Com um pesadelo diplomático para o qual não vê nem existe solução fácil no Sahel, o coração da velha FranceAfrique, denominação com peso negativo para Paris, onde países como o Mali e o Burquina Faso estão em rota de colisão com a antiga potência colonial, o Presidente Macron optou por mudar a agulha e virar o seu "perfume" para a região centro-sul do continente.

E foi isso mesmo que o próprio explicou na segunda-feira, em Paris, ainda no Palácio do Eliseu, onde, num preâmbulo para este "tour", explicou que a França vai iniciar uma nova fase da sua ligação ao continente africano, com menos presença das suas forças militares, com a redução da dimensão das suas bases, e com uma nova postura que privilegia a cooperação entre iguais.

A mudança, garantiu, vai ser visível já nos próximos meses de forma clara e inequívoca, porque, percebe-se pelas palavras de Emmanuel Macron, sendo este um passo considerado pela diplomacia francesa fundamental para combater um crescente sentimento antifrancês que vem ganhando tracção nos últimos anos.

A redução da presença militar tem por detrás a convicção de que esse é um ponto claramente dissidente da razão de Paris e a percepção em muitos países africanos, especialmente nas suas antigas colónias, começando Macron por anunciar que, nas bases que ainda possui em África, não só o número de militares franceses vai decrescer como irá aumentar a presença de militares nacionais desses países num processo que culminará com a transformação desses aquartelamentos em espaços partilhados sem distinção.

Esta "reorganização" da presença militar francesa em África "vai ser percebida já nos próximos meses com uma evidente redução em números de militares franceses e o aumento dos parceiros africanos", garantiu Macron no Eliseu, em Paris, antes de iniciar mais um "tour" africano.

No entanto, por detrás desta "humildade" francesa, que Emmanuel Macron disse que tem de ser ainda mais evidente, está, em pano de fundo, uma procura de mudar de "armas" no combate pela influência no continente onde russos e chineses parecem estar a levar a melhor sobre franceses e norte-americanos devido a uma nova consciência africana de que as potências ocidentais nunca procuraram uma parceria entre iguais mas sim condições para manter livre o acesso aos recursos naturais abundantes no continente e, nalguns sectores, únicos, como é o caso do coltão, um minério essencial e estratégico para as novas tecnologias onde 80% das reservas mundiais conhecidas estão na RCC.

Neste combate, o francês Le Journal du Dimanche publicou um artigo onde, sobre a passagem de Macron pela RDC, avança que o Presidente procura aproveitar um mal estar crescente das autoridades de Kinshasa com a China, que conta já com o controlo de perto de 70% dos recursos dos subsolo congolês, claramente um dos mais ricos do mundo em minerais e terras raras, devido a um alegado "desequilíbrio" persentido pelo Presidente Félix Tshisekedi na exploração destes recursos por Pequim.

O que está por detrás desta visita de Macron a Kinshasa é, segundo este jornal francês, lançar os alicerces para um novo patamar de investimento francês na RDC, que poderá ser bem visto por Kinshasa, como o afirmou o porta-voz do Governo congolês, Patrick Muyaya, dizendo que a RDC busca novas formas de parceria mais mutuamente vantajosas que as que existem actualmente.

No entanto, Muyaya apontou igualmente que Kinshasa tem como prioridade estratégica resolver o problema da violência no leste do país, junto às fronteiras com o Ruanda e o Uganda, onde pululam dezenas de grupos armados, entre guerrilhas e milícias, que há mais de 30 anos aterrorizam as populações locais de forma a manter a região caótica para que interesses estrangeiros ali explorem ilegalmente os recursos ricos do subsolo, como o coltão, cobalto, ouro, diamantes...

E, provavelmente, esse será um dos temas mais relevantes para a conversa que Macron vai manter com o Presidente João Lourenço, quando chegar a Luanda, na sexta-feira, onde só vai estar umas horas, depois de chegar do Gabão, porque Angola mantém há anos uma voz forte e ouvida sobre a questão da violência nos Grandes Lagos, sendo o Presidente angolano o "campeão" para a paz e a estabilidade na voz da própria União Africana.

Em pano de fundo, Macron e João Lourenço, assim como o fará antes com o Presidente gabonês, Ali Bongo, e depois, em Brazzaville, com Denis Sessou-Nguesso e com Tshisekedi, em Kinshasa, terão de falar sobre a questão ucraniana e a "luta" de galos com os russos, que, através do seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov, tem circulado pelo continente com afinco e atenção às movimentações uns dos outros.

Isto, porque, além do acesso aos recursos africanos, o continente tem actualmente outro "recurso" que interessa às grandes potências ocidentais e asiáticas, que é a sua voz nas organizações internacionais, como as Nações Unidas, no contexto de combate entre blocos por uma "nova orcde mundial" como Pequim e Moscovo não escondem procurar, alterando-a para um novo patamar de decisão planetário entre iguais e condicionado pela cooperação entre iguais, enquanto Washington e os seus aliados do "ocidente alargado" visam manter o actual "baseado em regras" definidas na segunda metade do século XX, porque essa é a melhor ferramenta ao serviço dos seus interesses.

Por exemplo, o site AfricaNews começa uma notícia sobre este "tour" de Macron afirmando que Macron visa com esta investida em quatro nações conter a crescente influência russa e chinesa no continente.

Mas nas suas palavras iniciais ainda em Paris, Macron também não esconde que procura recuperar o tempo perdido ao admitir que de ora em diante a França tem de ser " profundamente mais humilde face ao que está em jogo no continente africano".

A situação, acrescentou, "não tem precedentes na História, lidando ao mesmo tempo e urgentemente com desafios vertiginosos, desde a segurança e as alterações climáticas ao desafio demográfico, com os jovens que exigem um futuro que devemos garantir para cada um dos Estados africanos".

Notou, todavia, que se recusa a deixar-se envolder em "disputas datadas entre potências pelo controlo de África", naquilo que pode ser resultado da sua nova postura marcada pela "profunda humildade", mas que será testada já nestes dias durante as conversas que mantiver com os seus homólogos dos quatro países que vai visitar.

"Ordre du jour" Luanda

Na sua passagem por Luanda, o Presidente francês vai ser homenageado numa sessão solene na Assembleia Nacional no dia 2 de Março, no mesmo dia em que manterá um encontro com o Presidente João Lourenço, estando o resto do tempo que vai estar na capital angolana por conhecer, embora pouco deva acontecer porque Macron deixa o país nesse mesmo dia.

Macron já esteve de viagem marcada para Luanda em 2020, mas foi obrigado a cancelá-la devido à pandemia de covid-19.

França é, de resto, um dos grandes investidores estrangeiros no País, com a multinacional petrolífera Total e a Castel, fabricante de cerveja Cuca, a liderar a lista das maiores empresas presentes no mercado angolano.

Angola, segundo o Presidente francês, "faz parte dos países prioritários em África", com os quais a França quer desenvolver as suas relações bilaterais.

A França, através da petrolífera Total, é um dos grandes investidores estrangeiros em Angola e, no sector petrolífero, onde se concentra o seu principal negócio, é uma das multinacionais que mais está a investir no País, sendo ainda de referir o grupo Castel, no sector cervejeiro, onde é detentor, por exemplo, da Cuca.

Recorde-se que João Lourenço esteve em visita oficial à França em Maio de 2018, que foi a sua primeira visita oficial enquanto Chefe de Estado a um país europeu.

Logo no primeiro dia da sua visita, em Paris, Emmanuel Macron manifestou a Lourenço "todo o apoio às reformas".

"Dou todo o meu apoio às reformas iniciadas pelo Presidente Lourenço. A luta contra a corrupção, a facilitação de vistos para os empresários, homens de negócios ou assalariados e a reforma do quadro do capital da economia que permite limitar os constrangimentos e abrir a economia angolana a parceiros, investidores e actores económicos estrangeiros, a meu ver vão na boa direcção", afirmou Emmanuel Macron, citado pela Lusa.

Emmanuel Macron declarou-se "muito sensível" por João Lourenço "ter escolhido França para primeiro destino na Europa desde a sua eleição", manifestou-se "muito empenhado no reforço das relações entre França e Angola" e disse que se trata de uma "etapa suplementar para reforçar a cooperação em todos os domínios", incluindo o militar e de segurança marítima.