Os supostos falsos militares são julgados no Tribunal de Comarca de Luanda, ou contrário do Tribunal Militar, onde seria natural estarem a ser ouvidos, por serem considerados civis sendo a acusação centrada em alegados crimes de usurpação de funções e associação criminosa.
Segundo acusação do Ministério Público (MP), os supostos falsos militares ostentavam todos os graus de oficiais.
Dos 30 arguidos, um é tenente general, três são coronéis, quatro tenentes-coronéis, seis majores, 13 capitães e três tenentes.
Conforme a acusação, o grupo do ex-comando "tigres" em julgamento "são oportunistas que pretendiam ser inseridos na Caixa Social das FAA".
O magistrado do Ministério Público, João Gaspar Pedreneira, que apresentou a acusação, disse que o ex-comando "tigres" são provenientes do ex-comando "catangueses", da República Democrática do Congo (RDC), e que foram inseridos nas Forças Armadas Populares de Libertação de Angola (FAPLA), em 1977.
Anos depois, prossegue, esse contingente foi repartido em dois grupos, sendo um liderando pelo general Bumba Nataniel, que regressou à RDC, e outro liderado pelo comandante Gilberto João Kafunda, incorporado nas Forças Armadas Angolanas, no 24.º Regimento dos "tigres".
Segundo a acusação, com o alcance da paz em Angola, em 2002, o 24.º Regimento dos "tigres" foi desmobilizado e os seus elementos cadastrados na Caixa Social das FAA, onde os ex-militares recebem as suas pensões.
Porém, um elevado número de descontentes das forças militares do ex-comando "catangueses", com o objectivo de obterem benefícios da situação, criaram em 2017 o ex-comando "tigres", com o propósito de reclamarem o enquadramento nas fileiras das FAA, refere o MP.
Conforme descreve a acusação, o grupo do ex-comando "tigres" tinha cerca de 1.300 efectivos espalhados na província de Luanda.
O MP assegura que o grupo era composto, na sua maioria, por jovens, filhos de militares "catangueses" falecidos que reivindicam a indemnização por parte do Governo angolano pela morte dos seus pais em combate.
A acusação conta que esses jovens foram recrutados e submetidos a treino militar e realizavam formaturas semanalmente, num terreno em Viana, sob liderança do suposto tenente general Pedro Santos Monteiro, de 64 anos, arguidos no processo.
Narra o MP que no dia 10 de Novembro de 2020, quando os efectivos do ex-comando "tigres" se encontravam concentrados para realizarem as suas actividades militares e administrativas, num terreno localizado no km 58, bairro Kilenqa, arredores do futuro aeroporto internacional de Luanda, no município de Viana, este foi desmantelado por forças mistas compostos por polícia militar (PM) e Polícia Nacional (PN) que resultou na detenção dos 30 elementos.
A acusação refere que os 30 arguidos eram os principais chefes do denominado comando "tigres" e com eles foram apreendidos alguns pares de fardamentos e patentes.
A história "estranha" do suposto falso tenente-general de 64 anos
Pedro Santos Monteiro, de 64 anos, um dos principais arguidos neste julgamento, contou ao tribunal que é militar desde 1973 e que trabalhou na primeira região norte.
Disse também que chegou a major das FAA em 1993, mas que apenas uma só vez recebeu o seu salário como militar e ostentava o NIP 40113893.
Pelo facto de não estar a receber salário nas FAA e de dar toda a sua juventude à guerra, em prol da Nação, fez várias reclamações mas nunca viu a sua situação resolvida.
Explicou ao tribunal que conhece muitos oficiais generais que foram seus colegas, como são os casos dos generais "Tronco" e Lúcio do Amaral e lamentou o facto de estar detido e humilhado visto que muitos oficiais ainda em vida podem testemunhar a sua estória, mas que estranhamente não o fazem.
O arguido salientou que não sabe como não está cadastrado como efectivo das FAA, visto que recebeu missões e liderou batalhões em diversas frentes de combate.
"Em 2004 recebi a patente de tenente-general, patente esta que me foi dada pelo general Catenda", disse.
Contou ainda que ficou desanimado, no mesmo ano, pelo facto de não receber salário como oficial general e que se cansou de fazer reclamações junto do Estado-Maior do Exército.
Pedro Santos Monteiro disse à juíza principal, Josina Falcão, que o seu ordenado está, provavelmente, a ser entregue a outras pessoas das FAA.
O alegado tenente-general disse também que muitos dos generais do seu tempo já são falecidos e os que estão vivos fingem que não o conhecem.
Pedro Santos Monteiro negou que o grupo é uma associação criminosa e que foi ele quem deu a conhecer ao Estado-Maior do Exército, à Casa Militar da Presidência e à Região Militar de Luanda que se organizavam para reivindicarem os seus direitos, em função de não serem remunerados e reconhecidos pelo Estado.
"Foi assim que passado uma semana, fomos surpreendidos em Viana, pela Polícia Militar e as forças de defesa e segurança, acusando-nos de estarmos a preparar um golpe de estado contra o Presidente João Lourenço e destruíram as nossas provas documentais", lamentou.
Pedro Santos Monteiro salientou ser falso que foram encontrados com armas e outros meios militares, assegurando que não recrutavam jovens nem davam instruções militares, como estão acusados.
A sessão de julgamento dos 30 suposto falsos militares decorre na 6.º secção do Tribunal Provincial de Luanda.