Apesar de se tratar de um fim de ciclo que encerra os dez anos do consulado do ainda Presidente, no País não há sequer um ambiente de pré-campanha, contrariamente ao que tem sido norma em vésperas de mudança de inquilino na Ponta Vermelha, palácio presidencial.

Consequência dessa situação, na FRELIMO, partido governante desde a proclamação da Independência (1975), e, por isso, com maiores responsabilidades políticas, bem como na sociedade em geral, a questão da sucessão de Nyusi, tem provocado muita agitação.

O Presidente vai protelando o assunto, mas outros barões e baronesas do Partido manifestam-se publicamente contra a estratégia do líder a quem acusam de, com a sua atitude, secundarizar os interesses da FRELIMO e da sociedade.

É o caso do antigo ministro de Samora Machel, Óscar Monteiro, tido como reserva moral e ética da FRELIMO, que levantou a questão de forma enfática numa reunião da Associação dos Combatentes da Luta de Libertação Nacional (ACLLN), uma das quatro organizações sociais da do partido.

Nesse encontro, um dia antes da III sessão do Comité Central (CC) da FRELIMO, Óscar Monteiro, dirigindo-se ao ainda líder, manifestou-se contra a agenda da ACLLN, centrada em "questões administrativas", deixando de fora a sucessão de Nyusi, um tema a que apelidou de "elefante no meio da sala".

"Esta agenda toca questões internas e organizativas da nossa associação e esses pontos têm de ser debatidos de tempos em tempos, mas não podem ignorar as questões mais importantes que o país tem que enfrentar", disse, apontando a sucessão do poder na FRELIMO e a escolha do candidato para as presidenciais como o tema mais importante que devia ser debatido no encontro.

A intervenção de Óscar Monteiro, para quem o partido está "demasiado atrasado", suscitou o debate dentro da FRELIMO e na sociedade, mas, apesar disso, o CC (250 membros) não apresentou qualquer proposta de pré-candidatos, nem uma data concreta para o partido anunciar o seu candidato ou a sua candidata.

No final dessa reunião do CC, Filipe Nyusi limitou-se a dizer que "a Comissão Política submeterá ao Comité Central as propostas referentes às candidaturas da FRELIMO a Presidente da República o mais breve possível, tendo em conta o calendário eleitoral".

Com isso, o órgão máximo do partido entre congressos deu razão a Óscar Monteiro que criticamente considerou que o Comité Central da FRELIMO "não se tem mostrado à altura" dos actuais desafios políticos do país.

A posição de Monteiro surge depois de Samora Machel Júnior (Samito), filho dos heróis Josina e Samora Machel, primeiro Presidente do país, ter manifestado a sua disponibilidade para ser indicado pela FRELIMO como candidato à Presidência da República.

Nesse manifesto, Samito, membro do CC, sublinha que a sua candidatura assenta na "busca da paz, respeito à diversidade e à diferença, promoção da inclusão, igualdade e dignidade humana e no crescimento económico de Moçambique para garantir um ambiente propício ao desenvolvimento económico e social, com especial atenção à criação de empregos para jovens e assistência aos mais necessitados".

O filho de Samora Machel anunciou a intenção de se candidatar fora das estruturas do partido, mesmo sabendo que não cai nas graças de Nyusi que controla com mãos de ferro um CC dominado por indefectíveis seus.

Num partido em que para alguém se candidatar a qualquer cargo, segundo o seu secretário-geral, não "deve ser voluntário", mas deve esperar que outros digam "que você dá para ser candidato", porque "nós (a liderança do partido) é que devemos querer", Samito, 54 anos, tem poucas chances de ser o escolhido do partido.

Consciente de que no actual e desigual sistema político, o candidato da FRELIMO será o Presidente da República, a opinião pública também tem pressionado insistentemente o partido governante para que divulgue urgentemente a sua escolha.

Mas, Nyusi, indiferente às pressões de dentro e fora do seu partido, vai dando mostras de estar mais preocupado com o seu the day after presidência, sua segurança e protecção e da sua família quando sair do poder, bem como o seu legado.

Nyusi quer, objectivamente, evitar que aconteça consigo o que se passou com o seu antecessor, Armando Guebuza, que, depois da presidência, teve de se sentar no tribunal como testemunha no julgamento do caso das dívidas ocultas que condenou um dos seus filhos e alguns dos seus mais directos colaboradores, mormente a sua secretária pessoal.

A preocupação do ainda PR de Moçambique terá adquirido outra dimensão na sequência de recentes declarações do antigo ministro moçambicano das Finanças, Manuel Chang, que a partir dos EUA, responsabiliza Filipe Nyusi, então ministro da Defesa, pelas dívidas ocultas.

Segundo o Centro de Integridade Pública (CIP), ONG moçambicana que tem acompanhado o caso, nos EUA, para onde foi extraditado no âmbito desse processo, Chang tem negado todas as acusações e endossado a Filipe Nyusi as culpas pelas dívidas que lesaram o Estado moçambicano em mais de dois mil milhões de dólares.

O antigo ministro das Finanças começa a ser julgado a 29 de Julho, em Brooklin, EUA, em pleno período de campanha para as sétimas eleições presidenciais e legislativas, as segundas para governadores provinciais e as quartas para as assembleias provinciais, em Moçambique.

Nyusi quererá, também, evitar que se repita consigo o episódio que manchou o legado de Joaquim Chissano que, depois de abandonar a presidência, viu Almerino Manhenje, seu ministro do Interior, ser condenado a dois anos de prisão, por corrupção praticada no exercício do cargo.

Perante isso, ao actual líder da FRELIMO só resta redobrar as cautelas em relação ao seu futuro próximo e condicionar a escolha do sucessor a alguém que lhe garanta protecção.

A turbulência partidária atinge também a Renamo, principal partido da oposição que entrou em "guerra civil", depois de Venâncio Mondlane, deputado, um populista e mediático político, ter desafiado a amorfa liderança de Ossufo Momade, um general forjado na guerra civil, desencadeada pela Renamo contra o Governo da FRELIMO, com apoio dos regimes racista de Ian Smith da Rodésia e do apartheid da África do Sul.

Pastor da Igreja Evangélica, apesar de ter nascido em Lichinga, Niassa (norte), Mondlane, conotado como do sul (origem da sua família), anunciou a sua intenção de concorrer à liderança do seu partido e, consequentemente, candidatar-se à Presidência da República, seu novo objectivo, depois de fracassada a sua eleição para presidente do Conselho Municipal da capital, Maputo.

O deputado da Renamo submeteu ao tribunal duas providências cautelares contra Ossufo Momade, exigindo a marcação do congresso para eleger novos órgãos do partido, gesto que fez azedar ainda mais o ambiente interno na Renamo.

Mesmo sendo muito popular, sobretudo junto da juventude (maioria da população e do eleitorado), Venâncio Mondlane terá muitas dificuldades em vencer o congresso de um partido em que os líderes são do centro-norte, num país com divisões étnicas e regionais acentuadas, incluindo na política.

Se é certo que, no actual contexto político, o/a próximo/a Presidente da República sairá da FRELIMO, também é verdadeiro que o/a vencedor/a herdará um país com gigantescos problemas para resolver.

Entre esses problemas destacam-se a guerra movida pelos terroristas jihadistas, em Cabo Delgado, uma das províncias que consta das listas de corredores de droga, crise económica e social, níveis de pobreza elevados, dois milhões de crianças fora do sistema de ensino e desigualdades políticas e sociais.

Nyusi deixa o país como um dos mais pobres do Mundo, no grupo de Estados com nível baixo de desenvolvimento humano que, de acordo com o relatório/2024 do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), ocupa um modesto 183.º lugar no ranking mundial, entre 193 países, com uma pontuação geral de 0,461, abaixo da média da região da África Subsaariana de 0,549.

O quarto presidente de Moçambique fica negativamente marcado por ter subestimado, de início, os ataques jihadistas, bem como ter sido beneficiário da "megafraude" eleitoral nas autárquicas do ano passado, as mais contestadas eleições de sempre, eivadas de irregularidades condicionantes dos resultados.

Contudo fica positivamente na História por ter conseguido desarmar a Renamo, evitar a falência do Estado, em 2015, quando os doadores internacionais se retiraram e por nomear mais mulheres para os espaços de Poder, nomeadamente formando um dos raros governos com paridade de género em África e um parlamento com 43% de mulheres.

Se escolher uma candidata, a FRELIMO, liderada por Nyusi, será o primeiro partido de Poder na África austral a colocar na presidência do país, através do sufrágio directo, uma mulher e o segundo no continente africano, depois do Partido Unido de Ellen Johnson Sirleaf, Presidente da Libéria entre 2006 e 2016.