Os arguidos são acusados também de colocarem nas folhas de salários da Unidade da Guarda Presidencial (UGP) nomes de familiares e amigos com patentes de oficiais, que recebiam salário, mas que nunca pertenceram aos quadros.
Finalmente, o julgamento arrancou quase dois meses depois da primeira data anunciada pelo Tribunal de Comarca de Luanda, em Junho último, e após desentendimento entre o tribunal e os advogados dos arguidos.
Esta segunda-feira, antes do arranque da sessão de julgamento, que decorreu ao princípio da noite, após ter sido suspenso durante toda a manhã, o tribunal substituiu 23 advogados de vários arguidos no processo por entender que perturbaram o arranque do julgamento, indicando apenas um defensor oficioso estagiário para os arguidos cujos advogados foram afastados do processo.
A posição do juiz não agradou à Ordem dos Advogados de Angola (OAA), que se fez presente na sala de julgamento pelo seu vice-presidente, Jair Fernandes, que lamentou a postura do tribunal e realçou que brevemente a OAA irá pronunciar-se sobre o assunto.
Segundo o Ministério Público, que fez a leitura da acusação durante três horas, o major Pedro Lussaty e os outros arguidos no processo aproveitaram-se das suas posições e criaram uma associação criminosa para defraudar o Estado angolano em avultadas somas da Casa Militar da Presidência da República.
Conta o MP que, durante dez anos - de 2008 a 2018 -, os arguidos processaram salários de centenas de milhares de militares já falecidos ou desistentes, com as patentes até tenente-coronel, e também criaram, na província do Kuando Kubango, batalhões e regiões militares que nunca existiram, mas cujas folhas de salários eram processadas.
"Os mortos e desistentes sempre constavam da lista de pagamento da Casa Militar da Presidência da República", assegura o MP.
Conforme narra a acusação, existiam dez batalhões na Unidade de Guarda Presidencial, dos dez apenas oito existiam, sendo dois fantasmas, o, 6.º e o 8.º batalhão, que se situavam na província do Kuando Kubango.
Entretanto, rezam as normas militares que o batalhão é uma unidade militar constituída por duas ou mais companhias, sendo tradicionalmente comandada por um coronel, tenente-coronel ou major. Normalmente, tem um efectivo médio que pode ir de 500 a 800 militares. Dois ou mais batalhões podem constituir um regimento, ou uma brigada.
Segundo o MP, de 2008 a 2018, havia ainda centenas de efectivos da Casa Militar da Presidência da República que recebiam os seus ordenados em mão, mas que por força do despacho do então ministro de Estado e Chefe da Casa de Segurança do Presidente da República, Pedro Sebastião, esse procedimento deixou de existir.
Mas, segundo a acusação, os arguidos apercebendo-se da situação, recrutarem pessoal de forma ilegal e inseriram-no nos quadros da unidade, como se de militares se tratassem, e depois repartiam os valores.
A acusação refere ainda que os arguidos Pedro Lussaty e outros repartiam entre cada um, e de forma fraudulenta, mais de 25 milhões de kwanzas todos os meses.
Esse dinheiro era dividido em "cash" e entregue em malas de viagem aos demais arguidos envolvidos, prossegue a acusação.
"Eles fixavam os valores em numerário, a serem pagos, muito superiores à necessidade da unidade", salienta o MP, que refere que o excedente, depois do pagamento dos salários, ficavam com o resto.
Conforme a acusação, os arguidos Domingos António e Joaquim Amado, com o volume de dinheiro que restava depois dos pagamentos, transformaram a tesouraria da unidade numa espécie de banco comercial, porque, segundo o MP, passaram a conceder financiamento aos militares em milhões de kwanzas.
Entretanto, os peritos das Forças Armadas Angolanas (FAA) identificaram em vários batalhões nomes de vários efectivos militares que constavam das folhas de salários da UGP, mas que, na verdade, não existem fisicamente.
Reza a acusação, que só na província do Kuando Kubango vários arguidos colocaram nomes nas folhas de salários da UGP, familiares, amigos e parentes como oficial da unidade e recebiam eles próprios os salários.
Conforme descreve a acusação do MP, o major Pedro Lussati, principal arguido de um esquema fraudulento envolvendo militares da Casa de Segurança do Presidente de República, transferia alegadamente milhares de euros e dólares para Portugal através de empresas do grupo Irmãos Chaves.
Pedro Lussati, tido como o cabecilha do grupo, foi detido em 2021, na posse de milhões de dólares, euros e kwanzas guardados em malas e caixotes, sendo igualmente proprietário de mais de uma dezena de viaturas e relógios de luxo.
O julgamento do "caso Lussaty" decorre no Centro de Convenções de Talatona, sob fortes medidas de segurança, por falta de espaço no tribunal dona Ana Joaquina, face ao número de arguidos e de declarantes.
Os arguidos são acusados dos crimes de peculato, associação criminosa, recebimento indevido de vantagens, participação económica em negócios e abuso de poder e também de fraude no transporte ou transferência de moeda para o exterior do País, comércio ilegal de moeda, falsificação de documentos, branqueamento de capitais e de falsa identidade.
A sessão de discussão e julgamento é retomada amanhã, quarta-feira, 17.