniza a crise sanitária no País? Por que razão, apesar de se terem "construído mais hospitais nos últimos cinco anos do que em 46 anos de independência", como fez questão de afirmar o Presidente da República (ou terá sido o candidato do MPLA?). Angola continua a amargar sofríveis índices sanitários e um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) penoso?

Outra face do discurso são as promessas de campanha. À semelhança da campanha de 2017, o discurso do candidato do MPLA continua recheado de promessas que se percebem irrealizáveis e ignora soluções para os problemas prementes da população. A razão deste viés é evidente. A prática governativa do MPLA não está voltada para as pessoas, mas, sim, para o betão. O modelo de desenvolvimento que ronda a cabeça do MPLA está desenhado para erguer enormes elefantes brancos que impressionam, mas não contribuem em nada para resolver os problemas das pessoas. Se continuarmos subjugados a esse pensamento megalómano desprovido de sentido humano, estaremos a condenar o País ao atraso por séculos. É por essa razão que a Alternância em Angola é um imperativo de desenvolvimento!

No que nos diz respeito, a pré-campanha decorre dentro dos eixos preconizados. Contra aquilo que era desejo do MPLA, a UNITA conseguiu agregar na sua lista vários patriotas que connosco comungam o axioma segundo o qual a Alternância em Angola é um imperativo de desenvolvimento. Imbuídos deste espírito, forças políticas sacrificaram os seus símbolos e aceitaram concorrer sob as cores da UNITA, jogando egos e vaidades para planos derradeiros. O formato inteligente e diligentemente conseguido foi aquele que permitiu contornar aqueles que, fazendo uso enviusado da lei, já se preparavam para inviabilizar a Frente Patriótica Unida em obediência cega a Ordens Superiores.

Os poucos actos de massa até agora realizados em Luanda, Cabinda e Menongue têm posto em evidência a popularidade que ACJ granjeia, apesar do gigantesco esforço para descredibilizá-lo no tal período das trevas, e também como a ideia da FPU tem colhido simpatias em vastos sectores da sociedade. O discurso do Presidente comporta duas vertentes essenciais: a crítica contundente à governação de João Lourenço, afinal ACJ é o líder da oposição e as ideias para tirar Angola da crise no quadro do Governo Inclusivo e Participativo que a UNITA e parceiros da Frente preconizam. Os críticos e detractores de ACJ limitam-se a olhar para o lado crítico do discurso, ignorando as ideias avançadas com vista a resolver os problemas prementes dos angolanos. Esta cegueira e surdez selectivas procuram passar a ideia segundo a qual a oposição não tem ideias para o país o que não corresponde minimamente a verdade.

Ideias como a reforma do Estado, visando, sobretudo, a despartidarização do Estado e um novo modelo, separado, de eleição do Presidente da República, bem como os mecanismos que garantem a efectiva separação dos poderes e regulam a sua interdependência são notas constantes do discurso de ACJ, em que desponta também a implementação imediata das autarquias. A razão da insistência nestas matérias é porque elas constituem verdadeiros entraves ao nosso progresso democrático. Mas, o forte do manifesto eleitoral que ACJ vem aos poucos revelando reside nos chamados desafios prioritários elencados que são a fome, a saúde, a educação, o emprego e a corrupção. Cada desafio compreende um conjunto de compromissos que não são vagas promessas, como aquelas que são recorrentes no discurso do candidato do MPLA e fazem toda a diferença. O diferencial das propostas da UNITA em relação às do MPLA reside no facto de as acções preconizadas pela UNITA estarem voltadas para as pessoas, reanimar o tecido social angolano, refazer uma classe média forte primeiro e não fazer selectivamente ricos, através de esquemas de acumulação primitiva de capital. É preciso transferir o motor da economia para a iniciativa privada, é preciso fazer dos angolanos consumidores e é isto que vai atrair investimentos para estimular ainda mais e fazer crescer a economia.

Em suma, a pré-campanha vai a todo o vapor e segue cada vez mais requintada. Esperamos que ela permita resolver a questão do tratamento igual pelos órgãos públicos, para que, pelo menos no período de campanha, os concorrentes possam apresentar-se aos eleitores nas mesmas circunstâncias e possam livremente divulgar as suas ideias sobre Angola.n

*Médico e deputado à Assembleia Nacional pela UNITA