Como vê o processo democrático em Angola, desde as eleições de 1992 até aos dias de hoje?

O nosso processo democrático tem de ser avaliado desde as origens do Estado angolano, pois, na altura da Independência, há quase 50 anos, Angola já era uma democracia do tipo democracia popular, estando mesmo previstas eleições na Lei Constitucional de 11 de Novembro de 1975 para a Assembleia do Povo. Era uma estrutura política baseada no poder popular, mas houve eleições em Angola antes de 1992. A grande diferença foi que, em 1992, pela primeira vez, as eleições foram alargadas a todos os partidos políticos. Foi um passo gigante no aprofundamento da nossa democracia. Houve um terceiro momento constitucional em 2010, mas, em termos de aprofundamento da nossa democracia, essa alteração não teve grande significado. Ficaram pelo caminho as experiências dos Governos de Unidade e Reconciliação Nacional, em que, pela primeira vez, vimos ministros e vice-ministros provenientes de outros partidos políticos. Mas essa fórmula representava mais um remédio para a crise político-militar do que uma via para o aprofundamento da democracia. O que é interessante observar é que a formação destes Governos mistos foi possível sem necessidade de qualquer alteração à Lei Constitucional de 1992. Penso, por isso, que, mesmo à luz da Constituição de 2010, soluções de composição mista dos gabinetes ministeriais são ainda uma possibilidade. Outro passo que será muito relevante para o aprofundamento democrático virá com a instalação do poder local, através das futuras eleições autárquicas.

O aprofundamento do Estado Democrático poderá passar não só pelo poder local como também pela participação de outros partidos políticos nos gabinetes ministeriais. Como é que isso seria possível?

Já lhe disse que, após as eleições de 1992, outras forças políticas participaram de sucessivos Governos e não foi preciso que a Lei Constitucional contivesse alguma directiva para se formar Governo com base nos resultados eleitorais. Essa norma não existia, mas o Presidente da República, a quem a Lei Constitucional conferia o poder para nomear e demitir os ministros, tinha e tem ainda hoje total e absoluta liberdade para nomear quem quiser, seja ou não do seu partido político. É certo que o sistema é agora diferente, porque deixou de haver um Governo órgão de soberania, mas, se pensarmos bem, na prática as coisas não mudaram tanto assim. O Presidente continua a nomear para os respectivos gabinetes ministeriais pessoas em quem primeiro ele tenha confiança e, segundo, que sejam especialmente qualificadas para exercer as funções e atingir os objectivos que lhes sejam atribuídos, tal como um treinador que forma uma equipa tem de contar sempre com os melhores para marcar golos e ganhar campeonatos. É, no entanto, possível ao Presidente da República convocar para a governação personalidades que, não sendo do seu partido, reúnam aquelas duas condições, ou seja a confiança e a competência.

O que é que o Presidente, que também é líder partidário, ganha com isso?

Ganha em dois planos distintos: no plano da boa governação, porque disporá de um auxiliar competente, e no plano do aprofundamento democrático, na medida em que a partilha de pastas governativas contribuirá para a difusão da tensão política, que tenderá a adensar-se e será ainda mais aguda enquanto não for possível realizar as eleições autárquicas.

Considera que uma solução deste tipo alguma vez será realizável em Angola, sem alteração constitucional?

Em primeiro lugar, o que eu disse é que esta composição mista dos gabinetes ministeriais não está vedada pela Constituição. Essa solução não é imposta nem sequer é sugerida na nossa Constituição, mas essa possibilidade existe porque ela cabe, inteiramente, nas competências do Presidente da República. Exemplifiquei os casos por nós conhecidos de Governos de Unidade e Reconciliação Nacional, que foram formados sem necessidade de alterações constitucionais. Em segundo lugar, sou de opinião que esta partilha de pastas ministeriais com outras forças políticas pode contribuir não só para aliviar tensões políticas crescentes na nossa sociedade, mas também para a qualidade da nossa democracia. Defendo, realmente, que os inconvenientes de menor coesão das equipas governamentais mistas são controláveis pelos objectivos de mais rigor que deve ser exigido a todos os auxiliares do Poder Executivo no cumprimento das suas funções e no alcance dos objectivos atribuídos na medida em que os ministros podem ser afastados a todo o tempo pelo Chefe do Poder Executivo.

Leia este artigo na íntegra na edição semanal do Novo Jornal, nas bancas, ou através de assinatura digital, pagável no Multicaixa. Siga o link: https://reader.novavaga.co.ao/