Segundo os cálculos dos técnicos sul-africanos e da câmara municipal da Cidade do Cabo, esta urbe, que alberga quase 4 milhões milhões de pessoas, está a 90 dias de secar completamente, de ficar sem uma gota de água nas torneiras e os reservatórios que a abastecem transformados em poços de poeira e lama pela simples, mas dramática, razão de que não chove uma pinga há mais de três anos consecutivos.

Como o Novo Jornal Online tem noticiado ao longo dos últimos meses, a África Austral atravessa uma prolongada e severa seca, que já é considerada como uma das mais agressivas no último século, com áreas de calamidade declaradas pelos governos dos países afectados, como é o caso da Namíbia, do Zimbabué, Botsuana ou da África do Sul, cujos prejuízos na agricultura já ascendem às dezenas de milhões de dólares.

Em Angola, os efeitos são semelhantes, especialmente no sul do país, onde as agências das Nações Unidas, como a UNICEF, admitem haver mais de um milhão de pessoas afectadas, vastas áreas onde a fome começa a ganhar dimensão, como é o caso mais recente de Caimbambo (Benguela), mas especialmente no Cunene, Kuando Kubango e Huíla, com o registo de centenas de cabeças de gado mortas de sede e fome e populações inteiras sem acesso a água potável.

"El Nino" e "La Nina", os maus da fita

Por detrás desta tragédia que evolui lentamente em toda a África Austral e que já está a colocar cerca de 30 milhões de pessoas em risco directo e a necessitar de ajuda urgente, estão os já bem conhecidos fenómenos meteorológicos "El Nino" e "La Nina".

De uma forma simplificada pode-se explicar estes dois fenómenos como estando intrinsecamente ligados porque o primeiro consiste no aquecimento das águas no Oceano Pacífico e a segunda é o efeito contrário, o arrefecimento, que gera, em contacto com a atmosfera, forte influência nas massas de ar que circundam o planeta, gerando fortes chuvas numas regiões e seca noutras.

Estes dois fenómenos meteorológicos são responsáveis pela prolongada seca na África austral, mas têm igualmente efeitos trágicos noutras regiões do continente, como o Corno de África, por exemplo, e resultam das alterações climáticas provocadas pela poluição atmosférica e a emissão de gases com efeito de estufa, quase na generalidade produzidos pela actividade humana.

O que se passa actualmente na cidade do extremo sul da África do Sul, Cape Town, é um dos efeitos mais visíveis deste cenário e, devido ao elevado número de pessoas que nela residem, a segunda maior e mais habitada do país logo a seguir a Joanesburgo, pode vir a ser palco de uma situação dramática, possivelmente nunca vista.

Isso mesmo admitem as autoridades locais, como é o caso da presidente da câmara (Mayor) de Cape Town, Patricia de Lille, que acaba de fazer aprovar medidas drásticas de controlo de consumo, acompanhadas de uma intensa campanha de sensibilização, que contempla uma espécie de relógio que marca o tempo que falta para o colapso total.

Ou seja, faltam sensivelmente 90 dias para o denominado "dia zero" ou "Day Zero", a partir do qual a água terá totalmente desaparecido dos reservatórios que ainda dispõem de alguma capacidade, e que está marcado para 21 de Abril se o consumo actual, que já está substancialmente reduzido em comparação com aquele registado em condições normais, se mantiver.

A situação está a ser levada tão a sério, face ao dramatismo atingido, que a municipalidade criou um mapa online onde os habitantes podem consultar os hábitos de consumo dos seus vizinhos, através dos registos dos serviços municipais disponibilizados na plataforma digital, podendo desta forma apontar-lhes o dedo pela sua eventual irresponsabilidade.

No entanto, este método, como refere hoje a imprensa local, está a ser negativamente recebido, com fortes protestos nas redes sociais, porque denota uma forma de denúncia que faz lembrar épocas e contextos históricos menos democráticos.

Ajuda internacional

No contexto da África Austral, a FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura), estima que o conjunto dos países mais afectadas necessitem de muitas centenas de milhões de dólares em ajuda distribuída por vários segmentos, desde a compra de sementes para relançar as culturas quando regressarem as condições, para socorrer as pessoas com necessidade imediata, para levar água e alimentos às regiões em maior dificuldade e para apoiar os governos a desenhar planos para prevenir futuras situações semalhentes.

Na primeira linha das transformações necessárias para prevenir secas deste género no futuro, estão a construção de diques e barragens, estudar alterações das culturas agrícolas tradicionais por outras mais resistentes á falta de água, avançar para campanhas de sensibilização adaptadas às culturas sociais locais para melhorar a forma de consumir a água disponível, criar sistemas de armazenamento de sementes, etc.