Na Cimeira, organizada pela UE, a questão das alterações climáticas e transição energética esteve no centro das discussões, a par da saúde, educação, desenvolvimento sustentável, agricultura, paz e estabilidade, digital e transporte.
Enquanto a UE, na voz da presidente da sua Comissão, tentava empurrar os países africanos para a substituição de energias fósseis pelas chamadas energias limpas (solar, hídrica ou eólica), o líder da União Africana lembrou que África, com 55 países e o dobro da população europeia, apenas é responsável por menos de 4% da poluição por CO2.
Recusando as tentativas de forçar o continente africano a reduzir a sua produção de combustíveis fósseis como premissa para o combate às alterações climáticas, Macky Sall defendeu "a manutenção do financiamento da indústria do gás e petróleo e uma transição energética justa e equitativa, que tenha em conta as necessidades e restrições específicas dos nossos países".
Enfatizou que, "para um continente atrasado no processo de desenvolvimento e com mais de 600 milhões de habitantes (metade da população) que ainda vivem na escuridão, a prioridade também é o acesso universal à electricidade e à industrialização".
Mais preocupado com uma África próspera do que com a ideologia do clima, Macky Sall, 60 anos, junta-se a uma nova corrente de líderes afro-liberais e neo-pan-africanistas, defensores da integração africana e de uma África que fale a uma só voz, em nome do desenvolvimento das suas populações.
Assim, o líder da UA, lembrando aos europeus que os povos africanos "legitimamente aspiram ao bem-estar e à prosperidade", propôs o estabelecimento de "parcerias consensuais e mutuamente vantajosas, co-construídas com base em prioridades e valores compartilhados, sem liminar civilizacional, exclusão ou exclusividade".
"Mais do que uma actualização do software que rege a rede relacional euro-africana, propomos instalar, juntos, um novo software, adaptado às mudanças em curso e capaz de suportar a dinâmica inovadora que queremos imprimir nas nossas relações", anunciou.
Esta intervenção do líder da UA é o reafirmar de posições assumidas por diversos dignatários africanos em diferentes espaços, nomeadamente nas recentes Cimeira do Clima, em Glasgow, Semana de Petróleo África, no Dubai, e Semana da Energia Africana, realizada na cidade do Cabo, onde, em resposta às resoluções da COP26, o anfitrião, a África do Sul, propôs a criação de uma organização pan-africana de financiamento da indústria do gás e do petróleo.
No Dubai, o Quénia, através do seu ministro dos Petróleos e Minas, John Munyes, foi categórico ao afirmar que "queremos desenvolver os nossos recursos em África, tal como os nossos irmãos no Ocidente o fizeram", enfatizando peremptoriamente que "os países africanos têm de garantir o acesso à energia da sua população".
"Não vamos virar as costas às companhias de petróleo e gás, porque temos de assegurar a felicidade e mesmo a existência das nossas populações", assegurou.
Alinhando pelo mesmo diapasão, na Semana da Energia Africana (Africa Energy Week), o Governo de Cyril Ramaphosa defendeu a criação, "urgentemente" pelos países africanos, de "uma frente unida para resistirem às pressões globais, para que África abandone os combustíveis fósseis".
O ministro sul-africano da Energia e Recursos Mineiros, Gwede Mantashe, foi contundente ao rejeitar a intenção de converter os países africanos em "condutas para ideias das economias desenvolvidas".
"Penso que África tem de se unir para desenvolver uma estratégia para fazer face a esta realidade", acrescentou aquele governante para quem o continente "tem de colocar o petróleo e o gás na frente do crescimento energético global".
Exigir que os estados africanos abandonem a exploração de recursos energéticos que, nalguns casos, representam mais de 90% das receitas do Estado seria equivalente a votar esses países e suas populações à miséria absoluta.
No total, África tem reservas de petróleo de mais de 100 mil milhões de barris espalhados por 11 países, entre os quais Angola. Por outro lado, três países africanos (Moçambique, Nigéria e Argélia) representam cerca de 6% das reservas de gás do mundo.
Em Glasgow, o "desapontado" Presidente do Ghana, Nana Akufo-Addo, interrogou-se sobre a legitimidade da Europa para exigir que o continente africano abandone a exploração dos seus recursos energéticos, quando as Nações ricas não cumprem com o compromisso da tão propalada "ajuda compensatória" de cem bilhões de dólares/ano para "nos ajudar na luta contra as mudanças climáticas.
Os mesmos países ricos que também não cumprem com o compromisso de transferir tecnologia para África, que, ainda de acordo com Akufo-Addo "nos ajudará a encontrar formas sustentáveis de traçar um caminho para sair desta crise existencial".
Para o líder do Ghana, "estes mesmos ocidentais insistem para que abandonemos a oportunidade de desenvolvimento rápido das nossas economias, o que equivaleria a consagrar a desigualdade da mais alta ordem, uma situação totalmente inaceitável".
Portando, Akufo-Addo, "devemos encontrar uma solução que seja equitativa e justa, que nivele o campo de jogo reconheça os desequilíbrios históricos entre os emissores altos e os emissores baixos".
Na denúncia dos egoísmos europeus, na capital europeia, a questão das vacinas contra a Covid-19 também esteve na ribalta, devido às desigualdades assassinas que encerra a distribuição dessas vacinas.
Apesar de insistentes apelos em tempo oportuno da UA, do Papa Francisco e do Presidente americano, Joe Biden, a favor da liberação das patentes das vacinas, a União Europeia sempre se opôs a isso, contribuindo, desta forma, para as baixas taxas de vacinação que África apresenta.
No início de Fevereiro, apenas 11% da população africana estava totalmente vacinada contra o coronavírus - muito menos do que nos países europeus, onde vastas e caras campanhas de inoculação atingiram a maioria das suas populações.
Só agora, quando a pandemia se encaminha para endemia, quando a população europeia já está inoculada com mais de duas doses e as farmacêuticas já pouco lucrarão com a Europa é que surge a "autorização" para alguns países africanos produzirem as em Bruxelas vacinas contra a covid-19.
Durante a realização da Cimeira UE-UA, a Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciou que seis países africanos - África do Sul, Egipto, Nigéria, Quénia, Senegal e Tunísia - seriam os primeiros do continente a receber a tecnologia necessária para produzir essas vacinas.
É neste quadro que o líder da Serra Leoa, Julius Maada Bio, desafiou, em Bruxelas, os europeus a lembrar que existem "seres humanos do outro lado" (em África) que foram deixados para trás na resposta global desigual à covid-19. "Sentimo-nos excluídos", disse, ao mesmo tempo que questionava "somos parceiros iguais nisso"?
Também sobre a pandemia, o Rei Mohammed VI de Marrocos apontou em Bruxelas a forma egoisticamente desumana como a Europa trata os imigrantes africanos que a pandemia veio categorizá-los de "essenciais".
"Finalmente, a pandemia demonstrou que, em termos de mobilidade, os migrantes não prejudicam a economia. Eles têm até um impacto positivo para os países de acolhimento, onde muitas vezes são trabalhadores essenciais", disse o monarca marroquino, que lidera o organismo da União Africana que trata dos assuntos migratórios.
O processo de restituição das obras de arte africana em posse dos europeus, "uma alta prioridade" para o continente, continua sendo outro pomo de discórdia entre europeus e africanos.
As obras de arte "fazem parte da nossa identidade civilizacional. Se queremos construir uma nova ética relacional Europa-África, baseada no respeito e reconhecimento da verdade histórica, devemos consolidar o trabalho já iniciado na direcção das recomendações do Relatório Savoy-Sarr", disse o presidente da União que quer um processo mais rápido.
O Continente, que "tem suportado suficientemente o peso da História, pretende, finalmente, libertar-se desse fardo, ser aceite e respeitado como parte da nova dinâmica que governa a governança global e forja o destino comum da humanidade", concluiu Macky Sall, em nome dos povos africanos.
Olhando para África como o continente com maior crescimento demográfico e com metade da sua população com menos de 20 anos, o Rei de Marrocos disse aos anfitriões que, entre as prioridades africanas para a parceria com a Europa, figuram "garantir a educação, acelerar a formação e a empregabilidade dos nossos jovens, promover a cultura, ordenar a migração e a mobilidade".
"Porque a verdadeira riqueza da parceria entre a União Africana e a União Europeia não é reunir 81 países, é comprometê-los resolutamente com a paz, estabilidade e prosperidade compartilhada, ou seja, para o futuro de todos os cidadãos, africanos e europeus", rematou Mohammed VI.