Senhor presidente, há muitas informações negativas sobre si postas a circular, para além de, na imprensa pública, os convidados tecerem várias críticas. Onde encontra forças para resistir?

Antes de mais, agradeço a oportunidade que me dão para esta entrevista. Dizer que a imprensa pública nunca me convidou para qualquer entrevista, também nunca utilizou o contraditório. Sei que, quando concorri à liderança da UNITA, tive um tratamento bastante diferenciado em relação aos meus colegas por parte dos órgãos de comunicação públicos. Senti que fui o único que foi atacado. Achei estranho como é que uma candidatura interna num partido [estava] a receber ataques da imprensa pública, só eu e mais ninguém, com uma preponderância partidária... Então, percebi que aquela candidatura incomodava o regime.

A verdade é que um tempo a seguir me veio demonstrar claramente que o regime não queria Adalberto [Costa] Júnior na liderança da UNITA, e creio que hoje essa é uma realidade que o País todo percebeu, na medida em que fui alvo de algo inédito em Angola, uma eleição democrática, absolutamente legítima, com múltiplas candidaturas, onde nenhum candidato interno protestou, rigorosamente nenhum, aliás, nem tinha como protestar, porque mesmo a organização do Congresso não tinha sido feita por ninguém ligado a mim. E, portanto, como é que, dois anos depois, eu vejo o congresso anulado? A leitura que tenho é que o regime queria, de facto, escolher o adversário político que liderasse a UNITA, o que é muito mau. Mas acabou por cometer um grande erro, porque projectou ainda mais a UNITA e a sua liderança.

A leitura que tenho é que aquilo acabou, sem dúvida, por conter muitos perigos, porque diria que aquilo de que fui alvo foi violento, não foi uma coisa de brincadeira, aliás, eu vi uma primeira página do vosso jornal publicar toda uma acção de que eu tinha sido informado uma semana depois da minha eleição. Eu nunca conversei com vossas excelências [jornalistas do Novo Jornal], nunca procurei ninguém, e foi interessante verificar que, um ano depois, praticamente da minha eleição, vocês publicaram aquilo sobre o qual fui informado uma semana depois, de que o Bureau Político [do MPLA] tinha sentado com os serviços de inteligência partidários e tinham definido toda uma estratégia para anular o meu mandato.

De onde vou buscar as forças? Das convicções que temos, naturalmente. No facto de que a vida nunca foi muito fácil para nós, foi sempre luta. Nunca recebi nada de borla, foi sempre trabalho, e, portanto, eu tinha o apoio da UNITA, em termos das suas bases, em termos da sua liderança, e isso a mim me dá muita tranquilidade. Senti a sociedade defender-me quando o Congresso foi anulado, porque não foi a UNITA que veio a público reagir ao Tribunal Constitucional, foi a academia, foi a Ordem dos Advogados [de Angola], foram muitos professores universitários, foram muitas elites da sociedade. O regime sente-se ameaçado pela nossa liderança, e a nossa liderança pode mesmo fazer a alternância.

A anulação do Congresso da UNITA mexeu muito consigo?

Não mexeu nada. Mexeu rigorosamente nada, porque estava anunciada há muito. Não é que eu não acreditasse que pudesse acontecer, mas eu estava pronto. Os regimes não democráticos podem fazer tudo. Indirectamente, aquilo acabou por promover ainda mais a imagem de Adalberto Júnior, sem dúvida nenhuma, mas é perigoso. Nem toda a gente provavelmente resistiria. Eu vi telejornais inteiros, de 30 minutos, atacar a pessoa do senhor Adalberto Júnior, dias seguidos.

Eu vi semanas seguidas a minha vida pessoal exposta, no âmbito público, serviços de inteligência comprarem pessoas, fazerem conferências de imprensa, umas atrás das outras. Correu muito dinheiro público aqui. Eu vi irem aos hospitais, tentarem subornar médicos a inventar agressões a jovens, para inventar uma série de questões (...), coisas inéditas, nunca tinha visto uma coisa do género. Tudo isso obrigou a muita concentração, mas não mexeu. Devo-lhes dizer que sou uma pessoa que lê tudo, do negativo àquilo que é positivo, mas preparámo-nos para essa questão.

Diante deste cenário, alguma vez pensou ou enviou uma carta a solicitar uma audiência ao Presidente da República, pela forma como os meios de comunicação social públicos o atacavam e/ou atacam?

Penso que é público, os senhores jornalistas sabem que, independentemente destes ataques, eu sempre procurei base de diálogo com o Presidente da República, pela responsabilidade extraordinária que tem. Nós fizemos no mínimo três cartas ao longo do mandato a solicitar audiências. Penso que também sabem que tive uma primeira audiência, e esta primeira audiência ajuda-nos até a entender a dinâmica do Estado e das instituições, desmentindo outras coisas a seguir. O que é que estou a querer dizer com isso? Eu fui eleito em Novembro de 2019, e a primeira audiência que eu tive com Sua Excelência Senhor Presidente da República foi a 5 ou 6 de Fevereiro [de 2020], antes de o Tribunal Constitucional (TC) ter reconhecido o Congresso da UNITA, portanto, a audiência do presidente da UNITA não tinha nada a ver com o reconhecimento do TC, porque o TC também não decide em nome dos militantes, apenas dá formato de legalidade do cumprimento do modo como se fez a eleição, porque a eleição em si não é competência das instituições, os partidos devem ter a garantia de independência dos seus membros para a escolha das suas direcções. O que é que estou a querer dizer? Estou a querer dizer que, depois disso, e os senhores devem ter acompanhado o longo período em que fui reeleito, em que o Presidente da República não recebeu o novo líder e demorou bastante a fazê-lo tomar posse dos órgãos a que a Constituição [da República de Angola] obriga. E naquela altura, justificavam estes atrasos com o facto de o TC ainda não se ter pronunciado. Mas não tem nada a ver uma coisa com a outra, tanto que sim, a primeira foi imediata. Estou aqui apenas a fazer um bocado de pedagogia, mas o que eu quero dizer é que a primeira recepção foi em Fevereiro, e entre esta anulação nós pedimos muitas vezes ao Senhor Presidente da República, porque achamos que o diálogo é fundamento, e porque achamos que o ambiente político criado não ajudava o País.

Não envolvia apenas a UNITA, envolvia um ambiente tenso transmitido para o País, muito negativo, transmitido para fora do País, uma vez que, de facto, de fora do País, também sentimos que toda essa realidade estava a prejudicar a imagem de Angola e, portanto, fomos nós que movimentámos várias vezes essa ponte, porque continuamos a pensar... mesmo hoje, se me perguntar se a vinte e poucos dias das eleições, faz todo o sentido sentar-se com a direcção do MPLA, eu digo que faz todo o sentido.

Faz todo o sentido porque nós temos responsabilidades, sem desprimor de ninguém. Eu penso que nós [MPLA e a UNITA] não podemos deixar de ter a responsabilidade histórica, e também a condição de termos uma aproximação das eleições e pós-eleições com um sinal de continuidade do Estado passado para dentro e fora do País. E aquilo que eu leio nos principais intervenientes nacionais e internacionais é que eles todos dizem que se houve a negociação da transição, ou se houvesse a negociação daquilo que o Presidente explicou ao contrário, que um pacto de regime era melhor para Angola, eu também concordo. Esclarecendo que o pacto de regime não é negociação de divisão do poder, isso é para quem não conhece. O pacto de regime é dizer assim: se governa a UNITA ou se governa o MPLA ou se governa a FNLA, ou se governa a CASA-CE, a Educação tem bases mínimas que garante a percentagem, a Saúde X percentagem, é uma garante daquilo que é estratégico a ser cumprido para o País. É um sinal extremamente positivo, e aquilo que vem para fora é sempre o desvio, de que pacto de regime é errado, é partilhar o poder, é mentira. Não tem nada uma coisa a ver. O pacto de regime é um sinal de estabilidade.

Na questão do pacto de regime, vamos já lá chegar. Face à estratégia que apresentou no congresso em que foi eleito presidente, a UNITA vai agora às eleições introduzindo nas suas listas duas forças políticas. A opção resultou de uma convicção de que sozinha a UNITA não tinha capacidade de vencer o MPLA nas eleições?

Vou-lhes responder de forma clara. Resulta de duas questões. A primeira dela é de que um dos maiores dramas que Angola tem chama-se partido único. E os angolanos formataram a rejeição ao partido único. E o partido único também criou consequências da sua existência há muitos anos. A UNITA achou que devia chegar à governação demonstrando que tinha rotura com o sistema político. Portanto, não significa fraqueza, significa a necessidade de que devemos abordar as eleições, porque não estará em causa o MPLA e a UNITA, estará em causa Angola e a perspectiva de Angola resgatar um futuro efectivo de dignidade perante o regime. A segunda questão resulta do estudo das leis, resulta de termos uma Constituição atípica e antidemocrática em absoluto, e desenhada de maneira a atender à perpetuação do regime de partido único. Eu estou a ser até muito claro. Convido qualquer angolano a ir estudar a arrumação do modelo de Constituição, do modelo de Lei Eleitoral, e o modelo da Lei da Comissão Nacional Eleitoral que temos, e eles estão de tal maneira arrumados para ser um atentado à democracia. E vou-lhes explicar de forma muito clara: essa foi a segunda razão: em Angola é possível governar em minoria contra uma maioria se nós nos deixarmos distrair, e essa é uma das razões básicas. Explico à comunicação social pela primeira vez. Vamos a um pormenor: vocês conhecem a Geringonça que aconteceu em Portugal, as nossas leis não permitem os institutos da censura ao Governo. Significa que é possível ter no Parlamento um partido minoritário imposto ao País pelo modelo de Constituição que temos. Esse é um alerta ao País!

Eu, com isto, estou a chamar a atenção aos nossos intelectuais, aos nossos juízes, aos nossos académicos, àqueles que estudam, que estamos a viver uma enorme trápola montada pelo partido do regime, que não só tem impossibilitado o funcionamento real da democracia. Eu hoje sou vítima de não ter acesso aos órgãos de comunicação social públicos, não me entrevistam, não fazem o contraditório, não mostram o pensamento diferente de quem governa, mas estamos também a ser vítimas do modelo com que as leis têm sido apresentadas na Assembleia. As leis que têm sido aprovadas na Assembleia [Nacional] na sua maioria tendem a perpetuar o partido de regime, muitas delas não são leis democráticas, e essa é a segunda razão da Frente Patriótica Unida, dito agora de forma muito clara, podemos em Angola ir para uma eleição onde um partido que tem, por exemplo, 74 deputados, há outro que tem 71, há outro que tem sessenta e tal, o partido que tem 74 deputados, se os outros se unirem todos [ainda assim] quem vai formatar o Governo, é o partido que tem 74 deputados, e chegado ao Parlamento, este partido impõe-se à maioria, porque o Senhor Presidente é o Comandante-em-Chefe das Forças Armadas, subverte a democracia, porque é assim que está a dizer a Constituição, submete a vontade de uma maioria expressa pelo voto e pode impor uma ditadura, porque o Governo não pode ser derrubado, pois não há um instituto da censura ao Governo. Talvez os senhores jornalistas estejam a ouvir isso pela primeira vez, talvez.

Eu fui procurar uma forma de não desperdiçar votos, e posso mesmo começar a dizer, eu vou apelar ao voto útil antes das eleições. Exactamente por causa dessa trápola que o MPLA está a fazer aos angolanos. O MPLA pensa que o Governo lhe pertence sem limites, pensa que a sua governação é um direito sem limites, pensa que Angola é um quintal seu e, por isso, subverte as leis, não as respeita. Senhores jornalistas, vejam que o Presidente da República mudou a Constituição sem debate, mudou a Lei Eleitoral, mudou a Lei de Registo Eleitoral, mudou a Lei de Imprensa, está a querer limitar o direito às sondagens, e ouvimos o presidente da CNE dizer esta semana um absurdo: "ninguém pode fazer contagem", mas o que é isso? Já viram o atentado às liberdades e às garantias individuais e colectivas que isso representa?

Há uma série destes senhores que foram colocados nestes lugares ilegalmente, e não tenho nenhum problema em prová-lo aqui. A Assembleia Nacional deu posse ao presidente da CNE, sabendo que corriam processos contra ele no Tribunal Constitucional, e não é possível dar posse a ninguém enquanto houver processos contra si. A UNITA era autora de um destes processos. A outra, a autoria era de um dos candidatos, que continuou com um processo e uma acção cautelar. As instituições foram obrigadas a mentir. Uma carta do presidente do Tribunal Supremo foi feita a mentir também, a dizer à Assembleia que "não havia nenhum processo a correr", e deu-se posse daquela pessoa que dirige o órgão que vai decidir sobre a legitimidade política do futuro Governo de Angola.

É por todas essas razões que vem o nosso apelo à consciência de como se deve participar destas eleições. Não está em causa se se trata de uma vitória da UNITA, está em causa, sim, se estamos ou não a ter a possibilidade de ter no futuro um Governo legal e legítimo ou termos a continuidade de um partido com medo de viver fora do poder e que subverte as leis. E eu digo isso com toda a responsabilidade. Portanto, este é o segundo motivo. Estou a responder-lhes de forma muito clara! Olhei para o panorama de Angola e fomos buscar um conjunto de forças, de representatividade, e eu repito aqui, não temos apenas o projecto político PRA-JA Servir Angola, liderado por Abel Chivukuvuku, o Bloco Democrático, temos também a sociedade civil e vamos apelar ao voto útil.

Tendo em conta o cenário que apresentou, está a dizer que estamos diante de uma fraude. Caso os resultados não forem aqueles que a UNITA espera, qual seria o passo a seguir?

Temos estado a apelar a todas as instituições para trazerem o processo ao carril da legalidade. E dentro do processo do carril da legalidade, qualquer partido deve aceitar os resultados que tiver. Vou repetir. Dentro do processo em que a democracia está garantida e o respeito às leis está garantido, temos de ser democratas. E um democrata nunca vai a uma eleição em que todas essas questões estão garantidas a pensar que só pode ganhar. Agora, o processo, neste momento, como os senhores bem sabem, está eivado de ilegalidades. As listas de votantes estão eivadas de milhões de mortos, têm de sair das listas, obrigatoriamente. Estamos a menos de 30 dias das eleições, e a CNE não só não fez a auditoria ao Ficheiro dos Cidadãos Maiores - está a violar a lei, e eu vou voltar um bocadinho. As leis dizem que o senhor ministro da Administração do Território, que tutela o registo, deve entregar à CNE as listas dos cidadãos que se registaram expurgadas daqueles que não podem votar. Significa que o ministro que entregou as listas sabendo que tinha os mortos e que havia cidadãos que não estavam expurgados de votar cometeu uma violação à lei - um caso. Segundo caso, a CNE sabe que, ao receber o ficheiro, deve auditar, a lei assim obriga. Para quê? Para ter a certeza de que os cadernos eleitorais são feitos em massa apenas e só aos cidadãos que podem votar, e que não estão repetidos na condição de duplo voto, e essa a auditoria não é uma opção, é uma obrigação.

O que é que fez o presidente da CNE? Entregou o Ficheiro dos Cidadãos Maiores no ciclo ao TC como legítimo para serem feitos os cadernos eleitorais. Nós estamos aqui a assistir aos olhos vistos, em plena luz do dia, e o mais interessante é que todos estão a assistir. Hoje, o cidadão está maduro, e todos estamos a ver, e nós estamos a chamar a atenção: cuidado, nós estamos a ver! E estamos a fazer uma segunda coisa, nenhuma das ilegalidades que estão a ser cometidas ficaram sem processos nos tribunais, nenhuma. Portanto, senhores jornalistas, vejam o desenho que nós estamos a fazer e, como cidadãos inteligentes, começam já a perceber por onde vamos caminhar. Nós estamos a chamar atenção ao Governo angolano: não se distraiam, estamos a chamar atenção aos juízes do TC, para respeitarem a Constituição e a lei, depois não se queixem.

Para onde vamos caminhar?

Estamos a chamar atenção ao presidente da CNE, que o senhor deve respeitar a Constituição e a legalidade. Nós estamos a querer respeito às leis e à legalidade apenas. E aquilo que a UNITA fez foi recorrer ao direito e às instituições, apenas e só. E as nossas leis dizem que não se recorrem às instituições internacionais sem esgotar as nacionais, e estamos a cumprir com o direito na plenitude. Quero dizer aos senhores jornalistas que começámos por escrever aos governadores: "Senhores, estamos em pré-campanha. O senhor está a ver o partido do regime pôr a pintura em tudo quanto é cidade no País. Isso é ilegal? Mandem tirar as bandeiras; mandem tirar toda essa propaganda". Não tiraram! Nós fizemos toda pré-campanha com violações à lei. Vimos Sua Excelência Presidente [da República] fazer compras do voto, transmitido na televisão; vimos aprovar subsídios às famílias angolanas em período de pré-campanha para comprar o voto, distribuir bens. Chama-se corrupção eleitoral.

Filmamos, tudo isso. Fotografámos as províncias com excesso de propaganda, e metemos tudo no Tribunal Supremo. Nós agarramos nos programas da TPA com os excessos de propaganda, com a falta da pluralidade, com os ataques a nós sem convite de presença, e fizemos 61 disquetes e metemos um processo no tribunal com provas de violação às leis. O que é que o Tribunal Supremo fez? Está na gaveta, não foi feito nada. Remetemos ao Tribunal Constitucional vários processos, quase sempre liminarmente recusados não pelo plenário, mas pela presidente. Liminarmente, mesmo quando contraria a jurisprudência.

Dou-lhes um bom exemplo. A presença dos mortos nas listas, os senhores ouviram alguns ilustres membros de alguns ministérios dizerem que é "normal ter mortos nas listas, isto não tem nenhuma consequência". Portanto, não tem consequências? Há um acórdão do Tribunal Constitucional das eleições anteriores a dizer que a "presença dos mortos tem consequências, pode afectar o resultado das eleições". Estou a dizer a jurisprudência do Tribunal Constitucional angolano, no sentido de que é necessário expurgar os mortos. Então, o tribunal não se desautorize... E eu espero que os juízes do tribunal leiam esta entrevista, porque são pessoas de bem, e porque têm o compromisso do respeito à Constituição, então vamos correr, temos ainda tempo. Vamos respeitar as leis.

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