Elvino Dias, advogado, principal assessor jurídico do candidato presidencial Venâncio Mondlane (opositor que tira o sossego ao partido libertador) e Paulo Guambe, mandatário do partido PODEMOS, foram barbaramente assassinados com 25 tiros, na madrugada de 19 de Outubro.

Disparos feitos por dois indivíduos que circulavam em duas viaturas oficias e usaram armamento das Forças de Defesa e Segurança de Moçambique para o bárbaro assassinato.

Dias e Guambe trabalhavam na organização do processo para contestar os resultados oficiais das eleições de 09 de Outubro, apresentados pelas Comissões Provinciais de Eleições e que atribuem à FRELIMO uma maioria qualificada com 193 dos 250 deputados do Parlamento moçambicano.

Os resultados, contestados por toda a oposição e pelos observadores da sociedade civil, consagram também uma vitória folgada ao candidato presidencial do partido no poder, Daniel Chapo, e os segundos lugares a Venâncio Mondlane e ao PODEMOS, muito longe dos primeiros.
Graça Machel, carinhosamente tratada por Mamã Graça, viúva de Samora Machel, antes de qualquer reacção do Governo ou da FRELIMO, sacudiu os políticos, ao afirmar, logo de manhã, que não se pode "fazer de conta que não aconteceu nada".

Primeiro membro do seu partido a condenar o duplo homicídio, Mamã Graça falou na abertura da cerimónia alusiva aos 38 anos da morte de Samora Machel, na sequência da queda, em Mbuzini (África do Sul), do avião que o transportava de Mbala (Zâmbia) para Maputo, de regresso de uma cimeira da então Linha da Frente sobre a Luta pela Libertação da África Austral.

A viúva de Samora Machel falou em estranhas coincidências "que não são só coincidências", sublinhando que "nós não podíamos aqui, neste acto público, fazer de conta que não aconteceu nada. Aconteceu sim, e toca-nos a nós".

O assassinato ocorre num momento de tensão pós-eleitoral com toda a oposição e observadores nacionais a recusarem os resultados apresentados que contrariam as actas e editais em posse da oposição. Editais que dão vitória ao PODEMOS (Povo Optimista para o Desenvolvimento de Moçambique) e ao seu candidato presidencial, Venâncio Mondlane.

Desde 09 de Outubro, a oposição, a sociedade civil e os media de capitais privados têm divulgado vídeos, fotos e outros dados, atestando irregularidades no processo eleitoral, nomeadamente enchimento de urnas com boletins a favor da FRELIMO e do seu candidato presidencial.
Denúncias feitas, inclusive, por destacados membros da FRELIMO, como o histórico Jacinto Veloso, que, em declarações ao semanário moçambicano Savana, pediu o fim de tais práticas. "É preciso acabar com o enchimento de urnas", disse.

Adulteração de actas e editais eleitorais, bem como aliciamento ou suborno de delegados de mesas eleitorais de partidos na oposição, também fazem parte das irregularidades que compõem aquilo a que os moçambicanos chamam de mega-fraude.

Diante deste cenário, com as instituições de gestão das eleições desacreditadas, sobretudo depois das autárquicas de 2023 em que vários tribunais distritais deram razão à oposição na denúncia de fraude eleitoral, o clima de instabilidade pós-eleitoral acentuou-se.

Com o autoproclamado vencedor das presidenciais, Venâncio Mondlane, aliado da extrema direita bolsonarista e europeia, a mobilizar a multidão de jovens que o acompanha para greves e concentrações de rua contra os resultados oficiais e provisórios, a tensão tomou contornos perigosos para a preservação da estabilidade.

Os confrontos entre manifestantes pró-Venâncio Mondlane e a Polícia que usou gás lacrimogéneo e balas reais para dispersar os jovens que na última segunda-feira protestaram nas ruas contra o homicídio de Elvino Dias e Paulo Guambe serviram para agudizar as dificuldades do processo eleitoral.
Num país com graves problemas sociais, como a elevada taxa de desemprego jovem, Mondlane, carismático, dissidente da RENAMO, proclamando ideais e palavras de ordem de Samora Machel, consegue, facilmente, através das redes sociais, mobilizar centenas de milhares de jovens para a sua causa.

A indignação e a condenação do duplo assassinato abrangem todos os quadrantes da sociedade moçambicana, onde domina a percepção de se tratar de um assassinato por razões políticas. Uns, como a oposição e os independentes, dizem-no abertamente e outros, próximos do poder, através de entrelinhas.

Em contraste com políticos, incluindo membros do seu partido e Governo, jornalistas, activistas, académicos, intelectuais, artistas e outros que manifestaram a sua repulsa ao vil assassinato, Filipe Nyusi, Presidente do país e da FRELIMO, manteve-se em silêncio, pelo menos nos primeiros dias após o crime.

Por exemplo, Eliana Nzualo, uma referência da nova geração de escritores moçambicanos, num notável artigo publicado nas redes sociais, interroga-se "como responder pacificamente a um Estado que só sabe usar da violência?"

Afirmando que ignorar a vontade de milhões de cidadãos que se fizeram às urnas é violência, a escritora denuncia que "quando queremos marchar, somos baleados, quando falamos sobre a Constituição, somos baleados, quando queremos contestar eleições, somos baleados". Por isso, interroga: "que resposta pacífica é possível perante tamanha(s) violência(s)?"

Para além de Venâncio Mondlane e o PODEMOS, o MDM e a RENAMO, um dos maiores derrotados dessas eleições, também condenaram o duplo homicídio, exigindo uma investigação célere e transparente.

A FRELIMO e o seu candidato, omitindo a condição política dos assassinados, igualmente condenaram o "acto macabro". Chapo considerou a barbaridade de "uma afronta à democracia".

Da sociedade civil, destacam-se as condenações da Ordem dos Advogados de Moçambique, Comissão Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), as plataformas de observação eleitoral Mais Integridade e Sala da Paz. Na opinião das duas últimas, o duplo homicídio constitui "uma ameaça ao estado de direito, à integridade do processo democrático e ao pleno exercício dos direitos políticos e civis".

No plano internacional, para além do secretário-geral da ONU, António Guterres, as condenações dos países ocidentais financiadores do Orçamento Geral de Estado Moçambicano não se fizeram esperar. A União Europeia lembra aos poderes moçambicanos que "numa democracia, não há lugar para assassinatos com motivações política".

Antes, outro financiador, Washington, advertiu às autoridades de Maputo que "os eleitores merecem um apuramento de resultados credível e transparente que respeite com precisão os seus direitos constitucionais de escolherem os seus líderes".

Dentro da sua estratégia de conquistar regiões de influência da URSS/Rússia em África, os Estados Unidos têm-se mostrado cada vez mais atentos aos desenvolvimentos da situação moçambicana e regional.

Já depois do assassinato de Dias e Guambe, a missão de observação eleitoral da União Europeia, numa declaração em Maputo, assegurou ter constatado "irregularidades durante a contagem e alterações injustificadas dos resultados eleitorais a nível das assembleias de voto e distrital".

Em consequência, apelou aos órgãos eleitorais para que "conduzam o processo de apuramento de uma forma transparente e credível, assegurando a verificação dos resultados das mesas de voto".
Neste contexto, as advertências de Washington e seus aliados da UE podem representar a antecâmara de um envolvimento directo dos Estados Unidos no desfecho do conflito pós-eleitoral que se agudiza diariamente.

O comunicado dos americanos a exigir resultados que respeitem com precisão os votos dos moçambicanos faz lembrar um outro, de 2021, relacionado com as presidenciais da Zâmbia, outro membro da SADC.

Em vésperas das presidenciais zambianas, a Administração Biden ameaçou que responsabilizaria todos os zambianos que minassem os processos eleitorais e se envolvessem "em comportamento fraudulento ou corrupto" ou violassem "os direitos democráticos e os fundamentos de eleições livres".

Na ocasião, circulavam informações em diferentes meios, segundo as quais o Presidente cessante, o carismático Edgar Lungu, adulterara o escrutínio, usando tácticas de intimidação e registando mais eleitores nuns círculos que em outros.

Apesar de ter transformado Angola na sua jóia da coroa da África Austral, com as dificuldades no relacionamento com a África do Sul, importante parceiro da Rússia e membro dos BRICS, os EUA precisam de assegurar a sua influência sobre outros países para ter o domínio da região.

A erosão de partidos libertadores que adoptaram uma prática política diferente dos princípios enunciados e que deixaram de trabalhar para ter o "Povo no Poder" (Samora Machel) e ignoram que "o mais importante é resolver os problemas do Povo" (Agostinho Neto) é uma realidade com resultados visíveis.
Portanto, consciente de que quanto mais frágil for a legitimidade, os ideais políticos e ideológicos dos protagonistas do Poder, mais fácil se torna a subjugação a impérios e máfias, o Presidente sul-africano, há dias, mandou recados aos seus irmãos regionais, afirmando: "Os países devem aprender a respeitar a vontade dos povos. O ANC está na posição em que está porque o Povo assim quis".