Angola utiliza apenas 20% dos 58 milhões de hectares de terras arável. Afinal o que está mal para que Angola não seja auto sustentável do ponto de vista alimentar?
O País tem potencialidades agrícolas, e quando falamos em potencialidades agrícolas estamos, essencialmente, a olhar para dois factores primários: recursos hídricos e a terra. Estas duas potencialidades não são suficientemente exploradas para fazer de Angola um País auto-suficiente do ponto de vista alimentar.
Há várias razões que estão na base disso. Gostaria de apontar pelo menos três razões. A primeira é de âmbito político. É verdade que de há algum tempo a esta parte temos estado a constatar alguma atenção para o sector da agricultura, ou seja, a agricultura que nos anos longínquos, estou a falar concretamente depois do alcance da paz, não era tida. Na minha perspectiva, o petróleo era visto como um sector prioritário, porque naquela altura o País registava níveis crescentes de produção petrolífera, por um lado, e por outro, registava preços bastante significativos, o que permitia, exactamente, o crescimento da economia angolana.
Depois de estarmos a verificar a queda na produção de petróleo, alguma instabilidade no preço no mercado internacional, a pandemia da Covid-19, as crises globais, nomeadamente o conflito armado entre a Rússia e a Ucrânia, o conflito armado entre Israel e a Palestina associada à situação das mudanças climáticas, estimulou que o Governo desse uma atenção política ao setor da agricultura. É por essa razão que pela primeira vez em Angola, de 2023 para 2024, o Executivo angolano alocou um financiamento para poder apoiar o arranque da campanha agrícola e fez isso recentemente com financiamento de 82 milhões de dólares para a aquisição de fertilizantes para a campanha agrícola para 2024 e 2025. A segunda razão que está na base de Angola ainda ser um País excessivamente dependente do ponto de vista da alimentação (porque continua a depender de importações, ainda não somos um País autossuficiente alimentar), somos um país que se não importarmos temos dificuldades para garantirmos a segurança alimentar e nutricional. Por isso, a dimensão da institucionalidade é fundamental (institucionalidade significa dar maior robustez ao sector da agricultura) num país caracterizado por extrema fome e pobreza, o sector da agricultura deve merecer uma atenção particular, o que não acontece.
Por que razão?
É por essa razão que o sector da agricultura é o que tem poucos quadros, e não se produz com poucos quadros. Sem quadros não é possível realizar a extensão rural. Quando vamos para os municípios deste País,encontramo as estações de desenvolvimento agrário com menos recursos humanos. Em média, no município encontra-se três técnicos agrários para atender um universo de três a cinco mil produtores agrícolas familiares, o que é impossível. E mais: sem meios de trabalho que correspondam à exigência do seu espaço de trabalho, como meio de transporte para poder deslocar as localidades. O País tem potencialidades enormes para, a curto e médio prazo ser verdadeiramente autónomo do ponto de vista da suficiência alimentar, mas enquanto não houver um investimento robusto no sector da agricultura, teremos dificuldades para sermos auto-suficientes do ponto de vista alimentar.
Já que fala de falta de investimento, vê-se ainda, nos nossos dias, pouco valor atribuído ou alocado para a agricultura. Acha que esta exiguidade, do ponto de vista da alocação de verbas para o sector, pode tornar num fracasso o projeto PRODESI?
É importante compreendermos que nem tudo passa pela quantidade financeira, mas pela qualidade da despesa. Ou seja, é evidente que precisamos de recursos significativos para respondermos aos desafios do setor agrícola, mas temos de entender que isso não é suficiente. É preciso adicionar a isso outros elementos, como, por exemplo, aplicar os recursos existentes para aqueles recursos técnicos que estão ao alcance dos camponeses e dos agricultores.
O que acontece no País é que ainda continua-se a pensar numa tecnologia sofisticada, de ponta, para atender as necessidades da produção agrícola, quando em Angola muitos agricultores, pequenos, médios e grandes, ainda enfrentam desafios de conhecimento, a fim de colocar esses instrumentos técnicos em funcionamento. É importante que aqui possamos aprender com lições do passado. O Governo fez um investimento significativo, mas sem resultados. Note os ensinos que foram instalados neste País, os chamados Centros Agro-industriais. Muitos destes não estão a funcionar. O Executivo foi obrigado a privatizar muitos destes centros. São recursos avultados com efeitos nulos. Eu conheço vários. Posso dar o exemplo do Centro Agro-industrial do Cubal, que foi montado para produzir milho. A ideia é positiva, mas foi exactamente um projecto desenvolvido numa localidade que regista poucas chuvas.
Então, é importante fazer um investimento robusto no sector, mas não somente pensar em coisas grandes. É preciso pensar em coisas pequenas e que funcionem. Outra ideia é pensar na agricultura familiar combinada com a agricultura empresarial, no sentido de que o complemento entre a agricultura familiar e a agricultura empresarial concorram para o fomento da produção agrícola no País.
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