Tem havido boas análises sobre o acontecido, infelizmente, todas divulgadas através da comunicação social privada e das redes sociais, nenhuma na comunicação pública. Mesmo a assinada por Paulo de Carvalho, deputado do partido maioritário, o que deveria envergonhar os responsáveis pela mordaça que a silencia e pela sua mediocridade persistente. A propósito dos acontecimentos semelhantes de 10 de Janeiro de 2022, escrevi nesta coluna "... [a comunicação social pública] não informa, não educa, não estimula a pensar, não promove o diálogo, o debate e a cidadania, enfim, não cumpre o seu papel... talvez se tenha atingido o mais baixo nível de sempre desde a nossa independência". Tal como em 2022, ela contribuiu para a desinformação e para comportamentos na origem dos recentes desacatos. Chegará o dia em que o MPLA compreenderá como o papel da "sua" comunicação tem contribuído para a derrocada a que se assiste.

Não parece aceitável fazer, como se tem feito, críticas e acusações sem uma análise das razões que levaram às violações da lei e da ordem. Em Junho de 2023, o Executivo subiu o preço da gasolina de 160 para 300 kz e tentou mitigar os efeitos sobre a população mais pobre e sobre os operadores agrícolas e pesqueiros através da atribuição de cartões de débito. O processo foi tão desorganizado e corrompido que foi necessário suspender as medidas algum tempo depois. Entretanto, a inflação havia disparado. Como de hábito, o desastre não foi avaliado, a situação dos subsídios continuou insustentável e decidiu-se nova subida de preços, agora do gasóleo, que passou sucessivamente de 135 para 200 kz em Abril de 2024, para 300 kz em Março de 2025 e para 400 kz quatro meses depois. Num período inferior a um ano e meio, mais do que triplicou. Tudo isso sem explicações aos cidadãos e sem medidas de protecção às famílias mais carentes e ao sector produtivo. A declaração do ministro dos Transportes de que o aumento do preço do gasóleo não afectaria o preço dos transportes foi conversa fiada.
Segundo o ex-ministro da Economia e Planeamento Neto Costa - outro fazedor de opinião ignorado pelo sistema, apesar da qualidade das suas análises - a perda do poder de compra dos funcionários públicos, nos últimos quatro anos, é de 38%. Isto tem consequências imediatas no nível de vida de milhões de cidadãos, aumentando o desespero generalizado. E ao desespero há que juntar a indiferença dos governantes e das elites em geral perante o sofrimento das pessoas. Um governante afirmou recentemente que falar de pobreza extrema em

Angola é fazer o jogo dos incentivadores de tumultos e que não existe mais malnutrição aguda, ignorando que a desnutrição crónica em Angola teve um aumento histórico de quase 38% nos últimos 17 anos e o insuspeito Jornal de Angola, que, no seu número de 22/6/25, reporta a morte de 33 crianças, nos primeiros cinco meses, só na província do Cubango. Ignorando até que o Titular do Poder Executivo, em documento sobre a reestruturação do Programa de Desenvolvimento Local e Combate à Pobreza, define ser necessário reduzir a pobreza extrema de 31% para 27% até 2017. Tal afirmação e a ignorância inerente são indicadores claros dessa indiferença, da arrogância e do preconceito, digamos, de classe.

Neste contexto, com ou sem redes sociais, qualquer conspiração contra o governo angolano tem terreno fértil para germinar. Avisos não têm faltado, e nem mesmo a crescente impopularidade de João Lourenço - assumida igualmente por Paulo de Carvalho muito recentemente, é bom lembrar - tem obrigado o Presidente da República e o MPLA a reflectirem sobre as mudança por que a sociedade reclama. Pelo contrário, a insistência na desvalorização das manifestações, plasmada na entrevista do Presidente à CNN Portugal, na propagação de mais festas com ostentação pornográfica de um seu colaborador directo e na realização de despesas de prioridade mais do que duvidosa, só fizeram aumentar a falta de confiança da população no Executivo e a "raiva" dos jovens, principalmente os da periferia das cidades que já nada têm a perder, em relação aos privilegiados. Pensem, dirigentes do MPLA, por favor. Se o partido tivesse a popularidade de outrora, seria a população a denunciar os "agentes externos" e a impedir a vandalização de bens.

Na sua mensagem de 1 de Agosto, tardia e pouco apaziguadora, ao contrário do que compete a um Presidente de todos os angolanos, o Presidente da República disse que o Estado está a fazer o seu melhor para resolver os problemas sociais através de vários investimentos. A questão está aí. Primeiro que tudo, colocar o Estado no lugar do Executivo é um indicador de falta de rigor na separação dos papéis dessas instituições, o que origina o desrespeito pela autonomia dos diferentes poderes de Estado, confundindo os cidadãos e as instituições - um mal muito comum em África. Segundo, os investimentos referidos, apesar dos custos estratosféricos, não têm efeitos na melhoria das condições de vida da população, por muito que o Presidente insista em pensar o contrário. Depois, e o mais importante, se o Estado angolano, dominado como está por um partido, faz o seu melhor, então não podem os cidadãos ter confiança, nem esperança, na solução dos seus enormes problemas enquanto perdurar a presente fórmula.

As políticas públicas actuais têm de ser revistas. O Executivo não consegue sair da teia em que está enredado. Na já citada entrevista à CNN, o Presidente ressaltou o facto de os preços dos combustíveis serem dos mais baratos do mundo. Em contrapartida, os salários em geral estão no outro extremo. O Presidente fala de novas refinarias para que os combustíveis tenham menores preços, quando o que se exige é a elevação do poder de compra dos angolanos. O mesmo tipo de raciocínio levou à criação de mais municípios, com o argumento de aproximar os serviços dos cidadãos, quando o mais lógico, e menos dispendioso, seria dotar as antigas comunas dos serviços em causa.

O aumento do número de individualidades e de organizações a propor diálogo inclusivo e estabelecimento de um pacto, com diferentes adjectivações, para que Angola consiga vencer a actual crise, é de louvar. Um pacto pelo respeito da Constituição enquanto se prepara uma nova e que abarque a reconciliação e as amnistias que permitam, neste período de comemoração da independência, o reinício definitivo do País. Sem qualquer tipo de exclusão.