Os balões da nossa infância eram tesouros que se compravam, 5 a 5 tostões, e acendiam sorrisos nos semblantes das crianças que nós éramos, quando os podíamos ter. Enchiam-se com cuidado, e com eles se jogava, em ambiente controlado, para que uma lufada de vento não os roubasse, nem algum dos espinhos dos arbustos inadvertidamente os rebentasse.
Hoje, nas zonas mais afluentes da nossa cidade, são lixo. Restos de manifestações do novo-riquíssmo que grassa pela nossa sociedade, onde emolduram entradas das catedrais do consumismo que passaram a ser os locais onde se comemoram os aniversários das crianças que podem. Terminada a festa, ou melhor, a actividade de afirmação social da(s) família(s) a que pertence o homenageado, montanhas de balões aos molhos são arrastados para o contentor mais próximo, onde são catados pelos frequentadores do local, entre restos de comida e metais para vender no ferro-velho. Sem entusiasmo. Alguns escapam-se às mãos indiferentes, e acabam por procurar a liberdade da via, até serem, inevitavelmente, transformados em mais um pequeno pedaço de borracha que irá entupir as sarjetas e poluir a nossa costa, afectando o ecossistema, assassinando aves e peixes que são atraídos pelo colorido fatal.
Os balões são só o adereço mais visível do imenso conjunto de pequenas inutilidades que apenas servem para dar mais corpo ao hino do consumismo - onde brindes e vacuidades se tornaram obrigatórios -, em que essas festas se transformaram.
O problema, e repare-se que me estou a concentrar nas festinhas de crianças, mas esse fenómeno é muitas vezes multiplicado quando se chega a celebrações tradicionais - pedidos, casamentos - para não falar nas mais recentemente inventadas - chás disto e daquilo -, é que estamos a formar gerações que dão cada vez mais valor àquilo que é vão, disputando a aparência em detrimento do esforço honesto e persistente, que é o fundamental para que se pudesse construir uma sociedade sã.
Estamos a apostar numa sociedade em que o parecer é mais importante que o ser.
Uma criança que, desde tenra idade, só se sente feliz, no dia do seu aniversário, porque a sua festa foi maior, ou pelo menos similar, à do coleguinha, não poderá dar lugar (salvo as inevitáveis excepções) a um adulto que preze os valores certos. E isso é muito preocupante, mesmo porque poderá induzir um outro sentimento negativo: o do desprezo por aqueles que não têm condições económicas para entrar nesse jogo de desperdício.
Entretanto, nas ruas da cidade, crianças estendem a mão, ou exibem cartazes pedindo pão, num espectáculo que constrange, e nos deveria fazer agir.
A nossa sociedade está doente!
Os balões coloridos
Os balões coloridos pululavam na estrada do bairro. Pedaços de cor e luz, que, com gestos fluidos, se iam desviando das viaturas que passavam, como se pressentissem o perigo. Estavam em grupos, vários balões amarrados, formando moléculas variadas, representando talvez, não elementos químicos, mas visões da sociedade - aspirações, desejos, desilusões -, as cores com significados que acendiam sentimentos díspares naqueles que os viam: uns temendo pela sua extinção, outros desejando-a, e, talvez a maioria, completamente indiferente à dança dos balões.
