Nessa altura, segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), 40,6% da população angolana vivia abaixo da linha de pobreza nacional, ou seja, na pobreza extrema, com uma incidência de 29,8% na zona urbana e 57,2% na rural.
O INE demonstrou igualmente que pelo menos 54% (mais de metade) da população angolana vivia em pobreza multidimensional, atingida por diversas privações, nomeadamente saúde, educação, qualidade de vida, emprego, entre outras.
Estes estudos provaram também que 74% das crianças angolanas foram afectadas por pelo menos três privações em simultâneo.
Com base nos resultados acima referidos e em linha com o princípio da Agenda de Desenvolvimento da ONU 2030 de "não deixar ninguém para trás", o INE recomendou a adopção de políticas económicas e sociais orientadas para corrigir as desigualdades entre zonas urbanas e rurais.
Por seu turno, a Afrobarometer, num estudo realizado no País, aponta que no ano seguinte, 2021, oito em cada dez, ou seja, 80% dos angolanos passaram fome.
A mesma instituição de pesquisa refere ainda que o nível de pobreza em Angola se acentuou de tal forma nos últimos anos que a percentagem de pobres no País subiu para 79% e o nível de privação alimentar chegou a 78%, em 2022.
De acordo com os números da Afrobarometer, a maioria dos angolanos experimentou dificuldades na satisfação das suas necessidades básicas nesse ano, na sequência da degradação do nível de pobreza, em relação a 2019.
Por sua vez, o Centro de Estudos e Investigação Científica (CEIC) da Universidade Católica de Angola alerta que o País terá pelo menos 17 milhões de pessoas na pobreza no próximo ano, 2025.
O CEIC recorda que, em Angola, a taxa de pobreza tem vindo a crescer todos os anos, passando de mais de 12 milhões de pessoas (41,7%) em 2019 para mais de 16 milhões (49,4%) em 2022.
Estes estudos comprovam que, passados quatro anos desde a divulgação dos dados da DNSP, a situação económica, financeira e social piorou, a pobreza extrema situa-se perto dos 50% e as desigualdades aprofundaram-se.
Com tendência a piorar, dada a falta de políticas públicas realistas para debelar a fome e a pobreza e dar início a um processo de inversão da situação, a miséria apresenta-se hoje como o principal problema político de Angola.
Realidade visível a olho nu em qualquer região do País, a começar pela sua capital, transformada num imenso centro de exposição da pobreza, incluindo a extrema, onde diariamente mulheres, crianças, jovens e idosos digladiam-se à volta de contentores em busca de lixo para atenuarem a fome.
Por causa deste quadro de degradação das condições de vida das populações, os angolanos vão assistindo impotentes a uma emigração em massa da sua juventude, sobretudo a mais qualificada, um fenómeno de consequências negativas para o País a médio e longo prazos.
Com a situação a piorar todos os anos, e tendo por base os dados da DNSP, de Outubro de 2020 até agora (Julho de 2024), pelo menos 62.500 crianças terão morrido à fome em Angola.
A manter-se este ritmo, até à realização das chamadas eleições gerais, em Agosto de 2027, ou seja, dentro de mais ou menos 1200 dias, outras 55 mil crianças morrerão à fome no País.
Perante o crescimento galopante da pobreza multidimensional, atingindo pelo menos metade da população com privação de direitos sociais primários como alimentação, educação, habitação, saúde, emprego, fica evidente que, mais do que uma questão social, a pobreza em Angola é um problema político, estrutural, com fonte no actual e inadequado modelo de desenvolvimento económico e social, criador e/ou potenciador de miséria.
Um problema com raízes no vigente regime político, que aprofunda as assimetrias sociais, territoriais, políticas, culturais e económicas, promove desigualdades e agrava o fosso entre a elite política e a população em geral.
Como definido por Maslow, na sua pirâmide das necessidades humanas, as pessoas só equacionam as necessidades seguintes (segurança, relacionamento, estima e realização) depois de resolvidas as fisiológicas como alimentação, água e habitação. Ou seja, quem tem fome fica sem condições humanas para pensar noutra coisa para lá do seu estômago.
A fome, a pobreza e a miséria como instrumentos de opressão retiram cidadania, ostracizam as populações e coarctam a possibilidade de as vítimas reflectirem, perceberem e tomarem consciência dos seus direitos, da sua condição e do País.
Os famintos não têm condições para fazer reivindicações ou denunciar os erros da governação e de projectos políticos de apropriação dos recursos do Estado a favor de um grupo minoritário.
Projectos de exclusão e de empobrecimento das populações, assentes nas desigualdades e na má distribuição da riqueza, que proporcionam o enriquecimento da elite política.
Num País de famintos, onde apenas 40% da população tem acesso à água potável, segundo dados das Nações Unidas, e com mais de quatro milhões de crianças pobres fora do sistema de ensino, o que faz a sua elite política?
O que fazem os políticos perante um presente miserável e um futuro próximo da mesma natureza? Que propostas têm para estancar imediatamente essa desgraça que cresce diariamente nas ruas e nas sanzalas do País?
Secundarizam o principal problema. Apresentam-se como uma espécie de arautos da mudança (de protagonistas, claro), sem ideias adequadas para enfrentar a maior chaga nacional.
Neste País de políticos egoístas e gananciosos, que se atribuem a si próprios diversos tipos de impunidades, assiste-se ao desfilar de proto-candidatos do regime (poder e oposição) à Presidência da República com mais ou menos ideias para o seu futuro, passando ao lado do presente de miséria que faz de Angola um Estado falhado.
Políticos que deviam estar preocupados com a taxa de analfabetismo que cresce proporcionalmente à de pobreza e que em menos de dez anos passou de 25% para os actuais 34%, com as mulheres a representarem 70% dos que não sabem ler nem escrever.
Neste País, proto-candidatos presidenciais, em vez de advertirem as instituições do Poder de que ao ritmo actual, dentro de quinze anos Angola terá mais analfabetos que gente alfabetizada, preferem exibir seus palácios ou palacetes, símbolos das gritantes desigualdades políticas, económicas e sociais.
Os problemas da miséria estão à vista de todos, são denunciados em todos os cantos do Mundo, mas para candidatos, proto-candidatos e afins, os angolanos devem esperar por eleições em 2027 e, consequentemente, por mudanças constitucionais para verem os seus problemas básicos resolvidos.
Nesse regime que privilegia a elite política nas suas condições de vida, luxos e ócios, os proto-candidatos falam de um futuro demasiado longínquo para um povo que enfrenta a pobreza e vê as suas crianças a morreram à fome diariamente.
Num regime totalmente fraudulento, políticos reclamam eleições, mostrando dessintonia em relação às preocupações do cidadão comum que luta pela sobrevivência, liberdade e dignidade como premissa para uma sociedade de justiça social e de democracia.
Políticos em busca de mais poder para satisfação de egos pessoais ou de grupos, num regime com um único "dono da bola" que impede o surgimento de outros donos.
Ignoram que realizar eleições, mudar de protagonistas, sem destruir o cancro, o regime, significa apenas busca de poder pessoal, de privilégios sociais e pecuniários e a confirmação de que a política é o lugar mais apetecível para o enriquecimento fácil.
Num regime, onde obedecendo "ordens superiores", uma TV censura um general no activo por ter denunciado a miséria, os políticos estão entretidos com a busca de Poder presidencial ou autárquico, desprezando os sintomas de sequestro autocrático da comunicação social e da justiça, evidentes sinais de reforço da opressão e ataques às liberdades.
Ignoram que a legitimidade de um político mais do que do voto, advém do cumprimento da sua missão de melhorar a sociedade e resolver os problemas do Povo, e que ninguém tem legitimidade para miserabilizar um povo ou um país.