No nzoji, verifiquei que ambas são juristas e originárias de famílias de Malanje. Também constatei as diferenças em termos políticos, religiosos e geracional.
Carolina Cerqueira, sobrinha do cardeal Alexandre do Nascimento, é de uma família com peso na hierarquia da Igreja Católica, já Mihaela Webba, corista da Igreja Central de Luanda, faz parte de uma família estruturante da Igreja Metodista de Angola.
No meu ndozi, Mihaela Webba, deputada, constitucionalista e docente, fora escolhida pelo seu partido, em nome do equilíbrio geracional, étnico-regional, político-religioso e de género, e também pela sua popularidade junto do eleitorado jovem e feminino, incluindo entre eleitores do MPLA.
O partido de Mihaela Weba tivera em conta o facto de cerca de 60% do eleitorado nacional ser constituído por jovens com menos de 35 anos, segmento etário que comporta a maior mobilização para o voto.
Jovens de uma geração muito inteligente, consciente e muito bem informada, com presença permanente nas redes sociais, bons conhecimentos sobre o que se passa em democracias e que enfrentam a elevadíssima taxa de desemprego de 58%.
A escolha de Carolina Cerqueira, jornalista, ministra de Estado para a Área Social, com longa carreira política, teria sido para mostrar equilíbrio de género e étnico-racial, bem como apagar a imagem de partido com tiques racista e xenófobo, deixada pelo MPLA quando, em comunicado, "estrangeirizou" o líder da UNITA.
Ao optar por Carolina Cerqueira, o MPLA teria tido em conta a longa experiência e maturidade políticas da candidata e também a sua facilidade em estabelecer relações fora da limitada área do seu partido e capacidade para construir pontes internamente, em África e no Mundo.
No kulota tchami, as listas dos círculos nacional e provinciais dos dois partidos, ordenadas pelo método zebra: um homem, uma mulher sucessivamente, tinham igual percentagem (50%) de candidatas e candidatos. Por outro lado, nove dos 18 círculos provinciais eram liderados por mulheres.
Reflexo da feminização da migração angolana, tal como a nível mundial, nas candidaturas da Diáspora, a predominância das mulheres era visível.
Nos círculos no exterior, estavam em disputa três parlamentares por África, o maior círculo eleitoral diaspórico, dois pela Europa e um pelo resto do mundo.
Assim, as candidaturas nacional, provinciais e diaspóricas garantiam, previamente, a formação de um parlamento paritário e afastavam definitivamente a sombria cifra de 27% de mulheres da actual legislatura.
Se nas eleições de 2017, quanto mais próximo do poder estava um partido, mais longe surgia o nome da primeira mulher, em 2022, as mulheres ombreavam com os homens nas listas, facto que mereceu aplausos em todo o mundo.
Em todas as listas, as candidatas e os candidatos, escolhidos a dedo, eram conhecedores e respeitadores da História de Angola e verdadeiros amantes da cultura nacional na sua pluralidade.
Nos seus programas, os dois partidos priorizavam a "desluandização" do País com uma distribuição equitativa de investimentos e criação de infra-estruturas sociais e económicas em todas as províncias.
A "desluandização" do País e o combate às assimetrias regionais já tinham começado com a redução do círculo eleitoral nacional dos actuais 130 para 74 deputados e o aumento de deputados dos círculos provinciais de 90 para 140, distribuídos proporcionalmente.
Por isso, o círculo da Huíla, segunda província mais populosa do País, com quase três milhões de habitantes, elegia mais deputados que o Bengo que tem menos de quatrocentos mil habitantes.
Com a alteração da forma de compor as listas eleitorais, o País deixaria de ter, pela primeira vez na sua História, todos os cargos mais importantes da representação do Estado ocupados por homens.
O debate entre as duas candidatas girava à volta das promessas eleitorais dos seus partidos, nomeadamente o lugar da mulher como pedra angular do desenvolvimento humano. A mulher zungueira, a técnica, a camponesa, a artista, a cientista, a política, a mãe e a intelectual.
Muito semelhantes, mas diferentes nos caminhos para a sua efectivação, os programas dos dois partidos, assentes na dignidade humana, tinham a educação como motor principal do desenvolvimento do País.
Ainda no sonho, os investimentos na Educação e na Saúde eram superiores aos destinados à defesa e segurança. Para além de uma forte componente científica e humanista, os programas de Educação incluíam, desde o ensino básico, o estudo da História de Angola e de África, as línguas nacionais e o inglês como disciplinas obrigatórias.
A universalização do ensino caminharia no sentido de "descolonizar a cabeça do povo", como refere a brilhante escritora moçambicana Paulina Chiziane.
Desta forma, as crianças e jovens, desde cedo, aprenderiam os valores da liberdade, da responsabilidade e da democracia e estariam preparadas para o combate às injustiças e todas as desigualdades sociais, com destaque para a desigualdade de género.
No onjoi yu kãhi, as contendoras e as restantes candidatas das listas exprimiam livremente as suas ideias e defendiam de forma acérrima as liberdades e "uma cultura política de cidadania activa capaz de neutralizar a cultura de submissão e de autoritarismo", como tão bem defende o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos.
O público presente no debate, uma plateia representativa da população angolana, onde ponteavam as e os jovens e uma representante da diáspora, tinha direito a fazer perguntas às duas candidatas.
Ambas prometiam combater a doença da partidarite que corrói a sociedade e afirmavam, sem tibieza, preferir salvar o País, deixando cair o próprio partido do que o contrário.
Estavam determinadas a cerrar fileiras em torno da democratização do País, assente na separação, limitação e descentralização do poder.
Assim, apresentavam-se como defensoras da democracia representativa, do poder local como base de uma sociedade livre, democrática e assente em igualdades, bem como da conciliação da vida profissional e familiar como pressuposto fundamental da igualdade de género.
Sem precisar de papaguear as ideias dos chefes-homens para se afirmarem politicamente, prometiam não adormecer sobre a democracia, para que o País nunca mais acordasse numa ditadura e num retrocesso secular.
No meu "nzoji ya muhatu", as coloridas campanhas eleitorais dos dois partidos, focadas na cultura angolana, organizadas pelas próprias máquinas partidárias, sem recurso a estrangeiros e com gastos limitados, eram pedagógicas e, por isso, beneficiavam da adesão voluntária e massiva das populações em todo o País e na diáspora.
Os partidos aproveitavam a campanha para mostrar a dimensão, a heterogeneidade e as potencialidades de Angola, suas populações, valores culturais identitários e recursos naturais, num mosaico único e sem igual.
Na campanha alegre, sem ataques pessoais, as diferenças dos programas eram apenas programáticas, porque ambas as formações, impulsionadas pelas mulheres, tinham abandonado os seus egos, o populismo e a intolerância política para se centrarem na resolução dos problemas do País e do povo.
De acordo com os programas, os recursos do País seriam aproveitados de forma racional, inteligente e sustentada e serviriam para acabar com as assimetrias campo/cidade, assim como desenvolver a Agricultura, Pescas e Indústrias, assegurando a auto-suficiência alimentar e combatendo a pobreza.
A Educação e a Saúde seriam gratuitas, a igualdade de oportunidades defendida e incentivada e havia o compromisso do uso dos bens públicos com transparência e, por outro lado, uma permanente prestação de contas como regra.
Havia também um sistema universal de saúde que não deixaria ninguém para trás, assente no humanismo com o saneamento básico como um dos seus eixos estruturantes.
Justiça independente, clara separação entre os poderes político e judicial, com magistrados e juízes impedidos de ter filiação partidária e de exercer qualquer outra actividade remuneratória, excepto a docência, estavam garantidos nos programas.
Das centenas de candidatos a deputados, nenhum era empresário porque a lei e o código de deontologia proibiam essa acumulação e definiam claras incompatibilidades.
Todas e todos lutavam por uma sociedade socialmente equilibrada que esbatesse o fosso entre ricos e pobres, ao encontro das palavras do Papa Francisco: "Não há democracia com fome, nem desenvolvimento com pobreza, nem justiça na desigualdade".
Neste contexto, os dois partidos prometiam, para os primeiros 100 dias de governação, acabar com as crianças de ruas, como medida emblemática do combate à pobreza.
Prometiam também apoiar a constituição de uma sociedade civil forte e de uma comunicação social independente, plural, objectiva e livre, baseada na ética e deontologia, como pilares do regime democrático.
Embalada pela homenagem, de ontem (25 de Abril), feita pela deputada negra afro-portuguesa, Beatriz Gomes Dias, às mulheres e homens africanos que "não conquistaram apenas a liberdade para os seus Povos, (mas também) contribuíram para a libertação do povo português", indaguei porquê que não havia mulheres candidatas a Presidente de Angola.
E acordei perguntando: se fomos capazes de ajudar a libertar outros povos, porquê não darmos as mãos para nos libertarmos das desigualdades?