Enquanto se prepara para eleger o substituto de Costa à frente do Partido, o PS vai aplaudindo o aumento de vozes de políticos, magistrados, académicos e dos media que criticam a investigação do Ministério Público e pedem a demissão da procuradora geral da República, Lucília Gago.
Golpe de Estado, cabala, atentado ao regular funcionamento das instituições, "inventona" são algumas das caracterizações atribuídas ao processo relativo à exploração do lítio e hidrogénio verde, designado de operação "influencer", que provocou a queda do Governo e a anunciada dissolução do Parlamento pelo Presidente Marcelo Rebelo de Sousa.
Da operação resultam nove arguidos, entre outros, João Galamba, até então ministro das Infra-Estruturas, Vítor Escária, ex-chefe de gabinete do primeiro-ministro, o presidente da Agência portuguesa do Ambiente, Nuno Lacasta, o advogado e antigo porta-voz do PS, João Tiago Silveira, a empresa Start Campus e Lacerda Machado, amigo do ainda chefe do Governo.
António Costa é alvo de uma investigação do MP no Supremo Tribunal de Justiça, após suspeitos terem invocado o seu nome como tendo intervindo para desbloquear procedimentos nos negócios investigados, de acordo com a PGR.
No primeiro teste judicial, a acusação do MP foi chumbada pelo juiz de instrução que libertou os cinco arguidos, contrariando o Ministério Público que queria prisão preventiva para tais arguidos, e deixou cair os crimes de corrupção, resumindo o processo a tráfico de influência.
Perante as fragilidades da investigação da operação "influencer", a socióloga Maria de Lurdes Rodrigues, reitora do ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa e ex-ministra de Educação de um governo socialista, alertou para a "excessiva interferência da justiça na vida política".
Os fracos indícios que levaram o juiz de instrução a deixar cair as medidas propostas pelo MP são vistos por Vital Moreira, constitucionalista, professor catedrático e antigo eurodeputado pelo PS, como uma "legal warfare" (guerra jurídica) do Ministério Público contra os políticos, num país em que "mais de 70% dos processos que são levantados são inconclusivos", segundo denúncia da reitora do ISCTE.
"A montanha pariu uma formiga", disse Magalhães Silva, advogado de um dos arguidos, depois de ouvir a decisão do juiz de instrução. "Este processo acabou aqui", sentenciou o advogado para quem a investigação fica manchada com vergonha.
"A partir do momento em que o que está em causa é um tráfico de influências com as características menores que este tem, mais a obtenção indevida de vantagem, nada disto tem que ver, o que quer que seja, com o primeiro-ministro", assegurou Magalhães e Silva que rematou "esta decisão põe fim ao delírio do Ministério Público".
Ainda de acordo com o constitucionalista Vital Moreira, muito duro nas críticas e nas acusações, "a «inventona» judiciária malevolamente construída pelo Ministério Público começa a desmoronar-se, mas o golpe de Estado que ela consubstanciava foi muito bem-sucedido, acrescentando à demissão do primeiro-ministro e do Governo, a interrupção da legislatura e a convocação de novas eleições («cortesia» do PR), sem esperar por nenhuma avaliação judicial da solidez da construção imaginária do MP".
Enquanto a direita (PSD-Partido Social Democrata) e sua extrema (Iniciativa Liberal e Chega) se junta ao Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, na defesa do MP, evidenciando satisfação com a referida operação, vozes dentro da própria PGR, questionam a actuação das autoridades judiciárias.
Em artigo no jornal Público, a procuradora geral adjunta Maria José Fernandes questiona "como foi possível chegar até aqui", ou seja, "à tomada de decisões que provocaram uma monumental crise política e cujas consequências vão ainda no adro".
Também a procuradora Cândida Almeida, antiga directora do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), indagou a actuação da justiça e condenou o facto de a PGR ter divulgado o inquérito contra o primeiro-ministro.
Falando em "Democracia sufocada", Cândida Almeida, assegura, em artigo publicado no Jornal de Notícias, que "pela primeira vez na história da nossa liberdade assiste-se de forma grave e perigosa a uma negativa conexão entre a Justiça e a Política. Receio que a nossa democracia não esteja de boa saúde".
Neste contexto, Vital Moreira questiona se, depois desse primeiro chumbo judicial, "faz sentido manter em suspenso a outra peça do golpe de Estado ainda em curso, que é abertura de inquérito penal ao primeiro-ministro, quando o seu objetivo (a demissão) já foi conseguido"
Sublinhando que não há qualquer indício de corrupção em relação aos membros do Governo visados, o constitucionalista e professor catedrático acusa os procuradores do Ministério Público envolvidos na operação de transformarem uma simples operação de lobby empresarial num caso criminal.
Por seu turno, Miguel Sousa Tavares, jornalista e escritor, acusa a procuradora geral da República com o seu parágrafo "assassino", em que anuncia investigações ao primeiro-ministro, de "ser a responsável pela crise política, ao provocar a demissão de António Costa e ao dar ao Presidente da República a oportunidade de dissolver o Parlamento e interromper a legislatura".
Por isso, Sousa Tavares, que revelou não ter votado nesse Governo, pede a demissão de Lucília Gago líder do Ministério Público que produziu um comunicado "sem pés nem cabeça", na expressão de José Miguel Júdice, antigo bastonário da Ordem dos Advogados e ex-dirigente do PSD.
As sondagens mostram que a ideia de cabala argumentada por muitos fazedores de opinião e senadores da política portuguesa está a fazer caminho junto da opinião pública, justificando, dessa forma, a liderança do PS nas sondagens, a três meses das eleições e antes dos socialistas escolherem para líder Pedro Nuno Santos, deputado e antigo ministro das Infra-estruturas ou José Luís Carneiro, actual ministro de Administração Interna.
As sondagens também evidenciam o PSD de Luís Montenegro incapaz de descolar e atingir a preferência dos portugueses para governar Portugal o que pode significar que o centro político do País, que decide as eleições, acompanha as teorias da conspiração.
Tudo indica que o grande vencedor da realização de eleições antecipadas será a extrema direita racista e xenófoba que vai crescer também porque beneficia de um processo de normalização encetado pelo PSD.

Abarcando muito do voto de protesto, os populistas do Chega encontram na realização de eleições na sequência de uma investigação judiciária, alegadamente contra a corrupção no Governo e envolvendo personalidades próximas do primeiro ministro e o próprio, como o estandarte da sua campanha.

Num momento em que a economia portuguesa dá sinais de recuperação com o rating do País a subir, passando de Baa2 para A3 com perspectiva "estável" (de acordo com Moody"s, terceira agência a rever em alta a notação do País este ano), e que Paul Krugman, prémio Nobel da Economia, classifica Portugal como um "milagre económico", a realização de eleições antecipadas pode resultar num berbicacho susceptível de criar uma crise económica de consequências imprevisíveis.

Os dados disponíveis assinalam que nenhum partido conseguirá vencer por maioria absoluta, o que significa que governará quem conseguir formar uma coligação maioritária no Parlamento.

Do lado da esquerda, os sinais, incluindo alguma contenção verbal entre adversários, mostram que será menos difícil uma coligação ou uma nova geringonça, sobretudo, se o vencedor anunciado das eleições socialistas, Pedro Nuno Santos, um dos principais obreiros da primeira geringonça, for o candidato a primeiro-ministro.

No caso da direita, o PSD vai precisar do Chega para governar e terá de ceder às exigências dos populistas que querem titular ministérios estruturantes, nomeadamente Agricultura, Justiça, Administração Interna e Segurança Social para aplicar a sua política racista e xenófoba e contra imigrantes e ciganos e outros segmentos mais vulneráveis da sociedade.

Sem o Chega não há Governo de direita, dizem as sondagens e com o partido de Ventura no executivo português, pelo seu comportamento e políticas, a instabilidade governamental permanente está garantida.
Assim, à crise europeia, por causa da guerra na Ucrânia, Portugal vai juntar uma crise política e económica interna e uma crise de regime suscitada pela operação "influencer", criando uma tempestade perfeita.