Tudo por causa da variante Omicron, descoberta na África do Sul e no Botsuana, gerando pânico global com a África Austral a ver os países, um após outro, a suspender as ligações aéreas para esta região, incidindo especialmente naqueles com fronteiras terrestres com os Estados onde a nova estirpe do Sars CoV-2 foi identificada.
Mas, por detrás deste céu limpo de aviões - como se pode observar na foto extraída da aplicação Flight Radar, que permite visualizar a quase totalidade dos aviões que estão no ar em determinado momento e em todo o mundo - está uma tempestade económica sobre o conjunto de países da África Austral, de onde Angola, para já, se mantém a salvo.
Isto, porque, com a suspensão dos voos e o fecho de fronteiras, emergem fortes implicações económicas, como o Presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, o afirmou sublinhando a injustificada "guetização" da parte austral do continente que já está a lutar em esforço contra os efeitos devastadores da crise pandémica.
Mostrando-se "profundamente desapontado", Ramaphosa, em tom que não escondia a irritação, exigiu que esta proibição de viagens de e para a África do Sul e os seus vizinhos seja "levantada com urgência", alegando que não existem quaisquer razões científicas que sustentem estas medidas precipitadas por parte de países como o Reino Unido, os EUA, Japão, Brasil ou União Europeia, sendo que também os países africanos, incluindo Angola e o Ruanda, alinharam pelo mesmo diapasão.
Cyril Ramaphosa disse ainda, numa comunicação feita para chegar às capitais globais, que nada justifica os prejuízos económicos que estas restrições infundadas implicam para os países visados.
Mas as críticas partiram igualmente da Organização Mundial da Saúde (OMS), com o seu director-geral a pedir que as decisões não sejam tomadas sob o efeito da epidemia de pânico, enquanto o director da OMS-África, Matshidiso Moeti, foi mais longe e disse que este "cerco à África Austral é um ataque directo à solidariedade global".
Uma das mais veementes reacções contra estas medidas extemporâneas veio da representante da African Vaccine Delivery Alliance da União Africana, Ayoade Olatunbosun-Alakija, que, numa entrevista à BBC World, afirmou que África merece tão pouco respeito que, apesar da ausência de evidências sobre a origem da variante, o mundo mostrou disponibilidade para fechar o continente à chave e deitar a chave fora.
E tudo em cima de, ao que os dados disponíveis permitem aferir, um grande nada, como o deixou perceber a própria OMS que, no seu site oficial, avançou que não existem quaisquer indícios de que a Omicron, apesar de ser contagiosa, mas não provadamente mais que a Delta, não provoca doenças mais graves que as restantes, havendo mesmo dados que apontam para que se trate se uma variante menos agressiva para a saúde humana.
Isso foi igualmente dito pelo médico que descobriu a Omicron, que é a 15ª letra do alfabeto grego, o sul-africano Angelique Coetzee, que, citado pelas agências, afirmou categoricamente que esta variante provoca apenas sintomas ligeiros em condições normais.
E o mesmo parece ser deduzível a partir do caso extraordinário que ocorreu em Portugal, onde 13 jogadores da equipa Belenenses SAD foram testados positivos à Omicron mas sem que nenhum deles tenha tido mais que ligeiros sintomas e a maioria se tenha mantido assintomática.
Ou seja, como sublinhou o Presidente sul-africano, as proibições que levaram ao cerco à África Austral servem para "provocar danos às economias" dos países visados mas sem que isso tenha qualquer impacto no impedimento da progressão da Omicron pelos quatro cantos do mundo, como se está a ver com as notícias de casos registados em mais e mais países e continentes.
"Isto está apenas a criar mais dificuldades aos países que lutam com fortes restrições contra a crise gerada pela pandemia da Covod-19", apontou.
O que se sabe ao certo...
... é que, como nota a OMS, o que diz respeito à severidade dos sintomas e da doença gerada pela nova estirpe, não existem dados que permitam dizer seja o que for com certezas, mas admite que os primeiros dados em avaliação sugerem que não existem diferenças substanciais em relação às outras variantes.
Porém, existem igualmente indícios de que pode haver um crescimento de reinfecções com esta nova variante sem que isso permita ir além da afirmação de que a Covid-19 é uma doença grave que causa hospitalizações intensivas e morte, seja quais forem as variantes em apreciação.
O que é já certo é que os testes PCR e os vários testes rápidos antigénio existentes detectam esta variante tal como as restantes. E no que toca aos tratamentos, a doença severa gerada pela Omicron é igualmente tratável com os medicamentos existentes, como as vacinas, estado em estudo se existem variações entre variantes de eficácia, seja na doença severa, seja nos casos mais ligeiros da infecção.
No entanto, a OMS mantém a condição de variante de preocupação, o que, por si só, implica um conjunto alargado de acções por parte dos países, nomeadamente o aperto da vigilância e sequenciação de genomas, que devem ser partilhados com a comunidade científica internacional.
E foi, precisamente, o que a África do Sul, fez ao detectar e sequenciar o genoma da Omicron, que é, em síntese, "desmontar" o vírus para perceber onde estão as diferenças entre as diferentes famílias (estirpes).
O preço que a ciência sul-africana pagou, por ser eficaz, foi a transformação do país, e de quase toda a restante África Austral, de onde Angola, para já, se salva, numa espécie de "gueto" sem que, na verdade, se saiba ainda qual a origem da Omicron, apesar de haver indícios, ainda por precisar, de que seja o Nordeste da África do Norte a região mais provável do seu surgimento.
Isto, porque foi pelo trabalho destes países que o mundo ficou a conhecer a Omicron mas, sem se saber de onde esta partiu, viram-se ostracizados quando outros países, como Bélgica, Alemanha, Reio Unido, Portugal, China e Israel, entre outros, já detectaram a estirpe e nem por isso foram... "guetizados".
Para Angola...
... que também suspendeu os voos para estes países, a questão essencial é travar ou retardar a chegada da Omicron ao território nacional, mas estando já confirmada a presença desta nova variante em Portugal, o principal destino aéreo de Luanda para a Europa, a questão é: E agora?.
Angola, apesar de estar geograficamente localizada na África Austral, tem permanecido fora da lista vermelha europeia porque não possui fronteiras terrestres com os países tidos como o epicentro desta nova inquietação global.
Com Portugal na lista dos países onde foi detectada a nova variante, sendo que semanalmente largos milhares de pessoas se deslocam entre um e outro país, o risco de suspensão de voos entre Luanda e Lisboa e Luanda e Porto, ergue-se como uma possibilidade.
Os casos detectados em Portugal, 13, são todos jogadores de uma equipa de futebol, a Belenenses SAD, sendo que, de acordo com a Direcção Geral de Saúde portuguesa, nenhum dos doentes apresenta sintomas graves e na maior parte estão assintomáticos, o que,pelo menos nestes casos, permite deduzir que a Omicron não é substancialmente mais patogénica que as outras, embora sendo já claro que tem grande capacidade de propagação.
Há, no entanto, uma polémica antiga que ganhou vida com o surgimento da Omicron, que é o desfasamento gigantesco entre os países mais ricos e os mais pobres no que diz respeito às taxas de vacinação devido à evidente desigualdade no acesso às vacinas, perceptível nos muito dispares índices de imunização.
Um exemplo claro, que serve por ser mais próximo da realidade angolana, é que o país ainda não passou dos 9% de vacinados complestos quando Portugal já está nos 90%. Mas nem sempre o problema resulta de escassa disponibilidade de vacinas.
Angola, com perto de 34 milhões de habitantes, mantém, de acordo com a Universidade Johns Hopkins. um dos registos mais baixos do mundo de vacinação, com 8,3 % da sua população imunizada (8,7 milhões de doses administradas e 2,6 milhões de pessoas com vacinação completa), que compara mal com os países vizinhos (Namíbia, 11,4% - Botsuana, 18,1% - África do sul, 23,8% - Moçambique, 9,8% - embora não exista falha de vacinas, estando mesmos os postos criados para o efeito às moscas ou pouco mais.
Com esta escassa percentagem de população vacinada, se o País for invadido por uma estirpe com elevado grau de letalidade e transmissibilidade, e que tenha maior capacidade patogénica sobre a população mais jovem, como pode, eventualmente, vir a ser o caso da Omicron, uma tragédia pode estar ao virar da esquina, como têm advertido os especialistas da Organização Mundial de Saúde que apontam a imunização como a melhor forma de prever tal cenário.
Por detrás da escassa vacinação em África está, além da disponibilidade de vacinas ser menor, questões culturais onde sobressaem crenças místicas ou outras, como, por exemplo, que a vacina reduz a fertilidade dos inoculados.
OMS reafirma urgência de aumentar vigilância
Face ao cenário actual, a OMS pediu nas últimas horas que os Governos priorizem a vigilância sobre esta nova variante do Sars CoV-2, sublinhando a importância dos plano de contenção e de resposta.
Para evitar surpresas, a OMS entende ser essencial também manter a possibilidade de esta variante poder revelar-se mais perigosa do que os primeiros dados admitem antecipar, nomeadamente no que diz respeito ao reforço dos seus sistemas de saúde nacionais.
Comunicar quaisquer alterações ao vírus, notada pela necessária sequenciação permanente da variante, à comunidade internacional e ter capacidade de resposta a surtos localizados.
Mas a OMS faz, neste comunicado, um outro sublinhado. Mesmo que esta variante não se revele mais danosa para a saúde humana que a Delta, por exemplo, isso não pode, de forma nenhuma levar a um baixar de braços no combate à pandemia porque a Covid-19 é uma doença grave e isso não muda em nada mesmo que a Omicron não se revele mais agressiva.
Até porque, para já, sabe-se que esta nova variante, no mínimo, tem a mesma capacidade de progressão que a Delta, o que significa que se espalha pelo mundo a grande velocidade.
E os números de mortos no mundo são a prova de que a Covid-19 é uma doença grave: até hoje morreram quase 5,2 milhões de pessoas e 260 milhões foram infectados, com pelo menos um terço destes a terem de ser internados em distintos graus de gravidade.
Esta agência das Nações Unidas para a saúde global mantém como conselho maior que os países apostem na vacinação porque é essa a melhor forma de combater esta pandemia.
O problema é que o mundo assiste a uma gigantesca desigualdade nesse combate, com os países mais pobres, onde África assume o topo da lista, a terem muito menos acesso às vacinas, como o demonstra o facto de o continente estar com índices de vacinação inferiores a 20 por cento e na maior parte abaixo de 15%, como é o caso de Angola, com a vacinação completa, duas doses, quando na Europa, por exemplo, há países, como Portugal, que já estão nos 90%.
Porém, nem sempre é apenas devido à escassez de vacinas, porque o continente africano conta ainda com obstáculos que não existem no resto do mundo de forma expressiva, que é a existência de igrejas que "proíbem" os seus fieis de se vacinarem, o medo de que as vacinas induzam a infertilidade ou que estejam a espalhar outras doenças ou ainda crenças esotéricas diversas.
Certo e seguro é que, como a fotografia tirada do site da aplicação Flight Radar perto das 10:00 de hoje, demonstra, os céus da África Austral vão-se esvaziando de aviões, mostrando apenas os que integram as rotas internas, ou os escassos que ainda ocorrem, essencialmente voos humanitários ou de repatriamento, como os da TAAG marcados para hoje rumo à África do Sul, Namíbia e Maputo.